quinta-feira, setembro 29, 2022

Sondagem: Governo passou do céu ao inferno em seis meses

PSD ainda não capitaliza as opiniões negativas sobre o Executivo. Chega e Ventura a subir. Jerónimo tem a maior queda entre os líderes partidários. Foi uma lua de mel intensa que levou a uma separação muito rápida. Em apenas seis meses — de março, quando o Expresso publicou o estudo pós-eleitoral e o Governo tomou posse, a setembro —, o Executivo liderado por António Costa passou da sua melhor avaliação de desempenho para a pior dos últimos três anos. Essa mudança, contudo, ainda não se reflete nas indicações de voto, que conti­nuam a ser lideradas pelo PS, com o PSD a recuperar muito pouco em relação ao resultado eleitoral de janeiro. De acordo com a sondagem feita pelo ICS/ISCTE para o Expresso e a SIC, mais de metade dos portugueses consideram que o desempenho do Governo é “mau” (35%) ou “muito mau” (13%). Apenas 1% respondeu “muito bom”, enquanto 41% consideram que o desempenho é “bom”. Quando se cruzam as linhas entre os que avaliam o trabalho do Governo como “muito bom/bom” e os que o avaliam como “muito mau/mau”, é ainda mais fácil ver como a lua de mel existiu e durou tão pouco. Em março, dois meses depois das eleições e mês em que o Governo finalmente tomou posse, 65% dos inquiridos faziam uma avaliação positiva do Executivo. Era a melhor avaliação desta série de estudos, 10 pontos percentuais acima da segunda melhor, que tinha sido registada em abril de 2021.

Passados apenas seis meses, as opi­niões positivas desceram mais de 20 pontos, para 42%, o valor mais baixo destes dois anos e meio de sondagens. Ao mesmo tempo, as opiniões negativas passaram do valor mais baixo (28%) para o valor mais alto (49%). Desde o início de 2019, só num outro momento a linha da avaliação negativa se tinha sobreposto à da apreciação positiva: foi em novembro de 2021, depois do chumbo do Orçamento do Estado para 2022, que daria origem à dissolução do Parlamento. Ainda assim, nessa altura, a diferença entre positivos (44%) e negativos (48%) era bem menor do que agora. E, sobretudo, não era tão abrupta a mudança.

Agora, o Executivo passou de máximos a mínimos. Foram seis meses em que o Governo de maioria absoluta se viu envolvido nos mais diversos casos, com quase todos os ministros em polémicas e até com a remodelação da ministra da Saúde e o recuo do primeiro-ministro, que voltou a escolher um secretário de Estado Adjunto para o ajudar na coordenação de um grupo de ministros que tarda em se mostrar uma equipa coesa e com uma maioria absoluta nas mãos.

Foi o caso do aeroporto e a quase demissão de Pedro Nuno Santos, a polémica sobre a contratação de Sérgio Figueiredo para as Finanças, os problemas com a descentralização, as críticas da ministra da Agricultura à CAP, os avisos do primeiro-ministro à Endesa e, mais recentemente, as divisões públicas entre membros do Governo sobre política fiscal. Tudo isto enquanto a guerra continua na Europa e a inflação sobe em todo o mundo, com os preços a escalar as prateleiras dos supermercados.

AVALIAÇÃO POSITIVA DOS PENSIONISTAS

Daí que seja natural que as piores avaliações ao Governo venham de quem considera que está “difícil/muito difícil viver”. Entre os inquiridos nessa situa­ção, 53% consideram que o Governo está a fazer um trabalho “mau” ou “muito mau”, enquanto a mesma avaliação é feita por 45% de quem se diz “confortável” com o nível de vida. Também natural é que as piores avaliações venham do eleitorado do PSD (72% fazem uma avaliação de “mau/muito mau”), enquanto no eleitorado PS só um quarto (26%) faz uma má avaliação do Executivo.

No que toca a níveis de ensino, a distribuição é muito semelhante, embora a apreciação negativa seja menor (45%) nos licenciados do que nos inquiridos até ao 3º ciclo (52% fazem avaliação negativa). Entre homens e mulheres, a diferença não é muito grande, mas são eles que avaliam pior o Governo (51% têm opinião negativa) do que elas (47%).

