“Confusão!,
queixavam-se os jornais online. Referiam-se ao discurso inicial de Passos
Coelho, ontem no Parlamento, sobre a reposição dos salários da função pública -
que seria integral em 2016, disse ele -, e que, pouco depois, o próprio
primeiro-ministro modificou para uma reposição gradual de 20% a partir de 2016.
Confusão coisa nenhuma! O que houve foi a preguiça habitual dos jornalistas que
não souberam ouvir Passos Coelho. Felizmente estava lá eu. Aqui vos deixo as
palavras límpidas do orador: "Senhores deputados, como ainda há pouco vos
disse que repunha, desdigo agora porque não ponho. E dizendo-o, mais que digo,
reitero, porque se ponho o que não punha nada mais faço do que dispor sobre o
que antes não pusera. Ponho, pois. Isto é, não ponho. E sendo isto tão claro,
não contraponham reticências onde exclamação pede ser posta: não só reponho
como logo oponho! Reponho tudo, como eu disse às dez. E só ponho 20% (que é não
pôr 80), como garanti ao meio-dia. Não é isto tão simples? Pôr e repor é um
supor. Meu senhores, se há verbo que gosto é do pôr - no indicativo
("enquanto vós púnheis o voto na urna"), no conjuntivo ("quando
eu puser as promessas mais falsas") e no imperativo ("põe tu as
ilusões de molho") -, e, sobretudo, nesse maravilhoso pôr conjugado no
porém. Ah, dizer pôr e, com porém, passar ao não pôr... Eis, senhores
deputados, a essência do que para mim é ser porítico, perdão, político."
(texto do jornalista do DN de Lisboa, FERREIRA FERNANDES, com a devida vénia)
sexta-feira, outubro 31, 2014
Futebol: O homem que acabou antes de tempo
“Stanley nasceu
primeiro e, como mais velho dos três, o pai escolheu-lhe o nome em homenagem ao
lendário Stanley Matthews. Era claro que Joop, antigo futebolista medíocre,
queria o filho a driblar como o inglês driblara durante 30 anos. E durante
alguns (poucos) anos, o miúdo foi o projeto pessoal de Joop, até ser trocado
por outro, mais novo e talentoso do que ele e de nome Marcel. Acontece que
Marcel era um nome que a avó não entendia e a família optou então por Marco.
Marco van Basten. Ninguém nos pode magoar como a família e foi neste clima de
tensão que o mais gracioso e letal dos pontas-de-lança nasceu há 50 anos: Joop,
um pai obcecado que lhe exigia a perfeição pela repetição; Lyne, a mãe,
ex-ginasta, igualmente competitiva, de quem ele terá herdado o equilíbrio que
sempre nos pareceu impossível num tipo com quase 1,90m e 90 kg. Da infância e
da adolescência, contam-se três episódios marcantes: o dia em que Willie lhe
morreu aos pés, quando o gelo onde estavam quebrou e os olhos do amigo se
esvaziaram sob a transparência; os dois AVC da mãe que a deixaram sem memória,
socialmente incapaz e entregue aos cuidados do pai; e o momento em que o médico
Rein Strikwerda lhe disse que tinha de deixar de jogar futebol porque tinha
tornozelos defeituosos. Nessa altura, Marco negociava a sua vontade (e a do
pai) com as dores do corpo (que era só dele) nos escalões jovens do UVV, de
Utrecht, cidade natal dos van Basten. Joop não acreditou naquilo que lhe foi
dito pelo doutor Strikwerda e levou o filho para o maior clube amador da
cidade, o USV Elinkwijk. A lógica era esta: Marco melhoraria fisicamente porque
seria submetido a cargas maiores e enfrentaria gente mais velha. O rapaz deu
nas vistas e Aad de Mos, treinador do Ajax, chegou-se à frente por Marco, que
já fora contactado pelo FC Utrecht. Optou pelo Ajax , “porque se a coisa
corresse mal, podia sempre bater à porta do FC Utrectht”. Acertou à primeira.
O DELFIM
No Ajax, forjou-se
uma parceria improvável. Marco van Basten tinha 17 anos e estava a começar;
Johan Cruijjf tinha 35 anos, e já muitos o davam como acabado. Entre eles havia
uma geração, mas depressa o primeiro se tornou protegido do segundo. Cruijff
achava-o dotado, talentoso mas mole. Quis endurecer-lhe o caráter, torná-lo
provocador e arrogante. “Se fores vulnerável, serás magoado”, disse-lhe. A
longo prazo, o instinto assassino entranhou-se-lhe. Mas, antes, em abril de
1982, van Basten estreou-se no campeonato holandês, com 17 anos. O momento foi
poético: Marco substituiu Cruijff contra o NEC e marcou um golo. Estava
encontrado o sucessor. Nos anos seguintes, van Basten foi refinando a pontaria:
em 1983/84, 28 golos; em 1984/85, 22 golos; em 1985/96, 37 golos; em 1986/87,
31 golos, um deles o mítico pontapé de bicicleta contra Den Bosch. Não havia limites para aquele homem a quem chamavam o Cisne
de Utrecht: tinha estética, sentido de oportunidade, capacidade de choque,
controlo, agilidade e remate. Era como Muhammad Ali em botas de pítons. Mas as
chuteiras e as meias de van Basten escondiam tornozelos imperfeitos: a 7 de
dezembro, levou uma pancada no direito e a 15 de dezembro foi operado ao
esquerdo, que sempre o atormentava. Ele era ambidextro e tinha agora os dois
pés condenados.
