sexta-feira, abril 29, 2011

Opinião: "Afinal, quem é o papão?"

"Solidariedade", "coesão, "apoio" e "ajuda" são algumas palavras que derretem o coração da União Europeia. Mas quando decide aplicá-las não resiste a dar-lhes um tempero de burocracia pesada e ineficiente que, mais do que um hábito, está na sua natureza. Uma parte do problema está na sua necessidade de afirmação, alimento calórico dos complexos de que a União padece de não ser escutada, nem levada a sério, nos temas que preocupam a comunidade internacional. É uma receita composta de orgulho decadente, de ingenuidade bem intencionada ou de ambos os ingredientes. Raramente produz resultados positivos mas cumpre o mais relevante objectivo de criar aparências, serenar os europeístas mais fanáticos e permitir que cada Estado-membro continue a tratar da sua vida como habitualmente.
A
Europa quer ter uma só voz no Mundo? A ambição é simples de satisfazer. Inventa-se uma representante para as relações externas que ninguém conhece e para a qual ninguém se lembra de telefonar. A não ser, talvez, por cortesia. O mesmo se pode afirmar em relação ao presidente da União Europeia. Ocupar o topo da hierarquia de uma das grandes potências económicas do Mundo é sinónimo de poder e influência? Sim, excepto na União Europeia. Poucos cidadãos europeus saberão dizer quem é Herman Van Rompuy. Muitos menos terão alguma noção, ainda que vaga, do que faz. Provavelmente, porque não faz nada de relevante.
Foi com este espírito construtivo, que na União Europeia significa criar instituições novas como solução mágica para superar problemas, que surgiu o Fundo Europeu de Estabilização Financeira. As crises da dívida soberana nos países periféricos do euro precisavam de resposta e deixar o assunto nas mãos do Fundo Monetário Internacional não ficava bem. Seria uma forma de admitir que a Europa nunca tinha pensado ser necessário resgatar um país, matéria que, até a
Islândia se ter afundado, parecia ser própria apenas de nações exóticas do Terceiro Mundo. Acontece que a existência do FEEF, como já se verificou na Grécia e na Irlanda, não dispensa a presença do FMI
nos pacotes de ajuda. Depois, os Estados-membros da União Europeia já são financiadores do FMI, o que faz da criação de um novo fundo uma decisão redundante na substância, embora útil em matéria de comunicação e imagem.
Segue-se que a entidade criada pelos acordos de Bretton Woods tem experiência a lidar com o resgate de países que não sabem tratar da sua vida. E foi aprendendo com os erros cometidos, como o de impor contrapartidas difíceis de cumprir. É neste ponto que se encontra um dos nós que a "troika" terá que desatar. Enquanto o FMI, com a sua fama de entidade rígida e ortodoxa, quer uma taxa de juro moderada pelo dinheiro que vai emprestar a Portugal e um prazo alargado para a redução do défice, o FEEF alinha pela receita mais dura e castigadora. Ou seja, o FMI defende a solução da Europa "solidária" e o FEEF defende a chamada "receita FMI", o que é tão curioso quanto elucidativo.
Resta, ainda, um ponto. O FMI dispõe de autonomia para estudar, analisar e negociar as soluções sem ter que pedir a benção de ninguém. No FEEF, o poder político tem que dar "luz verde", o que significa que há 17 capitais da
Zona Euro
que têm o direito de emitir a sua sentença. Se um diz "não", a ajuda fica em risco, o que suscita novos problemas, negociações, ajustes e, claro, atrasos. Em suma, trata-se de uma trapalhada que Portugal teria dispensado se a sigla FMI não fosse um papão útil para políticos irresponsáveis e eurocratas ciosos do seu quintal. Assim, o carro avariado está nas mãos de duas oficinas. Uma tenta consertar o acelerador. A outra prefere pôr os pés nos travões" (texto de João Cândido da Silva, no Jornal de Negócios com a devida vénia)

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