quinta-feira, setembro 29, 2022

PSD foi “a reboque” do Chega e do PS. E precisa de arrumar uma bancada “ferida de morte”

Em dois dias consecutivos, Montenegro teve de vir desmentir uma aproximação ao partido de Ventura e viu-se comprometido “para futuro” com a solução a adotar para o aeroporto. Deputados do PSD não escondem o “desconforto” e esta quinta-feira Miranda Sarmento tem novo teste frente ao primeiro-ministro. “Já chega de andarmos com o Chega ao colo! E a oposição ao Governo não se faz?” O desabafo parte de um deputado do PSD que não gostou de receber, tal como os restantes colegas de bancada, um email do seu líder parlamentar para votar favoravelmente Rui Paulo Sousa, o terceiro nome indicado pelo Chega para a vice-presidência da Assembleia da República. Ainda para mais, quando se sabia que à terceira não seria de vez, pois o PS, que dispõe de maioria absoluta, já tinha deixado claro que votaria contra. O email seguiu na manhã de quinta-feira, horas antes de uma votação condenada à partida, e não surtiu efeito: além da barreira socialista e da restante esquerda parlamentar, pelo menos um terço dos deputados sociais-democratas não seguiram a indicação de Joaquim Miranda Sarmento, concertada com o presidente do partido. No dia seguinte, Luís Montenegro, acompanhado pelo vice-presidente Miguel Pinto Luz, reuniu-se com o primeiro-ministro e o ministro das Infraestruturas para se fechar um acordo sobre o novo aeroporto de Lisboa.

Em ambos os casos – a tão propalada aproximação ao Chega e o acordo com o PS sobre o aeroporto –, o deputado, que falou ao Expresso sob anonimato, considera que o PSD foi “a reboque” dos outros dois partidos. De imediato, o presidente do Chega, André Ventura, saudou o gesto da cúpula social-democrata e até aludiu a uma concertação que também o incluiria. Montenegro, então em Ponta Delgada para o 1º Encontro Interparlamentar do PSD, rejeitou qualquer aproximação ao Chega. E esta segunda-feira, já em Lisboa, apelou a Augusto Santos Silva para que use “o seu magistério de influência parlamentar” para que a Assembleia da República volte a ter quatro vice-presidentes, elegendo os candidatos do Chega e da Iniciativa Liberal (IL).

AFINAL, EM QUE DIFERE MONTENEGRO DE RIO?

A quem serve esta aproximação, ainda que publicamente negada, do PSD ao partido de Ventura? Há, pelo menos, um par de teses a circular entre a São Caetano à Lapa, sede nacional social-democrata, e São Bento, morada da Assembleia da República. Por um lado, ao insistir na necessidade de repor a normalidade parlamentar, o PSD dá o seu contributo para que o Chega eleja um vice-presidente na Assembleia da República. Ora, isso significaria institucionalizar-se ainda mais: o Chega já dispõe de 12 deputados, assim passaria a ter também lugar na mesa do Parlamento. Ou seja, sobrar-lhe-ia pouca margem para continuar a autoproclamar-se um partido antissistema.

Rui Rio colocava como condição para um eventual entendimento com o partido de Ventura que este se moderasse. Montenegro, que lhe sucedeu na presidência do PSD, declarou, no início de julho, no Congresso do Porto que o entronizou, que o partido, sob a sua liderança, jamais iria associar-se “a qualquer política xenófoba ou racista”. O diabo está na subtileza das palavras: uma coisa é o PSD associar-se a políticas xenófobas ou racistas, outra é fazê-lo com um partido que vai integrando aquelas políticas no seu discurso e na sua praxis. Nas entrelinhas, quase se pode ler: acordo com o Chega, sim, mas só se este não impuser tais políticas num eventual acordo. Ou seja, afinal, em que difere Montenegro de Rio?

