"Desempregadas, reformadas ou a trabalhar, as pessoas vão receber menos do Estado e pagar mais impostos. As medidas que Portugal vai ter que assumir como contrapartida pelo empréstimo de 80 mil milhões de euros, em negociação há três semanas, ainda não foram divulgadas. Mas a receita do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu - a "troika" que vai guiar a política orçamental nos próximos anos - é conhecida. Só falta conhecer os detalhes.1. Subida de impostos e corte nas deduções
Tudo indica que o IVA voltará a subir. O FMI é favorável ao aumento de impostos indirectos e instituições como a OCDE recomendam o aumento das taxas reduzidas. Esta é uma das medidas a que os Governos recorrem habitualmente em alturas de aperto orçamental, por garantir aumento de receitas a curto prazo. O PSD divulgou uma carta onde afirma que pretende que, em contrapartida, seja reduzida a taxa social única paga pelas empresas à Segurança Social. Muito provável é também a subida de impostos especiais (sobre o tabaco por exemplo) e ambientais. O exigente programa de consolidação orçamental também deverá ter implicações nos impostos sobre o rendimento. A redução das deduções com crédito à habitação e a revisão dos benefícios fiscais em sede de IRC é uma das medidas que consta do chamado "PEC IV", que serve de base às negociações que agora decorrem com a Comissão Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu.
2. Cortes nas pensões
É mais uma medida do PEC IV, que como explica Augusto Santos Silva tem a vantagem de já ter sido "interiorizada" pelos portugueses. A versão original aponta para um corte semelhante ao que foi aplicado aos salários da Função Pública. Ou seja, de entre 3,5% e 10% para as pensões superiores a 1.500 euros brutos. Também não está afastada a possibilidade de novas alterações ao sistema de Segurança Social. A Comissão Europeia está a pressionar os Estados-membros a "alinhar" a idade da reforma com a esperança média de vida. A OCDE considera que a reforma feita em Portugal não é suficiente, enquanto a Comissão Europeia, mais moderada, diz apenas que as reformas "não se fazem de uma vez só". É que apesar do reforço das penalizações, os portugueses reformam-se muito antes dos 65 anos previstos para o privado ou dos 63 anos para os funcionários públicos. Outra das orientações passa por novas restrições à reforma antecipada, que em Portugal é possível aos 55 anos.
3.Despedimentos mais fáceis
Se a Comissão Europeia e o FMI se mantiverem fieis às suas próprias recomendações, os despedimentos serão facilitados. A última orientação clara sobre esta matéria foi avançada pelo porta-voz de Olli Rehn, em Dezembro, ao Negócios. Além de reduzir os custos de despedimento, Portugal deve avançar para a "revisão da definição do despedimento por justa causa", afirmava, na altura. As recomendações feitas durante anos a fio têm por base o diagnóstico de um mercado de trabalho extremamente segmentado, onde os contratados sem termo têm protecção "excessiva" e os temporários não têm nenhuma. A reforma do mercado de trabalho é, aliás, o segundo dos três vectores definidos como prioritários dois dias depois do ministro das Finanças ter anunciado o pedido de ajuda. Resta saber se as medidas mais significativas podem ser tomadas sem um acordo alargado para a revisão das normas da Constituição que restringem os despedimentos.
4.Redução do subsídio de desemprego
Entre PS, PSD, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional há um relativo consenso: o subsídio de desemprego, que é financiados pelos descontos de trabalhadores e empresas, devem ser reduzidos. Neste cenário, ideias não faltam: redução progressiva do valor, corte na duração, restrições no acesso. Ontem o primeiro-ministro afirmou, numa entrevista à TSF, que está disponível para discutir a redução da duração do subsídio, tal como o Negócios antecipou há cerca de um mês. A confirmar-se, será a segunda reforma do regime do subsídio de desemprego no espaço de um ano. Em Julho, foi introduzida uma nova regra que determina reduções no valor, e que reforça os deveres de aceitação de trabalho. O subsídio social de desemprego também foi sujeito a regras mais apertadas. É o que explica uma quebra de 15% no número de beneficiários em apenas sete meses, período durante o qual o desemprego continuou a subir. Há cerca de 300 mil desempregados com subsídio.
5.Quebra nos salários
Dificilmente os portugueses ganharão poder de compra depois do pacote de medidas durante o período em que se aplicar o pacote de medidas negociado com a "troika". Face às informações que têm vindo a ser divulgadas, a questão passou a ser mais sobre qual vai ser o ritmo de redução nominal dos salários. Nas reuniões, as confederações patronais aproveitaram para divulgar a sua proposta. Além do alargamento das justificações para o despedimento, a Confederação Empresarial (CIP) pretende que a redução de salários seja sempre possível quando for feita "por acordo". A redução de salários na função pública, que o Governo estima que garanta uma poupança de mil milhões de euros por ano, deverá manter-se, se não for reforçada. Até porque a medida foi apadrinhada pela Comissão Europeia. O FMI tem criticado o programa de aumento do salário mínimo que se verificou entre 2007 e 2009. Na Irlanda, a intervenção externa implicou mesmo uma redução do valor.
