quinta-feira, abril 28, 2011

Opinião: "O modelo contabilístico das microentidades"

"Foi publicado recentemente o diploma com as normas contabilísticas para as microentidades que visa a simplificação das regras para estas entidades. Em 2010, já havia sido publicada a lei que criou um regime especial simplificado das normas e informações contabilísticas em vigor aplicáveis às designadas microentidades. Em Março deste ano, foi publicada a sua regulamentação assim como os modelos para as demonstrações financeiras e o respectivo código de contas, onde é definido a estrutura conceptual para estas entidades. Este modelo contabilístico vai aplicar-se, por opção, às entidades que não ultrapassem dois dos três limites seguintes:
• 500.000 euros de volume de negócios liquido;
• 500.000 euros de total de balanço;
• 5 empregados.
As entidades que ultrapassem dois dos três limites em dois anos consecutivos deixam de poder optar por esta norma. Contudo, as que satisfaçam os requisitos para aplicar este modelo podem sempre optar pela aplicação das normas contabilísticas do Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Esta opção será exercida na declaração periódica de rendimentos - modelo 22, podendo ser efectuada já em relação ao exercício de 2010. O que não fica claro da redacção da lei é se a opção será pelo modelo geral do SNC ou se também pode existir a opção pelo modelo das pequenas entidades, desde que sejam cumpridos os limites para essa opção. Para efeitos de determinação do regime contabilístico em 2010, aqueles limites terão como referencial:
• As demonstrações financeiras de 2009, no caso de entidades constituídas antes de 1 de Janeiro de 2010;
• As previsões para o ano da constituição, no caso das entidades constituídas em ou após 1 de Janeiro de 2010.
Os pressupostos subjacentes desta norma contabilística são comuns ao SNC:
• Regime do acréscimo - Em que os efeitos das transacções são reconhecidos nas demonstrações financeiras quando ocorrem e não quando caixa ou bancos sejam recebidos ou pagos. Ou seja, a espinha dorsal do modelo contabilístico tem por base o principio do acréscimo e não o principio de caixa;
• Continuidade - Quando a entidade não tem a intenção nem a necessidade de liquidar ou reduzir drasticamente o nível das suas operações.
As características qualitativas da norma microentidades são também comuns ao modelo geral do SNC. São elas a compreensibilidade, a relevância, a fiabilidade e a comparabilidade.
Modelos das demonstrações financeiras
As bases para apresentação das demonstrações financeiras das microentidades são igualmente comuns ao modelo geral e são:
• Continuidade;
• Regime do acréscimo;
• Consistência de apresentação;
• Materialidade e agregação;
• Compensação;
• Informação comparativa.
No que respeita à informação comparativa salientamos que quando a apresentação e a classificação de operações nas demonstrações financeiras sejam emendadas, as quantias comparativas devem ser reclassificadas, a menos que tal se revele impraticável. As demonstrações financeiras para as microentidades representam uma simplificação face aos modelos gerais do SNC e para as pequenas entidades. No que se refere ao balanço devem ser apresentados os activos correntes e não correntes e os passivos correntes e não correntes. A demonstração de resultados deve apresentar todos os itens de rendimentos e de gastos reconhecidos num período, baseando-se numa classificação que atenda à sua natureza, não devendo apresentar itens de rendimento e de gasto como extraordinários.
Modelo geral e modelo das pequenas entidades
Ao nível da mensuração, as microentidades apenas podem aplicar o custo histórico e o valor realizável (de liquidação), não sendo permitido a mensuração ao valor presente e ao justo valor. O código de contas das microentidades reduz a pormenorização de subcontas.
Activos biológicos
Os activos biológicos são uma novidade no novo modelo contabilístico com a mensuração ao justo valor, o qual não se encontra previsto nas microentidades. Numa entidade que o adopte e que detenha animais ou plantas consumíveis ou produtos agrícolas, deverá dar-lhes o tratamento contabilístico de inventários (mercadorias). Este tipo de inventários será sujeito, contudo, a imparidades, ou seja, o valor dos inventários pode ser reduzido sempre que o valor realizável líquido seja inferior ao custo. Os activos biológicos de produção, por exemplo, vacas leiteiras, terão, neste modelo, o tratamento contabilístico de activo fixo tangível, sujeito a depreciações. Na óptica fiscal, uma vez que o activo biológico se encontra devidamente contabilizado como activo fixo tangível, as respectivas depreciações são aceites como gasto fiscal.
Activos fixos tangíveis
Os activos fixos tangíveis (imóveis, viaturas, equipamentos…) de uma entidade que adopte este modelo contabilístico são registados pelo seu custo deduzido das depreciações acumuladas. No modelo geral e no modelo das pequenas entidades existe a opção pelo modelo da revalorização, não sendo este permitido nas microentidades. Por outro lado, nos modelos geral e de pequenas entidades, os activos fixos tangíveis estão sujeitos a testes de imparidade, ou seja, pode ser registada contabilisticamente uma redução do seu valor liquido contabilístico, se existirem factores internos ou externos que reduzam esse valor - São as chamadas perdas por imparidade. Nas microentidades o reconhecimento contabilístico de eventuais perdas por imparidade, a apresentar na demonstração de resultados também não é permitido.
Empréstimos
Esta norma não permite a chamada capitalização dos custos dos empréstimos, ou seja, acumular no custo de um activo fixo tangível ou mesmo de inventários (mercadorias), os custos com juros de um empréstimo obtido para a fabricação, construção ou aquisição desse activo.
Activos e passivos financeiros
Os activos e passivos financeiros são registados ao seu custo, entendido como a quantia nominal dos direitos e obrigações contratuais envolvidos, sujeito a correcções subsequentes no âmbito de eventuais imparidades. Não se encontra prevista, neste modelo contabilístico, a mensuração ao custo amortizado ou ao justo valor.
Impostos
Outra diferença importante aplica-se ao tratamento contabilístico dos impostos sobre o rendimento - IRC, estando apenas previsto o método do imposto a pagar, ou seja, não está prevista a contabilização, ainda que a título supletivo, de impostos diferidos.
Aplicação supletiva do modelo geral?
Outra das grandes alterações no modelo das microentidades é que não se encontra prevista a aplicação supletiva do modelo geral, tal como acontece no modelo contabilístico das pequenas entidades. Significa isto que, se houver uma norma que não esteja prevista neste modelo, não é permitido aplicar as normas que se encontrem previstas no modelo geral. A título exemplificativo, uma empresa que opte por aplicação deste modelo das microentidades e detenha uma participação noutra empresa, não pode aplicar, supletivamente, o método da equivalência patrimonial. Por outro lado, entendemos que se uma empresa que tenha aplicado o método da equivalência patrimonial e opte pelo modelo micro, terá de desreconhecer os aumentos ou reduções entretanto efectuados na sua participação financeira por contrapartida de resultados transitados. Este modelo contabilístico resulta numa simplificação de modelo para aquilo que foi convencionado designar de microentidade, sem aplicação supletiva de normas do modelo geral, não permitindo em caso algum a mensuração de activos ou passivos ao justo valor. Contudo, os pressupostos e as características qualitativas que são os alicerces do modelo contabilístico - e que é necessário entender -, são comuns ao modelo geral. Pode-se questionar da sua utilidade prática do ponto de vista estritamente técnico, existindo já o modelo para as pequenas entidades, o qual prevê a opção supletiva de normas contabilísticas mais complexas
” (por João Antunes, Consultor da OTOC, texto publicado no Jornal de Negócios com a devida vénia)

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