A pressão de Cruijjf
(agora seu técnico) para o ter em campo forçou-o a regressar antes de tempo,
com os pés ligados e infiltrados, em nome dos golos e dos títulos. Um
cabeceamento certeiro do Cisne frente ao Lokomotiv Leipzig deu o primeiro
troféu internacional ao Cruijjf-treinador, em 1987: a Taça das Taças.
O TRIDENTE
HOLANDÊS
Silvio Berlusconi
tem muitas coisas e uma delas é a astúcia. E quando o polémico
político-presidente-de-clube-magnata-dos-media decidiu que tinha chegado o
momento de pôr o AC Milan no lugar, fê-lo à grande. No verão de 1987, trouxe os
holandeses Gullitt (do PSV), van Basten (do Ajax), Donadoni, Ancelotti e pô-los
ao lado Maldini, Baresi e Costacurta; em 1989, chegou o terceiro elemento
laranja, Rijkaard. Para os comandar, Berlusconi contratou Arrigho Sacchi - e a
equipa dominou o planeta durante três épocas. Nesse período, van Basten esteve
e não esteve. Foi operado ao tornozelo direito em 1987 e perdeu metade dessa
época entre convalescenças e recaídas. Marco foi sendo lançado, como um
veterano da NBA, nos jogos importantes porque, mesmo trôpega, a sua presença
significava pontos. A 1 de maio de 1981 selou a vitória (3-2) diante do
Nápoles, que garantia o título ao AC Milan. Depois, teve os seus bons momentos:
em 1988/89 marcou 19 golos em 33 jogos e ganhou a Taça dos Campeões (4-0, bis
van Basten e de Gullitt) ao Steaua de Bucareste; e em 1989/90, fez 19 em 26
jogos e conquistou novamente a Taça dos Campeões (1-0, por Rijkaard), ao
Benfica; as três Bolas de Ouro (1988, 1989 e 1992). E, enfim, teve os seus maus
momentos: em 21 de dezembro de 1992, foi outra vez operado (a quarta cirurgia)
e da sua carne retiraram dez pedaços de osso do tornozelo direito. Jogou dois
jogos da liga italiana, participou na final da Liga dos Campeões (perdida para
o Marselha). A carreira acabara e ele tinha apenas 28 anos – na idade em que os futebolistas atingem
a maturidade, o corpo fê-lo cair de tão podre que estava.
A LARANJA MECÂNICA,
PARTE II
Há golos que nos
ficam para sempre na memória porque foram feitos no sítio e na altura certas. E
Marco van Basten ficará para sempre ligado ao Europeu-1988. Magoado, como
sempre, Rinus Michels optou por lhe dar o número 12, o primeiro suplente a
entrar, e ofereceu a titularidade a John Bosman. Mas van Basten mudou o curso
da história daquela seleção e daquele campeonato: hat trick à Inglaterra (3-1),
golo à Alemanha (2-1); e o cruzamento para o cabeceamento potente de Gullitt e
o remate impossível contra a URSS na final (2-0). De um ângulo morto, van
Basten tornou-se imortal.
O TREINADOR
Marco van Basten foi
um jogador amargurado pelas lesões e pouco dado a dar-se e a entregar-se a
amizades. E apesar de voar como um cisne não foi um anjo da guarda: esmurrou
Veloso e partiu-lhe um dente ,porque não gostou da marcação no Portugal-Holanda
de 1990; foi expulso por cotoveladas e chegou a atirar areia para os olhos dos
adversários, para os confundir. Mas foi como treinador que se revelou a personalidade
conflituosa: Edgar Davids, van Nistelrooy, van Bommel e Seedorf, na seleção
holandesa, destruíram-no publicamente, acusando-o de não ter palavra, de ser
inflexível e arrogante. É um treinador mediano: 3.º classificado com o Ajax em
2008/09, oitavo e quinto com o Heerenveen em 2012/13 e 2013/14 e pelo meio foi
o trunfo eleitoral nas primeiras eleições em que Bruno de Carvalho participou.
