terça-feira, setembro 13, 2022

Europa: a subida dos juros vai provocar uma recessão?

 

O euro é uma divisa ainda jovem e é a primeira vez em 24 anos que o espaço da moeda única vive um surto inflacionista com a atual dimensão, com subidas de preços no consumidor a ultrapassar os 9% em termos homólogos mensais. Não há registo histórico de um disparo assim, nem de recessões motivadas pelo aperto da política monetária por parte do Banco Central Europeu (BCE). Será que é desta? Vem aí uma recessão na zona euro por causa da linha de ação de Frankfurt? Os economistas ouvidos pelo Expresso não vaticinam a inevitabilidade de uma contração económica na sequência da subida das taxas de juro, mas admitem que a recessão possa estar à espreita pela convergência de fatores negativos — que vão muito além do desempenho da equipa chefiada por Christine Lagarde. Um cocktail onde pontifica também a crise energética e as disrupções nas cadeias globais de abastecimento.

É o caso de Paula Carvalho, economista-chefe do BPI: “É uma pergunta de difícil resposta. Direi que não podemos excluir essa hipótese, mas é prematuro confirmá-la.” Lembrando o crescimento positivo do Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro no primeiro semestre, alerta que “há uma clara tendência de enfraquecimento dos indicadores durante o terceiro trimestre”. Alemanha, a par da Itália, “são os países onde a probabilidade de recessão é maior”, vinca a economista, salientando que “não é uma consequência (apenas) do aumento de juros, mas sim da elevada inflação e da forte incerteza e pessimismo devido às dúvidas sobre o fornecimento de energia, aos quais acrescem a subida dos juros”.

Pedro Brinca, professor da Nova SBE, aponta um inquérito recente da Bloomberg sobre a possibilidade de haver uma recessão nos próximos 12 meses. “Em agosto, pela primeira vez, foi superior a 50%. O extremar das posições relativamente à importação de gás natural da Rússia aliada às mais do que previsíveis subidas pronunciadas das taxas de juro são os principais fatores a sustentar estas previsões.” António Ascensão Costa, professor do ISEG, não destoa: a política monetária mais restritiva “vem juntar-se a dificuldades já criadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, pelo que parece difícil que a Europa venha a escapar a uma recessão”. A questão será “se essa recessão é mais ou menos profunda ou duradoura (e aí a política monetária poderá pesar muito)”, salienta.

Quanto a Portugal, “está um pouco menos exposto às questões da energia”, nota Paula Carvalho. Contudo, “se se concretizar o arrefecimento na Europa, não deverá escapar incólume”. Acresce que o país “está mais exposto ao aumento dos juros dado os níveis de endividamento ainda elevados e a maior parcela de taxa variável nos contratos”, nomeadamente no crédito à habitação, alerta a economista. Contudo, um cenário de recessão técnica — dois trimestres consecutivos de queda em cadeia do Produto Interno Bruto (PIB) — não é, para já, traçado pelos economistas. Até porque o Instituto Nacional de Estatística reviu em alta os números do segundo trimestre do ano, apontando agora para uma expansão de 7,1% em termos homólogos e uma variação nula em cadeia — e já não uma contração — e o forte desempenho do turismo dá um empurrão no terceiro trimestre. Mas os indicadores “apontam claramente para desaceleração”, avisa Paula Carvalho, admitindo “a possibilidade de queda da atividade no quarto trimestre”. Pedro Brinca aponta no mesmo sentido: “Será principalmente no quarto trimestre em que sem o turismo para ajudar e com os efeitos das mais que prováveis subidas das taxas de juro, poderemos ver um abrandamento mais significativo da economia.” Ainda assim, o pacote de ajuda às famílias, anunciado esta semana pelo Governo, dará uma ajuda à atividade — nomeadamente ao consumo — nos últimos três meses deste ano.

A geopolítica está a exercer um papel determinante, minorando o papel dos bancos centrais, apostados em reduzir a inflação à custa de “alguma dor nas famílias e empresas” (nas palavras recentes de Jerome Powell, o presidente da Fed, o banco central dos Estados Unidos). A Gazprom russa anunciou a interrupção, sem data de reabertura, do gasoduto Nord Stream 1, o que “vai deteriorar ainda mais as previsões na Alemanha e consequentemente no resto da União Europeia”, avisa o economista Abel Mateus. Além disso, a aliança entre o cartel da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e a Rússia vai cortar 100 mil barris por dia na produção a partir de outubro. A pressão é explosiva sobre o preço do gás natural na Europa, que já subiu 700% desde junho de 2021, e é de esperar a inversão da queda no preço do barril de petróleo, voltando a ultrapassar os 100 dólares.

INFLAÇÃO COMO NUNCA SE VIU

Em agosto passado a inflação na zona euro atingiu 9,1%, com Portugal um pouco acima da média (9,4%, em termos harmonizados usados pelo Eurostat). Após meses de máximos históricos na variação de preços, o BCE começou a subir a sua taxa diretora, em julho, para 0,5%. Esta semana deve voltar a fazê-lo (já depois do fecho desta edição).

Antes do atual disparo, a economia do euro sofreu dois surtos inflacionistas, com picos de 3,1% em maio de 2011 e 4,1% em julho de 2008 (ver gráfico). As taxas de juro do BCE eram, então, elevadas, tendo chegado a um máximo de 4,75% durante o primeiro surto e de 4,25% no segundo. Mas em nenhum dos casos ocorreu um abrandamento ou recessão posterior por causa dos juros do BCE. A zona euro sofreria um forte abrandamento em 2002 e 2003, com as taxas do BCE em queda, de 3,25% para 2%, e em 2009 seria arrastada para uma recessão global, num período em que os juros do BCE caíram de 2% para 1%.

O caso de antologia em que a subida dos juros para baixar a inflação provocou recessão ocorreu nos Estados Unidos entre 1979 e 1982. A inflação atingiu um pico de 14,2% em janeiro de 1980 e caiu para 3,8% em dezembro de 1982, depois de Paul Volcker, então presidente da Fed, ter subido por quatro vezes as taxas de juro, para 20%. Acabou por conseguir vergar a inflação à custa de uma recessão em 1980 e 1982 e um pico de desemprego de quase 11%.

Mas o temor de uma recessão e de uma crise social fala mais alto, nomeadamente na Europa. Apesar de o Fundo Monetário Internacional pedir agora austeridade na política monetária e na orçamental, os governos têm pela frente cenários pouco animadores e não querem arriscar politicamente. Os dados do segundo trimestre deste ano foram um aviso em algumas grandes economias (ver gráfico). Os dados do terceiro trimestre ainda não são conhecidos, mas os governos não querem as suas economias mergulhadas nos últimos três meses do ano em crise económica e social. Sinal disso são os pacotes de apoio que têm vindo a ser anunciados na Europa e de que o Governo português foi exemplo esta semana (Expresso, texto dos jornalistas Jorge Nascimento Rodrigues e Sónia M. Lourenço e infografias de Carlos Esteves)

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