Mas não é só aqui que as diferenças entre o anterior e o novo líder se parecem esbater. Também no aeroporto a proximidade com o partido do Governo gera estranheza na bancada parlamentar do PSD – e não só. “Montenegro sempre foi muito crítico de Rio por causa de acordos com o PS. E uma das primeiras coisas que faz, quando chega à liderança, é um acordo com o PS. Não é lá muito coerente”, aponta ao Expresso uma fonte do grupo parlamentar. Os militantes, “principalmente aqueles que eram muito contra Rio e apostaram muito em Montenegro”, têm-lhe manifestado essa “perplexidade”, conta. Ainda por cima porque Rio o fazia quando António Costa governava sem maioria. E importa ainda recordar, diz, que se trata de um primeiro-ministro, que, em entrevista ao Expresso em 2020, declarou: “No dia em que a subsistência deste Governo depender de um acordo com o PSD, nesse dia este Governo acabou.”

Na questão do aeroporto, “o Governo [atual] lança o desafio e tenta, de certa maneira, comprometer o PSD para futuro, e o PSD cai na esparrela e acaba por passar um cheque em branco”, descreve um deputado. Na verdade, a nova direção social-democrata foi a jogo, promovendo uma série de audições internas e sugerindo diretrizes para a metodologia a seguir na escolha da localização, mas sublinhando sempre que é ao Governo que cabe governar. Já após o encontro a quatro na sexta-feira, Costa veio esta semana dizer que se, no final, não houver um entendimento com o maior partido da oposição, “é a vida”, acrescentando que “quem tem maioria tem de a usar”.

Voltando ao Chega e ao lamento pela oposição ao Governo que o PSD não estará a fazer de modo mais veemente, o deputado pergunta-se ainda se, depois de apelar à intervenção do presidente da Assembleia da República, Montenegro não passará “o ónus para o Presidente da República”. Tudo para que o Chega consiga um lugar como vice-presidente no Parlamento. Mas a que preço? Nas duas grandes intervenções que fez sobre o assunto, a agenda do presidente do PSD (num dos casos, tratava-se de um alerta para a escassez de alojamento estudantil) acabou por ficar secundarizada, ocupando o Chega praticamente todo o espaço mediático.

“UMA ASSOCIAÇÃO DE ESTUDANTES DO SECUNDÁRIO”

O PSD precisa de arrumar a casa, a começar pela sua bancada parlamentar, onde Montenegro não tem assento como deputado, ainda que disponha de um gabinete na Assembleia da República. “Precisamos de nos credibilizar enquanto partido da oposição para ganharmos cada vez mais força”, diz um dos deputados ‘não alinhados’ – serão cerca de 30 – com a atual direção. Assegura que “o ambiente no grupo parlamentar não é benigno”, dando ainda nota de “alguma fricção” e “descontentamento grande”.

“A nova direção entrou com o pé esquerdo”, logo quando constituiu a sua lista, “destratando os deputados que ficaram de fora da coordenação de comissões, por exemplo, sem sequer lhes dar cavaco”, relata. Depois, a prestação de Miranda Sarmento na sua estreia como líder parlamentar, no embate com o primeiro-ministro, foi “miserável” e deixou os deputados “envergonhados”. Esta quinta-feira tem novo teste com o primeiro-ministro, no regresso de Costa ao Parlamento para um debate de política geral.

O presidente do partido está “constantemente a pôr a mão nesta direção da bancada” e “tem sempre de vir a terreno corrigir as trajetórias erradas do presidente do grupo parlamentar”, sublinha um deputado, que deixa o seu prognóstico: “Chegará uma altura em que isto vai ser incomportável. Se o líder parlamentar continuar a dar tiros nos pés, não vai ter condições para se aguentar muito tempo. O mais certo é arranjarem uma desculpa.” Nesse caso, haveria novas eleições e “aí” o deputado acredita que poderá haver “duas listas”. A alternativa a este cenário é “uma mudança de atitude”, que passa por “mais respeito da direção nacional e da direção parlamentar pelos deputados”.