Onde a diferença é significativa, em linha com os resultados já publicados na edição anterior, é no nível etário, com os pensionistas a serem quem avaliam melhor o Governo. Só 42% dos maiores de 65 anos avaliam o Governo de forma negativa, enquanto em todas as outras faixa etárias as respostas de reprovação ultrapassam 50%.

CHEGA A CRESCER

O grande tombo na avaliação do Governo não tem, contudo, ainda expressão correspondente nas intenções de voto. O PS lidera com 37%, longe dos 41,3% que lhe deram a maioria absoluta de deputados em janeiro, mas o PSD, que mudou de líder em junho na sequência dos resultados eleitorais, ainda não parece capitalizar esse descontentamento, pois só recupera umas décimas: tem 28% nas intenções de voto desta sondagem e teve 27,6% nas eleições.

O partido que mais capitalizará o descontentamento será o Chega, com uma intenção de voto de 11 %, quase 4 pontos acima do seu resultado de 7,1%. Uma subida que, contudo, permitiria a PSD e Chega juntos ultrapassarem o PS e, com a Iniciativa Liberal, até alcançar uma maioria parlamentar. A IL, no entanto, nesta sondagem perde o seu lugar de quarto partido, com 3% nas intenções de voto, quase 2 pontos percentuais abaixo dos seus 4,9% de resultado em janeiro.

Pelo meio ficam CDU e Bloco, na casa dos 4%, sem diferenças significativas dos seus resultados eleitorais. Já o PAN tem intenções na ordem dos 3%, o que lhe permitiria recuperar deputados que perdeu em janeiro, quando teve apenas 1,8%.

Estas intenções de voto, contudo, devem ser olhadas com cautela, como avisam os autores do estudo: “É fundamental considerar que o trabalho de campo foi conduzido fora de um contexto eleitoral, não podendo por isso estas estimativas serem interpretadas como expressão de intenções de voto plenamente cristalizadas e menos ainda como previsões de um futuro resultado eleitoral”, escrevem.

O TRAMBOLHÃO DE JERÓNIMO

Se o PCP não tem grandes oscilações em relação ao resultado eleitoral, já o seu líder, Jerónimo de Sousa, tem a maior queda na avaliação dos líderes partidários. O secretário-geral comunista, que costuma ter boas avaliações e uma cotação acima do seu partido, é agora o líder partidário com pior avaliação, ultrapassando André Ventura.

Esta descida de Jerónimo vinha a ser progressiva ao longo dos últimos anos, mas tornou-se abrupta desde março até agora, um período que a permite relacionar com as posições do PCP sobre a guerra na Ucrânia, mas também com as cada vez mais insistentes hipóteses de sucessão dentro do PCP.

Também a descer tem estado a avaliação de Catarina Martins, líder do Bloco, enquanto as lideranças de Inês Sousa Real e Rui Tavares não permitem grandes comparações, por terem entrado recentemente para este estudo.

O mesmo acontece com a avaliação de Luís Montenegro, que, no entanto, vem na linha das avaliações do seu antecessor, Rui Rio. Já Cotrim de Figueiredo contraria a descida do seu partido e está em trajetória ascendente.

Quanto aos dois principais protagonistas do dia a dia político — o Presidente e o primeiro-ministro —, estão ambos em queda: a avaliação da atuação de Marcelo Rebelo de Sousa apresenta o valor mais baixo desde o fim de 2020; e António Costa tem a avaliação mais baixa desde fevereiro de 2019, muito perto da anterior pior nota, que tinha sido em junho desse ano. Ainda assim, mantêm-se como os dois líderes com melhor avaliação, num campeonato em que não se tocam, com Marcelo sempre à frente.

Ficha técnica

Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 10 e 18 de setembro de 2022. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTEIUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis Sexo, Idade (4 grupos), Instrução (3 grupos), Região (5 Regiões NUTII) e Habitat/Dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de Região e Habitat, foram selecionados aleatoriamente 83 pontos de amostragem, onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 2742 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 807 entrevistas válidas (taxa de resposta de 29%, taxa de cooperação de 42%). O trabalho de campo foi realizado por 40 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 9). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 807 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. As percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto da jornalista Eunice Lourenço e infografia de  Sofia Miguel Rosa)

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