Peso elevado das taxas variáveis no crédito à habitação em Portugal aumenta pressão para apoio do Governo. Recurso à taxa fixa tem vindo a crescer desde 2016. A Zona Euro é só uma, mas o regime de taxas de juro aplicado no crédito em cada Estado-membro é muito variado. Há países onde os empréstimos para a compra de casa têm quase todos taxa fixa e há outros em que na grande maioria dos casos o juro cobrado depende de um indexante, como a Euribor. É o caso de Portugal. Os dados estatísticos compilados pelo Banco Central Europeu mostram que 68% dos novos crédito à habitação contratados em Portugal no mês de julho tinham taxa variável ou fixa apenas no primeiro ano. Um contraste significativo com o conjunto da Zona Euro, onde o peso é de apenas 17,9%. Esta enorme proporção dos empréstimos com juros indexados, neste caso à Euribor, faz com que as famílias portuguesas estejam entre as mais vulneráveis ao aperto significativo da política monetária pelo BCE para travar a inflação. Portugal é o sétimo país onde a taxa variável tem mais importância, ficando abaixo da Finlândia (97,7%), Letónia, Chipre, Irlanda, Estónia e Malta.
No extremo oposto estão Estados-membros como a França (3,3%), Eslováquia (3,7%), Eslovénia (7,5%), Países Baixos (13%) ou Alemanha (13,4%), onde os créditos a taxa fixa são claramente predominantes. Se considerarmos todos os empréstimos existentes, o peso em Portugal é ainda maior. Segundo o último Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal, divulgado em junho, o crédito à habitação com juros fixos somava perto de 36 mil milhões de euros, o equivalente a 17,5% do total. Ou seja, 82,5% tem taxa variável. A base estatística do BCE não permite fazer a comparação com outros países considerando a totalidade dos empréstimos.
O peso muito mais elevado das taxas
variáveis significa que a subida dos juros reflete-se de forma mais rápida e
direta no encargo que as famílias portuguesas têm com o crédito, penalizando o
seu poder de compra. Quando os juros descem e são muito baixos, como aconteceu
durante a década anterior, também beneficiam mais. Ou seja, a transmissão da
política monetária do BCE é muito mais eficaz.
A forte subida da inflação, que atingiu um
novo recorde de 9,1% em agosto, levou o banco central europeu a uma inversão
brusca da sua política de taxas de juro, primeiro com um aumento de 50 pontos
base em julho e depois com um segundo de 75 pontos base em setembro. E não
ficará por aqui.
Após a reunião do Conselho do BCE, na
semana passada, a presidente, Christine Largarde afirmou que a Zona Euro ainda
está “longe da taxa que levará a inflação a regressar ao objetivo de médio
prazo de 2%”. Os economistas estimam que o banco central possa elevar a taxa de
referência até aos 2,5%, ou até mais, nos próximos meses.
A Euribor a 3 meses, o segundo indexante
mais usado, passou de -0,53% no início de março para 1,03% na quinta-feira. Os
contratos futuros indicam que poderá chegar aos 2,4% em março de 2023.
A título indicativo, uma prestação de um
crédito à habitação de 100 mil euros e um prazo de 30 anos, com um spread de
1%, custava 347 euros (sem considerar comissões) com a taxa de março deste ano.
Fazendo as contas com a taxa prevista para o mesmo mês do próximo ano, a
prestação salta para 444 euros, praticamente mais 100 euros. As Euribor a seis
meses (1,609%) e a 12 meses (2,223%) também dispararam para máximos de mais de
uma década.
O peso da taxa variável tem levado alguns
economistas, como Sandra Maximiano e Ricardo Arroja, a defenderem a introdução
de um apoio às famílias, por exemplo uma dedução fiscal dos juros em IRS. O
primeiro-ministro António Costa foi questionado sobre a possibilidade de adotar
medidas para quem tem empréstimos para a compra de casa na entrevista que deu
na segunda-feira à noite à TVI, tendo respondido que o Governo estava em
diálogo com a Associação Portuguesa de Bancos. Concedeu, no entanto, que “é
provável que venha a haver”.
Já para os bancos, o peso elevado dos
empréstimos com taxa variável significa também um aumento mais rápido da sua
margem financeira, robustecendo os seus lucros. O único senão poderá ser um
aumento mais pronunciado do incumprimento, caso as famílias deixem de conseguir
fazer face à despesa.
No já referido Relatório de Estabilidade Financeira, o Banco de Portugal observa que “a proporção dos empréstimos com taxa fixa tem vindo gradualmente a aumentar desde 2016“, tendência que deverá “mitigar parcialmente o impacto sobre o serviço de dívida dos mutuários e, consequentemente, o risco de crédito para os bancos” (ECO digital, texto do jornalista André Veríssimo)
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