sexta-feira, setembro 16, 2022

Opinião: O tempo da Venezuela de Maduro?

Convém lembrar, sobretudo aos que desconhecem essa realidade, que a Venezuela, alvo de várias sanções e embargos por imposição dos EUA e dos seus aliados europeus, quase todas assentes em razões políticas, continua a ser uma potência mundial sempre que se fala em combustíveis.

Vamos a factos: em 2017 a Venezuela, com uma produção diária de quase 2 milhões de barris, era o 13º maior produtor de petróleo do mundo, mas em 2020, devido a impacto das sanções já nem figurava entre os primeiros 20 maiores produtores mundiais. Contudo, em 2022 parece recuperar rapidamente o seu lugar no ranking mundial. Em 2021, os países do mundo com maiores reservas de petróleo eram a Venezuela (1º), Arábia Saudita, Canadá, Irão e Iraque.

A Venezuela tem ainda a quarta maior reserva mundial de gás que Maduro diz que pode crescer: "Temos uma impressionante faixa de gás nas Caraíbas, no norte da Venezuela. Todo o gás de que necessitem".

Desde 2017, os Estados Unidos aplicam sanções contra políticos e membros da elite venezuelana e contra empresas e entidades petrolíferas associadas ao regime de Maduro, dentro e fora da Venezuela. Estas sanções visam pressionar Maduro e seus apoiantes e impedi-los de lucrarem com a mineração ilegal de ouro, com a venda de petróleo ou com outras transações comerciais passíveis de financiarem as atividades criminosas do regime e os abusos aos direitos humanos. Também políticas são as razões para as sanções aprovadas pela União Europeia.

Curiosamente, em 2022, em grande medida devido à guerra na Ucrânia e às medidas tomadas contra Putin - um amigalhaço de Maduro - os EUA começaram a afrouxar as sanções contra Caracas. Oficialmente é referido que o governo de Biden pretende incentivar as discussões políticas com Maduro e a oposição. O caricato é que os americanos alegam que as decisões tomadas neste domínio foram aprovadas “em plena coordenação” com Guaidó e seu governo interino, que os EUA reconhecem como a liderança legítima da Venezuela. O primeiro sinal de aproximação dos americanos a Caracas, surgiu recentemente, já depois da guerra na Ucrânia, quando se ficou a saber que Caracas contratou a Siemens Energy para reparar centrais elétricas venezuelanas, no âmbito de um programa governamental de reconstrução da sua rede elétrica, afetada por constantes apagões e falta de manutenção. A empresa alemã foi previamente autorizada pelo Departamento do Tesouro dos EUA a trabalhar com a estatal Petróleos de Venezuela SA (PDVSA) e com a Corporação Elétrica da Venezuela (Corpoelec), apesar das duras sanções económicas norte-americanas contra Caracas.

Os EUA e a Europa perceberam que podem precisar da Venezuela (Espanha deu o primeiro sinal disso), sobretudo devido ao impacto perigosamente negativo entre os europeus das sanções aprovadas contra a Rússia de Putin. Podem precisar pelo menos até que uma solução energética nova seja efectivamente implementada, o que vai demorar ainda muito tempo. Tempo que os consumidores não têm...

Mas Maduro também percebeu isso, e de que maneira! Esta semana garantiu estar a Venezuela pronta para auxiliar a Europa e os EUA com petróleo e gás, face às dificuldades energéticas provocadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia!

"Eu digo à Europa, à União Europeia, e ao Presidente Joe Biden dos EUA, que a Venezuela está aqui, que a Venezuela estará sempre aqui, e que o nosso petróleo e o nosso gás estão à disposição para estabilizar o mundo e para auxiliar no que houver que auxiliar", disse Maduro num encontro com trabalhadores da empresa estatal Petróleos da Venezuela, obviamente transmitido pela televisão estatal.

Maduro explicou que "com a guerra na Ucrânia, vê-se a crise económica e energética no mundo" repetindo que "a Venezuela está a adquirir cada vez mais importância na equação da estabilidade energética e económica do mundo".

"O inverno está a chegar ao norte. Há uma crise de abastecimento de gás e de petróleo. Uma crise que pode ser trágica e assustadora", disse Maduro que, paradoxalmente (ou não?) começa a ser olhado como alternativa pelos EUA e seus parceiros europeus.

Claro que este sinal de boa-vontade de Caracas tem um custo: “o mundo tem de se livrar da relação baseada em chantagem, ameaças, coerção e em sanções". Já em Junho o vice-presidente do PSUV (o partido do Governo), Diosdado Cabello, dissera estar a Venezuela disposta a fornecer petróleo e gás a Espanha e ao resto da Europa. Mas com uma condição: o pagamento antecipado e através de um mecanismo que permita ao Governo venezuelano, alvo de sanções internacionais, usar esses recursos. "A Venezuela tem petróleo, não apenas para a Espanha, mas também para a Europa (...) mas têm que pagá-lo. E terão de pagar ao preço que é, e dadas as circunstâncias terão que pagar antecipadamente (...) e num mecanismo que permita à Venezuela utilizar os recursos que vão pagar por esse petróleo", disse Cabello.

Definitivamente este é o tempo da Venezuela e de Maduro, ajudados pela guerra na Ucrânia que ameaça eternizar-se sem solução. E para desespero dos europeus e ocidentais em geral que começam a pressionar os seus governos a mudarem as suas prioridades. Com o avanço da extrema-direita na Suécia, com a multiplicação de manifestações na Europa -  a maior reuniu em Praga cerca de 80 mil pessoas – e com a possibilidade do sucesso da extrema-direita na Itália, é tempo também de Bruxelas começar a limitar os lirismos sentimentalistas e a ter um plano B – que não passa pelo alimentar da escalada da guerra sem fim à vista - antes que a crise política e institucional se generalize e o projecto europeu de desfaça (LFM, versão completa do texto publicado no Tribuna da Madeira de 16.9.2022)

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