Hoje, está num limbo: sofre de palpitações no coração, que o forçaram a abdicar
o cargo de técnico principal do AZ a favor do seu adjunto. Diz que nunca mais
liderará uma equipa. Talvez tenha acabado antes de tempo. Outra vez” (texto do
jornalista do Expresso Diário, PEDRO CANDEIAS,com a devida vénia)
PORTO SANTO DEBAIXO DE ÁGUA. LITERALMENTE
"Dizem os sensatos que o mundo não é a preto e branco, antes tem várias
tonalidades de cinzento. Este mundo que vos proponho desafia o senso comum. É
um mundo predominantemente azul, aqui e ali pontuado por cores que só a luz
artificial de uma lanterna ou de uma câmara fotográfica denuncia. Um mundo silencioso
e vagaroso, em bem vindo contraste com estes tempos de ruído e velocidade
excessivos. Um mundo bonito, tranquilo, apaziguador, espécie de paraíso
habitado por criaturas puras e onde a nossa condição humana não nos permite
permanecer mais do que meia hora de cada vez.
Estamos debaixo de água, neste caso específico a 33 metros de
profundidade, no Madeirense, outrora um navio cargueiro, propositadamente
afundado ao largo de Porto Santo (a uma milha/1852 metros da costa), em 2000,
para ser transformado em recife artificial. Para lá chegar precisa, em primeiro
lugar, de ter certificação de mergulho Advanced Open Water (só possível de
obter a partir dos 15 anos). Depois, contratar quem o leve ao local exato, e
com toda a segurança – na ilha há dois clubes de mergulho: o Rhea Dive e o
Porto Santo Sub. Eu optei por este. Pode mergulhar a partir de 35 euros (caso
tenha todo o equipamento de mergulho), 50 euros (se alugar o da escola).
Acredite, é um preço baixo este que se paga por uma experiência que é única,
por mais vezes que se repita.
Os proprietários do Porto Santo Sub, Joana e José Ricardo,
apaixonaram-se por este céu nas profundezas do mar há treze anos, quando
estavam de férias no arquipélago. O Madeirense tinha acabado de ser submergido
e o cidadão holandês que geria o (então) único centro de mergulho da ilha
decidira reformar-se. O casal de continentais (residentes em Águeda) viu ali
uma janela de oportunidade. Hoje ganham a vida como instrutores de mergulho,
guias pelo fundo de um mar magnífico que o Madeirense veio enriquecer ainda
mais: os 70 metros de comprimento e 1304 toneladas de aço do cargueiro
tornaram-se um ecossistema sem igual, lar de uma comunidade de meros e muitos
outros peixes e espécies marítimas. “É normal encontrar raias e ratões na
areia, e há sempre cardumes de encharéus e charuteiras; muitas vezes passam
bicudas (são barracudas mais pequeninas, mas que atingem facilmente mais de 1m
de comprimento) e temos ainda um enorme cardume de seifias e douradas que vive
sempre por ali”, descreve Joana.
Infelizmente, quando agora descer até ao Madeirense já não tem a
recebê-lo o Beiçolas, nome por que era conhecido o enorme mero que, qual
anfitrião, se aproximava dos mergulhadores e se deixava afagar. Deixou de ser
visto no último inverno; supõe-se que tenha sido pescado, apesar de residir
numa zona de reserva, estatuto que, pelos vistos, se revelou manifestamente
impotente para o proteger da voracidade humana. “Já temos uns meros residentes,
que embora não sendo tão amigáveis, são muito curiosos e não têm medo de
nós...fazem umas fotos giríssimas”, diz Joana, procurando assim ultrapassar a
incredulidade e a tristeza pelo desaparecimento de um animal tão especial.
Se for nos meses de verão, conte com uma temperatura da água que anda
pelos 23 ou 24º; mas mesmo no inverno (que é quando, de resto, a visibilidade é
melhor) o termómetro não vai abaixo de 17º - perfeitamente suportável quando se
enverga um fato completo de neoprene com 5 ou 7 mm de espessura. A experiência
é intensa.
Prepare-se para permanecer debaixo de água não mais que 30 minutos (com
uma garrafa normal de ar), 45 (se optar pelo Nitrox - uma mistura de nitrogénio
e oxigénio). Neste Atlântico a visibilidade é extraordinária, mesmo a mais de
30 metros, e essa é, paradoxalmente, a maior dificuldade deste mergulho: “A
água é tão clara que as pessoas se esquecem de verificar o ar, que àquela
profundidade desaparece num instante”.
Não tema, porém: "Vai sempre um instrutor de mergulho e se o grupo
for grande levamos também um divemaster” (responsável pela segurança dos
mergulhadores), assegura Joana Ricardo que, apesar da já longa experiência que
lhe permite identificar logo em terra potenciais mergulhadores
"problemáticos", continua a preferir levar grupos pequenos (6 pessoas
no máximo).Mas o preconceito de que o mergulho é uma atividade particularmente
perigosa é isso mesmo, um preconceito. Joana ironiza: “Há mais acidentes a
jogar golfe do que a fazer mergulho” (texto da jornalista do Expresso Diário, CRISTINA
FIGUEIREDO e fotos de ALCIDES CORREIA, com a devida vénia)
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