segunda-feira, setembro 19, 2022

Ensino: Uma crise do tamanho da Europa

 

Da Itália à Suécia, da França à Alemanha, de Portugal à Finlândia, a falta de professores é um flagelo europeu. São vários os países que enfrentam grandes dificuldades em recrutar docentes para substituir os milhares que estão a reformar-se, a abandonar a profissão ou que entram de baixa. O envelhecimento da classe, sentido um pouco por toda a Europa, acelera a erosão, e a ‘crise de vocação’ que parece estar a afetar o ensino não ajuda.

As explicações para o fenómeno são várias e diferem de sistema para sistema. Nalguns casos serão os salários baixos, noutros a burocracia, as turmas mais difíceis, as dificuldades de progressão na carreira ou ainda o desgaste profissional e a pressão dos pais. No limite, será um pouco de tudo isto que está a afastar os mais novos da carreira. “Todos estes fatores tornam a profissão mais complexa e stressante e por isso menos atrativa para os jovens, sobretudo quando veem que as condições de trabalho e os níveis de autonomia não acompanham o grau de profissionalização exigido para corresponder a todas as expectativas da sociedade”, resume Karine Tremblay, analista da divisão de políticas da OCDE e durante anos responsável pelo maior estudo internacional sobre professores (Talis).

A especialista lembra, no entanto, que o problema não se resume à perda de atratividade da profissão, mas à própria estrutura da classe e da sociedade. “Países que recrutaram professores em larga escala nos anos 80 estão agora a assistir a aposentações em massa, precisando de encontrar substitutos em igual dimensão”, explica. Para atenuar o problema, vários países têm sido obrigados a improvisar soluções como o recurso a profissionais sem formação em ensino, o aumento do número de alunos por turma e até medidas mais radicais, como a adotada na cidade alemã de Gelsenkirchen, onde o horário dos alunos do 1.º ciclo teve de ser reduzido numa hora devido à falta de pessoal, conta o “Financial Times”. Só na Alemanha estima-se que faltem 40 mil docentes.

Em Itália, o envelhecimento do corpo docente faz com que 150 mil lugares sejam agora ocupados por professores sem vínculo. E em França, no início deste ano letivo, ficaram por preencher 4 mil vagas. Para tornar a profissão mais atrativa, o Presidente Emanuel Mácron quer aumentar os salários dos docentes em 10%, garantindo um mínimo de €2000 líquidos à entrada da carreira.

OCDE alerta para risco de degradação da qualidade do ensino em vários países devido à falta de docentes

O problema também atinge os países nórdicos. Na Suécia calcula-se que seja preciso formar 153 mil professores até 2035. E até a Finlândia, historicamente apontada pela OCDE como um dos melhores sistemas educativos do mundo, está a ser afetada pela falta de docentes, que os sindicatos locais atribuem às condições de trabalho e aos baixos salários.

Um pouco por toda a Europa já são visíveis os impactos da escassez de professores. “Há perda de tempo de aulas no caso de professores de baixa que não são substituídos e recurso a profissionais sem formação completa, havendo o risco de estes constrangimentos virem a refletir-se numa pior qualidade do ensino e numa deterioração da satisfação dos próprios professores, com subsequente abandono da profissão”, admite Karine Tremblay.

PANORAMA PORTUGUÊS

Em Portugal o ano letivo começou esta semana, com cerca de 60 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina. Devido ao volume cada vez maior de aposentações, é preciso recrutar 34.500 professores até 2030. Mas os níveis de formação são insuficientes e a procura por cursos de ensino caiu na última década. Além dos salários baixos em comparação com outras carreiras (um professor ganha, à entrada, à volta de €1100 líquidos e cerca de €2000 no topo), há entraves à progressão e é preciso esperar vários anos até conseguir entrar nos quadros, fatores que desmotivam eventuais candidatos.

“É preciso tornar a profissão mais atrativa”, frisa Carlinda Leite, coordenadora do grupo de trabalho criado pelo Governo para agilizar o recrutamento de docentes. Reformular a formação de professores de modo a facilitar o acesso à profissão é uma das prioridades. Assim, o acesso aos mestrados que habilitam a dar aulas no 1.º e no 2.º ciclos, exclusivos para licenciados em Educação, será alargado a diplomados de outras áreas. “A ideia é captar para a docência pessoas que neste momento não podem entrar”, explica. Investir em campanhas para atrair mais jovens para cursos de ensino, apostar em trazer de volta antigos professores que deixaram a profissão, recuperar estudantes que abandonaram cursos nas áreas onde há mais falta de docentes, como Matemática e Biologia, e tornar a vinculação aos quadros mais rápida são outras das medidas propostas (Expresso, texto das jornalistas Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos)

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