Uma ínfima parte de 0,3% das companhias é responsável por mais de 48% da coleta de imposto. Faturam acima de 25 milhões de euros, localizam-se em Lisboa, Porto e Braga e estão, sobretudo, no sector financeiro, no retalho e na reparação de veículos. Talvez a característica mais impressiva do panorama dos impostos sobre as empresas em Portugal seja o facto de quase metade do valor do IRC cobrado pelo Estado ser pago por um número ínfimo de contribuintes coletivos. Da análise do IRC liquidado por escalões de volume de negócios – cujos dados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) estão disponíveis no Portal das Finanças – verifica-se que as sociedades que faturam acima de 25 milhões de euros, e que representam apenas 0,3% do total de sujeitos passivos, são responsáveis por 48,4% do imposto arrecadado. Por outro lado, os empresários cujo volume de negócios é inferior a 500 mil euros representam 88% do total de declarações, mas entregam ao Fisco somente 14,7% do IRC total. De acordo com as últimas estatísticas publicadas pela AT, em 2020, o valor o IRC obtido pelos cofres públicos registou uma quebra “significativa” face ao período de tributação do ano anterior: menos 19,2% para 4.026 milhões de euros. Entretanto, com uma economia ainda em recuperação e dada a suspensão do pagamento especial por conta (PEC), que tirou 50,4 milhões de euros à receita, em 2021, o valor obtido com o imposto voltou a emagrecer, segundo dados da Direção-Geral do Orçamento.
Quando se fala em IRC liquidado, este valor resulta da
dedução à coleta dos créditos de imposto fruto dos mecanismos de atenuação da
dupla tributação jurídica e económica internacional, dos benefícios fiscais
(como os de natureza contratual), do AIMI (Adicional ao Imposto Municipal sobre
Imóveis) e ainda do valor dos PEC desembolsados entretanto.
O EFEITO PANDEMIA NA QUEDA DO IMPOSTO
O primeiro ano da pandemia atingiu com estrondo a
economia e o reflexo é visível também no decréscimo da matéria coletável (não
isenta) que, no período de 2020, caiu 13,3% em relação ao ano anterior,
passando de cerca de 25,4 mil milhões de euros, em 2019, para à volta de 22 mil
milhões de euros, no exercício seguinte.
Os sectores que respondem pela fatia maior do IRC
pago, no valor de 54,2%, são as atividades financeiras e seguros, o comércio
por grosso e a retalho, a reparação de veículos automóveis e motociclos, os
negócios de bens de uso pessoal e doméstico e as indústrias transformadoras. O
número de entidades pertencente a estes sectores representa 31,2% do total de
declarações entregues em 2020.
Em termos geográficos, Lisboa, Porto e Braga
concentram 54,2% das declarações entregues pelos sujeitos passivos (521.985) e
71,4% do IRC liquidado.
No que se refere ao número de declarações por
resultado tributável, a percentagem de entidades que registam lucro tributável
foi de 50,9%, 51,4% e 44,3% em 2018, 2019 e 2020, respetivamente. Quanto às
entidades que, no mesmo triénio, apresentaram prejuízo fiscal, a distribuição
percentual pelos mesmos três anos mostra uma evolução crescente de 30,8%, 31,6%
e 39,1%.
Note-se que não ter IRC liquidado não se traduz,
necessariamente, em não ter fatura de imposto. “Relativamente ao número de
declarações com e sem pagamento, verifica-se que, apesar de no período de
tributação de 2020 apenas 39,6% dos sujeitos passivos apresentarem IRC
liquidado, cerca de 56,9% dos sujeitos passivos efetuam pagamentos de IRC”. Como?
Através de outras componentes do imposto, como as tributações autónomas,
derrama, PEC (que foi sendo eliminado e deixou de existir) ou IRC de períodos
de tributação anteriores.
No triénio analisado, os prejuízos declarados pelas
empresas dispararam 34,8%, de 2019 para 2020, depois de terem subido 3,5%, de
2018 para 2019. Em 2018, o valor dos prejuízos ascendia a cerca de 16,6 mil
milhões de euros e situou-se em 23,2 mil milhões de euros, em 2020.
TAXA NOMINAL NÃO É O MESMO QUE TAXA EFETIVA
Já a taxa média efetiva de IRC decresceu em 0,6 pontos
percentuais (p.p.) de 2019 para 2020, de cerca de 19% para 18,4%, enquanto a
taxa nominal se manteve em 21%. Recorde-se que a descida progressiva do IRC foi
concertada, em 2013, entre o Governo de Passos Coelho (coligação PSD e CDS) e o
PS, então liderado por António José Seguro. O primeiro desagravamento aconteceu
em 2014, com o imposto a passar de 25% para 23% e, no ano seguinte, para os
21%, taxa que, segundo o plano, deveria ter sofrido novos cortes até, pelo menos,
um patamar de 17%. Porém, a reforma do IRC ficou parada durante os Governos
socialistas que se seguiram, liderados por António Costa. A redução da taxa
nominal de imposto em dois p.p. de que se tem vindo a falar, agora, custaria ao
Estado cerca de 200 milhões de euros, o que corresponde a 100 milhões de euros
a menos na receita por cada p.p. a menos.
O IRC TAMBÉM INCLUI UMA TAXA REDUZIDA E UMA SOBRETAXA
O IRC engloba, igualmente, uma sobretaxa (chamada de
derrama estadual) aplicável às empresas com lucros tributáveis mais elevados e
uma taxa reduzida de 17% que incide sobre os primeiros 25 mil euros do
rendimento tributável das pequenas e médias empresas – adicionalmente, caso as
empresas tenham um volume de negócios inferior a 200 mil euros e um balanço inferior
a 500 mil euros, entre outros requisitos, podem optar pelo regime de tributação
simplificado.
A derrama estadual foi introduzida pelo Governo de José Sócrates, em 2010, no âmbito dos PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento) e estava ligada ao contexto de crise económica e financeira. Porém, permanece até hoje e foi, até, agravada com o programa de ajustamento da troika, passando de apenas um escalão, cuja taxa era de 2,5% para lucros fiscais acima dos 2 milhões de euros, para vários degraus de tributação, em que lucros superiores a 1,5 milhões de euros estão sujeitas a pagar um adicional entre 3,5% e 9%, consoante os resultados positivos. Vale cerca de 600 milhões de euros por ano, ou seja, acabar com este ‘adicional’ tem um impacto muito superior a descer a taxa nominal de 21% para 19% (Expresso, texto da jornalista Ana Sofia Santos)
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