Este foi um dos deputados que não gostaram de saber através dos jornais – neste caso, do Expresso – que “o grupo parlamentar criou um lugar novo, de consultor principal, para o coordenador autárquico”, Pedro Alves, “ainda para mais com um ordenado-base superior ao de um deputado”. “Nunca ninguém lhe pôs a vista em cima. Nestes 27 dias do mês de setembro, acho que ele [Pedro Alves] não pôs os pés na Assembleia da República. E para haver este lugar, tiveram de despedir vários funcionários, nomeadamente assessores do grupo parlamentar”, o que gera “ainda mais revolta”. Neste cenário, em que se recrutam “aparelhistas do partido”, depois é “normal” que os deputados não acatem as indicações superiores.

A “ligeireza” e a “imaturidade” com que se tratam os assuntos fazem com que a bancada, que está “ferida de morte”, se assemelhe a “uma associação de estudantes do secundário”, critica. Mas então os deputados que não votaram a favor do nome indicado pelo Chega fizeram-no em retaliação ou por convicção? No fundo, terá sido por ambos os motivos. “Votar no candidato do Chega é pisar a linha vermelha de que tanto se fala, uma aproximação a uma área política com a qual o PSD não se pode identificar, porque tem posições demasiado extremadas para serem acolhidas.” E depois há “a crescente desarmonização entre a direção da bancada e o resto dos deputados”.

O QUE O PSD PODE APRENDER COM O PS

Reconhecendo que Montenegro até tem “razão” quanto ao respeito pelo regimento da Assembleia da República, outra fonte do grupo parlamentar lamenta que o presidente do PSD, “bastante experimentado na liderança parlamentar”, não tenha percebido que “estes temas têm de ser debatidos com os deputados”. “Ele sabe perfeitamente que esse debate devia ter acontecido e que isto não se resolve com um email a poucas horas da votação. Trata-se de um raciocínio básico.” A mesma fonte diz que o “desconforto” foi generalizado, dando inclusivamente nota de “apoiantes de Montenegro que, ao receberem o boletim, dobraram-no ostensivamente e votaram em branco”.

O Chega é “mesmo um assunto difícil para qualquer liderança”, concede, solidarizando-se com o facto de Montenegro ter de lidar com este tema – “mas, no fundo, foi também ele que o puxou”. Uma coisa é certa, assegura: “O PSD tem de inverter o caminho e traçar claramente uma linha vermelha ao Chega porque foi um dos três, quatro fatores fundamentais que geraram a maioria absoluta do PS. O PSD não pode conversar com o Chega. Não pode ser assunto porque, de facto, a opinião pública não concorda com isso.” E, no fundo, sugere que os sociais-democratas aprendam com os socialistas. “Foi o que o PS sempre fez com o Bloco de Esquerda e o PCP. Sempre lhes traçou umas linhas vermelhas, sempre os atacou de forma reiterada e, quando precisou deles, usou-os. E agora descartou-os outra vez.”

Nos últimos dias, tem-se falado desta aproximação do PSD ao Chega com vista às eleições legislativas de 2026, uma vez que todas as sondagens mostram que, sem os partidos à sua direita, os sociais-democratas não conseguem formar governo. Mas há outros atos eleitorais até lá, como as regionais na Madeira, no próximo ano, e nos Açores, em 2024, onde já há um Governo de coligação liderado pelo PSD, juntamente com o CDS e o PPM, e com acordos de apoio parlamentar com o Chega e a IL.

O que se passou na semana passada não foi mais do que “um sinal que o presidente do partido quis dar para o que aí virá”. “Vamos ter regionais na Madeira e podemos assistir a uma solução muito semelhante à que aconteceu nos Açores. E está dado aqui o primeiro passo de aproximação ao Chega”, ouviu ainda o Expresso. O resto é especulação: “Não sei se, nesta eleição para vice-presidente da Assembleia, o PSD queria ter um resultado moral, juntando os seus votos aos votos do Chega, para fazer uma demonstração de boas intenções.” Ventura agradeceu, ainda que, dias mais tarde, tenha descrito as relações com o PSD como “muito mornas” e adiantado que está tudo “num ponto muito precoce”. Mas a “novela” com o Chega, acreditam os sociais-democratas ouvidos pelo Expresso, está para durar (Expresso, texto do jornalista Hélder Gomes) 

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