"Dizem os sensatos que o mundo não é a preto e branco, antes tem várias
tonalidades de cinzento. Este mundo que vos proponho desafia o senso comum. É
um mundo predominantemente azul, aqui e ali pontuado por cores que só a luz
artificial de uma lanterna ou de uma câmara fotográfica denuncia. Um mundo silencioso
e vagaroso, em bem vindo contraste com estes tempos de ruído e velocidade
excessivos. Um mundo bonito, tranquilo, apaziguador, espécie de paraíso
habitado por criaturas puras e onde a nossa condição humana não nos permite
permanecer mais do que meia hora de cada vez.
Estamos debaixo de água, neste caso específico a 33 metros de
profundidade, no Madeirense, outrora um navio cargueiro, propositadamente
afundado ao largo de Porto Santo (a uma milha/1852 metros da costa), em 2000,
para ser transformado em recife artificial. Para lá chegar precisa, em primeiro
lugar, de ter certificação de mergulho Advanced Open Water (só possível de
obter a partir dos 15 anos). Depois, contratar quem o leve ao local exato, e
com toda a segurança – na ilha há dois clubes de mergulho: o Rhea Dive e o
Porto Santo Sub. Eu optei por este. Pode mergulhar a partir de 35 euros (caso
tenha todo o equipamento de mergulho), 50 euros (se alugar o da escola).
Acredite, é um preço baixo este que se paga por uma experiência que é única,
por mais vezes que se repita.
Os proprietários do Porto Santo Sub, Joana e José Ricardo,
apaixonaram-se por este céu nas profundezas do mar há treze anos, quando
estavam de férias no arquipélago. O Madeirense tinha acabado de ser submergido
e o cidadão holandês que geria o (então) único centro de mergulho da ilha
decidira reformar-se. O casal de continentais (residentes em Águeda) viu ali
uma janela de oportunidade. Hoje ganham a vida como instrutores de mergulho,
guias pelo fundo de um mar magnífico que o Madeirense veio enriquecer ainda
mais: os 70 metros de comprimento e 1304 toneladas de aço do cargueiro
tornaram-se um ecossistema sem igual, lar de uma comunidade de meros e muitos
outros peixes e espécies marítimas. “É normal encontrar raias e ratões na
areia, e há sempre cardumes de encharéus e charuteiras; muitas vezes passam
bicudas (são barracudas mais pequeninas, mas que atingem facilmente mais de 1m
de comprimento) e temos ainda um enorme cardume de seifias e douradas que vive
sempre por ali”, descreve Joana.
Infelizmente, quando agora descer até ao Madeirense já não tem a
recebê-lo o Beiçolas, nome por que era conhecido o enorme mero que, qual
anfitrião, se aproximava dos mergulhadores e se deixava afagar. Deixou de ser
visto no último inverno; supõe-se que tenha sido pescado, apesar de residir
numa zona de reserva, estatuto que, pelos vistos, se revelou manifestamente
impotente para o proteger da voracidade humana. “Já temos uns meros residentes,
que embora não sendo tão amigáveis, são muito curiosos e não têm medo de
nós...fazem umas fotos giríssimas”, diz Joana, procurando assim ultrapassar a
incredulidade e a tristeza pelo desaparecimento de um animal tão especial.
Se for nos meses de verão, conte com uma temperatura da água que anda
pelos 23 ou 24º; mas mesmo no inverno (que é quando, de resto, a visibilidade é
melhor) o termómetro não vai abaixo de 17º - perfeitamente suportável quando se
enverga um fato completo de neoprene com 5 ou 7 mm de espessura. A experiência
é intensa.
Prepare-se para permanecer debaixo de água não mais que 30 minutos (com
uma garrafa normal de ar), 45 (se optar pelo Nitrox - uma mistura de nitrogénio
e oxigénio). Neste Atlântico a visibilidade é extraordinária, mesmo a mais de
30 metros, e essa é, paradoxalmente, a maior dificuldade deste mergulho: “A
água é tão clara que as pessoas se esquecem de verificar o ar, que àquela
profundidade desaparece num instante”.
Não tema, porém: "Vai sempre um instrutor de mergulho e se o grupo
for grande levamos também um divemaster” (responsável pela segurança dos
mergulhadores), assegura Joana Ricardo que, apesar da já longa experiência que
lhe permite identificar logo em terra potenciais mergulhadores
"problemáticos", continua a preferir levar grupos pequenos (6 pessoas
no máximo).Mas o preconceito de que o mergulho é uma atividade particularmente
perigosa é isso mesmo, um preconceito. Joana ironiza: “Há mais acidentes a
jogar golfe do que a fazer mergulho” (texto da jornalista do Expresso Diário, CRISTINA
FIGUEIREDO e fotos de ALCIDES CORREIA, com a devida vénia)