6. Reforma do mercado de arrendamento
Algo vai mudar no mercado de habitação. A aposta deverá passar, desde logo, por uma flexibilização dos mecanismos de despejo nos casos em que os inquilinos não cumprem e, por exemplo, não pagam as rendas, retirando os processos dos tribunais por forma a acelerar e agilizar procedimentos. A ideia é que, desta forma, mais proprietários sejam incentivados a colocar os seus imóveis no mercado. Ainda este mês um relatório do FMI lembrava que Portugal é um dos países onde as famílias mais se endividam para comprar casa, recomendando a dinamização do arrendamento urbano. Mas o assunto é delicado, já que o rendimento de parte dos inquilinos é baixo e os proprietários não querem responsabilizar-se pela factura dos despejos. E o problema é ainda maior no que toca às rendas antigas, anteriores a 1990. Nestes casos os mecanismos de actualização não têm funcionado, mas a factura de uma reforma é demasiado elevada e não deverá ainda avançar
7. Redução de funcionários
Foi uma das medidas comuns à intervenção na Grécia e na Irlanda. Responde à preocupação óbvia com a redução das despesas com pessoal, que de acordo com as projecções da Comissão Europeia em Portugal deverá situar-se nos 10,8% do PIB este ano. A "troika" tem-se mostrado sensível a esse tema nas perguntas às estruturas sindicais e patronais que foram recebidas na semana passada. O ajustamento deverá ser particularmente sensível no sector empresarial do Estado. O governo socialista afirma que tem reduzido o número de funcionários do Estado por via do congelamento de admissões e da passagem dos activos para a reforma. Pedro Passos Coelho, do PSD, afirma que "o estado não tem dinheiro para suportar o Estado gigantesco que foi sendo criado ao longo dos anos". Na Grécia, foram dispensados funcionários a contrato e na Irlanda o plano incluiu a dispensa ou despedimento de 25 mil funcionários públicos, ou 7% do total. FMI tem um fraquinho pelo aumento de impostos sobre o consumo.
8. Mais concorrência e uma "onda" de privatizações
O FMI e a OCDE têm chamado a atenção para a necessidade de melhorar o ambiente concorrencial em Portugal, nomeadamente em sectores fechados à concorrência por diploma legal ou por restrições de facto. Sectores como os transportes, energia e telecomunicações são normalmente referidos. O retomar das privatizações e a expansão dos sistemas de monitorização das empresas públicas são algumas das recomendações já publicadas pelo FMI. A OCDE sugeriu, por outro lado, que se alterasse a Lei da Concorrência para pôr fim à norma que prevê que o Governo possa reverter um chumbo da Autoridade da Concorrência a uma operação de concentração. A revisão da Lei que estava a ser estudada antes da dissolução da Assembleia da República não contemplava este ponto. Em cima da mesa está ainda um "ambicioso" programa de privatizações, tal como a Comissão Europeia deixou claro quando falou pela primeira vez do programa português. Comissão Europeia quer impor um "ambicioso" plano de privatizações
9. Energia com menos intervenção do Estado
O cliente doméstico de electricidade e gás ainda tem dificuldade em encontrar mais do que um fornecedor, o que mostra que a liberalização do mercado não correspondeu totalmente aos objectivos, apesar de alguns desenvolvimentos. As tarifas reguladas de electricidade continuam a ser um entrave para que novos operadores possam ter ofertas com preços competitivos; o mercado de gás natural também é pouco competitivo, sobretudo na distribuição a clientes particulares; e os preços dos combustíveis em Portugal, pressionados por uma elevada carga fiscal, têm dificultado a competitividade das empresas, acusam os mais críticos. Uma das soluções pode passar pela aceleração da extinção das tarifas reguladas de electricidade, que o Governo já prevê mas sem data marcada. Os direitos especiais do Estado português na EDP têm também alimentado um braço-de-ferro entre a Comissão Europeia e o Governo que se arrasta há vários anos. Os direitos especiais na EDP motivam há anos um braço-de-ferro entre o Governo e Bruxelas.
10. Transportes mais caros
Os transportes deverão, muito provavelmente, aumentar de preço nos próximos tempos. Esta é uma medida incontornável para o financiamento das empresas do sector, que estão com dificuldades cada vez maiores em obter os fundos de que necessitam para operar e mesmo pagar salários. As transportadoras já começaram a assinar contratos com o Estado para o financiamento adequado do serviço público que prestam, sendo que as empresas deverão ser autorizadas a subir as tarifas porque, pelo menos nos casos que já são conhecidos (Metro, CP e Refer), as compensações previstas são semelhantes às que as empresas recebem actualmente em indemnizações compensatórias. São, por isso, insuficientes para pagar os custos de prestar serviço público, que passam por praticar preços abaixo do que seria rentável para as empresas de transportes. Além disso, as comparticipações dos passes, por exemplo, poderão ser reduzidas apenas às pessoas mais pobres. Os preços actuais serão insustentáveis para as empresas se o Estado mantiver o nível de compensações que tem praticado” (do Jornal de Negócios com a devida vénia)