sexta-feira, setembro 23, 2022

Maiores obras públicas nem metade dos fundos gastaram

 

Ao nono ano deste “velho” quadro comunitário Portugal 2020 ainda há grandes investimentos públicos com dificuldades em sair do papel, apesar do financia­mento europeu na ordem dos 85%. Basta olhar para os mais recentes dados do portal Mais Transparência e fazer um zoom à taxa de execução das 20 maiores obras públicas apoia­das pelo Portugal 2020. Os dados referem-se a 30 de junho de 2022, quando faltava ano e meio para o fim do prazo deste quadro comunitário, que arrancou em 2014 e termina em 2023. Então, o conjunto das 20 maiores obras públicas só executara 40% do envelope de €1,1 mil milhões a que teve direito no Portugal 2020. Apenas meia dúzia destas obras conseguiu investir 70% ou mais dos fundos obtidos. A maioria tem, pelo menos, dois terços dos fundos ainda por gastar. A mais atrasada é a construção do Hospital Central do Alentejo, que arrancou em 2021: só executou 3% dos €40 milhões aprovados pelo Alentejo 2020.

A Infraestruturas de Portugal (IP) responde por metade destas grandes obras públicas. A maioria são da Ferrovia 2020, apoiadas pelo programa Compete 2020. E tem duas obras que só mais tarde garantiram fundos do programa POSEUR, após a grande reprogramação do Portugal 2020 de 2018. A modernização da Linha Ferroviária de Cascais obteve €50 milhões, dos quais executou 7%. E o Sistema de Mobilidade do Mondego executou 16% dos €57 milhões. Impossíveis de concretizar no Portugal 2020, ambas as obras deverão ser divididas em duas fases, passando a segunda fase para o Portugal 2030. Bruxelas já flexibilizou esta regra de transição entre quadros comunitá­rios para mitigar o corte de fundos. O Governo já admitiu que vai fasear a Ferrovia 2020 e terminá-la após 2023.

FASEAR É A SOLUÇÃO

Questionado sobre os projetos da IP a fasear do Portugal 2020 para o Portugal 2030, fonte oficial do Ministério das Infraestruturas e da Habitação (MIH) responde: “Estão neste momento em negociação.” Será o caso da maior obra pública em curso com os fundos do Portugal 2020: a Linha do Norte — Modernização do troço Ovar/Gaia só executou 26% de €119 milhões. Bem mais avançada (86%) está a Linha da Beira Baixa — Modernização do troço Castelo Branco/Covilhã/Guarda, já em exploração. A mais atrasada (5%) é a eletrificação da Linha do Algarve. O MIH garante ao Expresso que “a verba do Portugal 2020 será executada na totalidade” nestes e noutros projetos. Quanto ao próximo quadro, “até 2029, será dada continuidade aos investimentos na ferrovia realizados nos últimos anos, concluindo a implementação do Ferrovia 2020 e lançando a implementação dos investimentos na infraestrutura e material circulante previstos no Programa Nacional de Investimentos (PNI 2030)”.

ATENÇÃO AO AÇO

Dos €250 milhões de fundos do POSEUR para as três grandes obras de expansão dos metros de Lisboa e do Porto foram gastos €88 milhões. A execução vai em 47% na linha Rato/Cais do Sodré, em 41% na linha Santo Ovídio/Vila d’Este e em 15% na linha Casa da Música/São Bento. Fonte oficial do Ministério do Ambiente justifica o atraso. “Houve casos de concursos que ficaram desertos, obrigando a novos concursos, e, noutros casos, os procedimentos foram alvo de litigância.” Os procedimentos concursais foram “também afetados pelas prorrogações e suspensões de prazos devido à pandemia”. Por atravessarem zonas históricas, estas obras foram ainda sujeitas a trabalhos de prospeção arqueológica, que interferem no decorrer dos trabalhos. “A estes atrasos somaram-se depois a escassez de materiais indispensáveis às obras e os constrangimentos nas respetivas cadeias de abastecimento, afetadas primeiro pela pandemia de covid-19 e depois pela guerra na Ucrânia”, acrescenta fonte do Ministério do Ambiente. “A título de exemplo, citamos o caso de uma encomenda de mil toneladas de aço feita a uma fábrica de Azovstal que ficaram retidas no porto de Mariupol.”

Guerra na Ucrânia atrasou obras do metro com fundos do Portugal 2020: mil toneladas de aço ficaram retidas no Porto de Mariupol

No entanto, o Ministério do Ambiente acredita que os metros de Lisboa e do Porto concluam as obras a tempo: “Espera-se que, até ao final de 2022, estes três projetos executem mais cerca de €59 milhões, prevendo-se que, até ao final de 2023, seja executada a totalidade do financiamento.”

O Expresso questionou outros destes promotores. “A expectativa é de que sejam cumpridos os prazos previstos”, responde a APDL — Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo sobre a obra em Leixões. Já a MUSAMI — Operações Municipais do Ambiente escusou-se a comentar o atraso na execução do sistema de tratamento dos resíduos sólidos urbanos da ilha de São Miguel. “Temos perspetivas de que a evolução da execução financeira do programa acelere ao longo dos próximos meses”, diz fonte oficial do POSEUR, cujos fundos apoiam sobretudo promotores públicos. A 30 de junho de 2022 tinha 68% do envelope de €2,2 mil milhões executados. O POSEUR identificou para o Expresso os mais relevantes constrangimentos à execução dos projetos aprovados. Parte são resultantes da pandemia e agravados pela guerra.

Em primeiro lugar, “a morosidade e complexidade dos procedimentos de contratação pública e instabilidade/fraca capacidade de resposta do mercado a nível dos empreiteiros e dos fornecedores de equipamentos e de materiais e veículos que são necessários à realização das operações aprovadas”, diz fonte oficial. “Muitos concursos lançados pelos nossos beneficiários ficaram desertos e obrigaram à abertura de novos procedimentos, com consequências bastante negativas no calendário de execução dos projetos e aumento de custos de investimento.” Após a adjudicação das obras e fornecimentos, “têm-se verificado também constrangimentos ao nível do cumprimento dos prazos contratuais, quer por escassez das matérias-primas e de materiais (nomeadamente aço e chips) e também de mão de obra”, quer na construção civil, quer nos trabalhos especializados (Expresso, texto dos jornalistas Joana Nunes Mateus e Carlos Esteves)

Sem comentários: