quarta-feira, setembro 28, 2022

É mesmo melhor isso, escreva, escreva: Passos começa a escrever a história


Ainda não é desta que publica o ‘seu’ livro sobre o marcante período em que governou o país — “compromisso” que promete cumprir “numa análise mais pormenorizada” —, mas Pedro Passos Coelho aceitou prefaciar “Diplomacia em tempo de troika”, do ex-embaixador de Portugal na Alemanha, Luís de Almeida Sampaio, e fala pela primeira vez do PS atual. Após ter ido à festa de verão do PSD, em agosto, avisar que não tem dúvidas de que “Portugal vai precisar de um Governo diferente daquele que temos”, Pedro Passos Coelho revê em 36 páginas o “falhanço clamoroso” dos Governos de Sócrates, as “muralhas da dívida”, a “forte austeridade” dos PEC, a “economia estagnada e incapaz de gerar riqueza”, o “desagrado de Merkel” quando ele descolou do PEC 4, precipitando o resgate, as “dificuldades” da sétima avaliação da troika perante a “crise da demissão de Portas e a nega de Seguro” e, numa nota de rodapé, ainda quebra o silêncio sobre quem hoje governa o país para espicaçar a ferida do momento: como governa a esquerda em ciclos de crise?

“Há, infelizmente, coisas nos responsáveis socialistas que não mudam em Portugal”, escreve o ex-primeiro-ministro, que diz ser “sintomático que os socialistas, que tinham (no PEC 3) posto em prática medidas restritivas em áreas sociais como a saúde e a educação” — e dá o exemplo das novas taxas moderadoras e da redução do número de escolas na rede pública, a par das “restrições ao acesso a prestações sociais como o RSI ou o subsídio de desemprego” —, “tivessem passado o verão naquele ano a acusar o PSD de ser neoliberal e de querer destruir o Estado social”.

“De resto, ao fim de todos estes anos, o registo mantém-se”, conclui, numa clara vinculação à polémica que por estes dias tem apertado o cerco à maioria absoluta de António Costa, acusado de camuflar políticas de austeridade num contexto de crise inflacionista em que famílias, pensionistas e empresas perdem rendimentos. Passos não se alonga e ignora o apego do atual primeiro-ministro às contas certas, mas denuncia a forma como o PS “mantém o registo” de colar a austeridade ao PSD mesmo quando a responsabilidade de governar é apenas sua.

O “DRAMATISMO” DO “IRREVOGÁVEL” E O PEDIDO DE AJUDA A BARROSO

Em destaque neste prefácio surgem os dias antes e depois da crise aberta, já no seu Governo, pela demissão do então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas. Estava-se em 2013, as “muralhas da dívida” e as “vicissitudes várias que podiam ter deitado tudo a perder”, entre elas os sucessivos chumbos do Tribunal Constitucional a medidas do Governo, levaram Portugal a propor um alargamento dos prazos para o pagamento dos empréstimos, proposta referida como “um último recurso”. A alternativa, escreve, “era demasiado arriscada, para não dizer que seria certo que cairíamos num novo resgate”. Mas nada seria possível sem a sétima avaliação da troika ser aprovada.

Ainda não é o “seu” livro sobre o ciclo troika, mas Passos já comenta a era Costa: “Ao fim de todos estes anos, o registo mantém-se”

É neste contexto que Paulo Portas ameaça bloquear a avaliação, “por discordar de uma das medidas que ela continha”. Considerando que “este não será o enquadramento adequado para entrar em pormenores sobre esse processo”, Passos pormenoriza o “dramatismo” do momento, relata como teve que pedir ajuda a Angela Merkel para garantir aprovação pelo Parlamento alemão do prolongamento das maturidades da dívida portuguesa, e assim evitar o segundo resgate, e como sentiu “as preocupações que todos mostraram em Berlim sobre como se resolveria” a crise em Lisboa.

“Foi com esta noção muito clara do que estava em jogo”, relata, que entendeu pedir o apoio do PS para o caso de o parceiro de coligação falhar e aproveita um Conselho Europeu informal em Berlim para falar com Durão Barroso, então presidente da Comissão Europeia, e com Martin Schulz, líder dos socialistas europeus, pedindo-lhes ajuda “para uma diligência que me parecia inadiável”. Se o PS apoiasse, ele estaria disponível para se demitir e haveria eleições “logo a seguir ao fecho do programa”, mas António José Seguro, então líder do PS, “considerava demasiado tarde para gestos de apoio ao Governo”.

Passos não fala do recuo de Portas, apenas diz ter saído de Berlim “ainda mais decidido a fazer tudo para que a coligação sobrevivesse”. O picante relativamente ao ex-líder do CDS, que, tal como ele próprio, integra a lista dos presidenciáveis para 2026, está lá todo: “Não desejo aqui debruçar-me sobre esse episódio propriamente dito. Isso necessitaria de outro espaço, com outro fôlego, que aqui não cabem.” Talvez no “seu” livro, a sair oportunamente.

FRASES

“Os socialistas, que (no PEC3) tinham posto em prática medidas restritivas em áreas sociais como a Saúde e a Educação, passaram aquele ano a acusar o PSD de ser neoliberal. Ao fim de todos estes anos, o registo mantém-se", Pedro Passos Coelho, Ex-primeiro-ministro

“Senhor embaixador, pode dizer aos seus amigos alemães que de mim nunca terão surpresas ”, António Costa, Dezembro de 2014, num encontro na Câmara de Lisboa

“A demissão do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros (Paulo Portas) necessitaria de outro espaço com outro fôlego, que aqui não cabem. (...) Não é indiferente para a história do que aconteceu no país”, Passos Coelho,. sobre a demissão “irrevogável” de Paulo Portas (Expresso, texto da jornalista ÂNGELA SILVA)

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