terça-feira, setembro 13, 2022

Pensões. Qual é o problema? Por que se debate a sustentabilidade da Segurança Social?

 

A Segurança Social não vai falir mas as suas contas vão derrapar durante vários anos, obrigando a acionar outros mecanismos para pagar as pensões de uma população cada vez mais envelhecida. A decisão do Governo de congelar as regras de atualização das pensões, dando aos reformados um “suplemento extraordinário” este ano e cerca de metade do aumento no próximo, voltou a colocar na berlinda o tema mais abrangente da sustentabilidade da Segurança Social. Mas, afinal, as contas da Segurança Social estão piores do que se vem dizendo? Por que fala o primeiro-ministro na necessidade de um “contrato entre gerações” e por que coloca a ministra do Trabalho tanto ênfase na sustentabilidade da Segurança Social? Analisamos o tema com oito gráficos para perceber porque é que isto é importante - e ter uma ideia do futuro que se avizinha.

Seremos menos e mais velhos

A Europa está a encolher e a envelhecer. Nos próximos 50 anos, estima-se que a União Europeia perca 23 milhões de pessoas, passando dos atuais 447 milhões para 424 milhões. Portugal tem uma tendência semelhante, mas o decréscimo será mais acentuado — com uma taxa de natalidade especialmente baixa e a migração a crescer mais modestamente, a população nacional encolherá quase 18%.

Em consequência, a estrutura etária alterar-se-á significativamente. Seremos menos e muito mais velhos e a população com mais de 65 anos mais que duplicará. Em 2070, 33,1% da população terá mais de 65 anos e 14,7% mais de 80. Ao todo, 47,8% estarão em idade avançada (o que se compara com os 28,5% atuais).

Poucos a descontar, muitos a receber

Chegados a 2045, altura em que uma parte da geração do baby boom se estiver a reformar, Portugal será o país da UE com o maior rácio de dependência: as pessoas com mais de 65 anos representarão 66% da população em idade ativa.

As alterações levadas a cabo em 2007 e 2014 poupam dinheiro, permitindo reduzir o peso das pensões na dívida pública, mas não chegam. Em teoria, o sistema previdencial é sustentável até 2030, mas a partir daí entra em ação o Fundo de Estabilização, porque passam a pagar-se mais pensões do que a entrar contribuições sociais. O défice começa a desaparecer na década de 2060, mas durante 30 anos serão precisas outras formas de financiamento (1% do PIB por ano).

Idade da reforma dispara

Em 2007, pela mão de José Sócrates, e em 2014, por iniciativa de Pedro Passos Coelho, introduziram-se alterações significativas. À luz destas regras, quem se reformar no futuro manterá uma pensão líquida (de impostos) equivalente a 90% do salário líquido. Portugal é, aliás, o segundo país da zona euro com um regime mais generoso e um dos mais generosos da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. Problema? Vários.

Para ter direito a esta pensão, não pode sair do mercado de trabalho antes da idade legal de reforma, e esta cavalgará para níveis, também eles, entre os mais elevados — no futuro teremos a 6ª maior idade de reforma da OCDE. Sair antes é possível, mas os cortes são grandes. Quem tem carreiras intermitentes também será muito penalizado.

Viver muito tempo, mas sem saúde

Hoje em dia, em Portugal vive-se tanto tempo como nos países nórdicos e mais avançados, mas há um senão: vive-se com menos saúde. Após os 65 anos, vivemos 7,3 anos com saúde, menos de metade do que acontece, por exemplo, na Suécia. Ou seja, restam poucos anos aos portugueses para terem um tempo sossegado durante a reforma.

Deixar de trabalhar antes da idade legal continua a ser uma opção, mas sai bem cara. Embora nos últimos anos se tenha feito ajustes, Portugal é o país da OCDE com maiores penalizações. Quem sair um ano antes do tempo, tem um corte de 36% na pensão, quem sair três anos antes leva menos 15% por cada ano. A Áustria é o segundo país mais penalizador.

Desde que o PS regressou ao poder, em 2016, que o espetro da falência da Segurança Social saiu do debate público. Por um lado porque o tema é delicado, complexo, e erode a confiança no sistema público de pensões; e, por outro lado, porque as reformas levadas a cabo pela mão de Vieira da Silva e o subsequente aumento da idade da reforma decretado por Passos Coelho tiraram Portugal da lista dos países da zona vermelha, isto é, com risco de maior derrapagem orçamental nesta área.

As teses mais alarmistas, de que não haverá dinheiro para pagar estas pensões, são hoje em dia minoritárias, até porque o pagamento ou não de pensões depende sobretudo da decisão política de quem na altura estiver no Governo. Contudo, é certo que o sistema entrará em défice e que é preciso ir acautelando a situação.

Durante a troika, quando o sistema previdencial entrou em défices, o Governo decidiu cobrir as perdas com transferências do Orçamento do Estado (com receitas de impostos). Nos últimos cinco anos, a Segurança Social voltou a terreno positivo, e o Governo resolveu reforçar o seu financiamento transferindo para lá a receita do Adicional ao IMI e parte do IRC. Agora, com as profundas transformações do mercado de trabalho e dos modos de produção, resolveu criar um grupo de trabalho, coordenado por Mariana Trigo Pereira, para estudar o tema e apresentar propostas estruturais para o futuro. Na semana que passou, o Governo deu mais um passo. Decidiu cancelar a fórmula de atualização das pensões e arranjar uma maneira diferente de distribuir o dinheiro.

Se o fizesse tal e qual estava previsto (e o primeiro-ministro chegou a prometê-lo, há poucos meses), o Orçamento da Segurança Social teria uma despesa acrescida em torno dos 2,15 mil milhões de euros, todos os anos. Nos últimos anos o sistema de pensões tem registado excedentes, e as contribuições sociais estão a crescer a bom ritmo, mas um aumento desta magnitude comeria boa parte destes superávites (que andam entre dois e três mil milhões de euros).

Ao dar um “suplemento extraordinário” de meia pensão em outubro e aumentá-las em cerca de metade em janeiro, António Costa distribui a despesa por dois anos (um dos quais tem uma grande folga orçamental, devido ao aumento da receita fiscal), e só transfere para 2023 (e, em princípio, daí em diante) cerca de metade da despesa estrutural.

Falta agora saber se esta “poupança” é estrutural, ou se, pressionado pela oposição e pelas críticas de alguns economistas, no próximo ano reverterá parte ou a totalidade dela para 2024. Para já, certo certo é que os pensionistas não perdem nada este ano nem no no próximo e que, mais ano, menos ano, o sistema de pensões vai derrapar para terreno negativo (Expresso, texto da jornalista Elisabete Miranda e infografias de  Carlos Esteves)

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