sexta-feira, setembro 23, 2022

Sondagem: Os mais atingidos pela crise admitem ceder à Rússia

 

Apoio da população à resistência ucraniana é maioritário, mas 32% admitem ceder à Rússia para acabar com a guerra. Entre os mais vulneráveis, a maioria já é outra. “A guerra vai ter custos enormes para a vida de todos”, avisou Marcelo Rebelo de Sousa em março, pouco depois de Vladimir Putin ter dado ordem de invasão da Ucrânia. Passaram sete meses desde esse dia, o aumento dos preços estendeu-se a bens essenciais e a todo o mundo, o impacto nas economias — e nas famílias — tornou-se palpável. Em Portugal, passado este tempo, quase um terço dos portugueses assume uma posição contracorrente: “Seria melhor que a guerra terminasse o mais depressa possível, mesmo que isso implique ceder às exigências da Rússia e as suas consequências.” Foi esta a resposta de 32% dos inquiridos na sondagem do ICS/ISCTE, realizada para o Expresso e SIC, que quis medir o sentimento das famílias face à evolução do conflito na Europa. A resposta estava em confronto com outra, a que responderam (ainda) mais de metade dos inquiridos, 54% deles: “Seria melhor que a Ucrânia continuasse a resistir à Rússia, mesmo que isso implique prolongar a guerra e as suas consequências.”

Porém, se o apoio à resistência da Ucrânia ainda é maioritário entre os portugueses, isso já não se verifica quando olhamos para o grupo de inquiridos que assume ser “muito difícil viver” com o seu rendimento atual. Entre esses portugueses (15% dos inquiridos neste estudo), há uma maioria que gostaria de ver a guerra terminar rapidamente, ainda que com cedências à Rússia: são 48% deste segmento, contra apenas 36% que defendem uma contínua resistência da Ucrânia, ainda que isso tenha “consequências” — ou seja, mais dificuldades económicas a caminho.

Este é, nesta fase do conflito, o único grupo de portugueses que pensa assim: os portugueses que dizem ser “difícil” viver com o que ganham (e já não “muito difícil”) vincam que estão para já incondicionalmente com Zelensky — 53% preferem “resistir à Rússia” contra 35% que preferem “ceder”. E, como seria previsível, o apoio à Ucrânia é esmagador entre os que dizem que “dá para viver” ou que vivem de forma “confortável” com os atuais rendimentos: em ambos os casos, o apoio à resistência ucraniana segue na casa dos 60%, contra 25% a 28% que admitem cedências a Putin.

Ainda assim, num panorama político e social onde é quase unânime o apoio total à Ucrânia, as respostas fazem adivinhar um desafio num conflito que, tudo indica, ainda será bastante longo: como manter o apoio popular à intervenção ocidental de ajuda a Zelensky quando a economia ainda só começou um processo de desaceleração? E como segurar o apoio político a quem governa estes aliados da Ucrânia quando muitos sectores da sociedade começam a sentir o forte impacto da inflação e da contração económica? Numa imagem: não sendo este o fator único, o povo sueco colocou o partido de extrema-direita a formar Governo e, no próximo domingo, será Itália — tudo indica — a eleger os pós-fascistas para liderar o Executivo.

Olhando para os dados da sondagem, é possível perceber quem está mais suscetível às consequências da guerra, assim como as faixas da sociedade que estão menos convictas no apoio à resistência da Ucrânia. Começando pelos mais velhos, acima dos 65 anos: 37% dizem que “seria melhor” terminar a guerra, mesmo que com cedências” a Moscovo — contra 46% a defender o contrário. Os mais jovens encontram-se no polo oposto: 64% estão com os ucranianos.

Também no grau de qualificação há diferenças a assinalar, havendo um suporte para a posição da Ucrânia ligeiramente superior entre os que têm formação superior face aos que têm apenas 3º ciclo (58% para 52%).

Curiosamente, apesar de só à esquerda haver uma posição política mais próxima da russa (a do PCP), a defesa de um final rápido do conflito com cedências do Ocidente é exatamente igual entre eleitores de esquerda e de direita (34%). Ainda assim, é uma faixa de eleitorado largamente superior à que os comunistas portugueses hoje representam — o partido teve apenas 4,3% nas eleições de janeiro.

Voltando atrás na história: este é o retrato do apoio à Ucrânia (e ao Ocidente que a tem apoiado) neste setembro de 2022. A economia que vem aí, acreditam os portugueses, de acordo com esta sondagem, vai ser pior para 87% dos inquiridos. Aguentarão este apoio quando esse amanhã chegar? (Expresso, texto do jornalista David Dinis e infografia de Sofia Miguel Rosa)

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