sexta-feira, setembro 02, 2022

TAP: Contas melhores à custa de trabalhadores. Há €1000 milhões em viagens vendidas por fazer



É forte o peso dos bilhetes vendidos pela TAP cujos voos ainda estão por realizar — o montante saltou para €1,064 mil milhões no final do primeiro semestre deste ano e representa 18% do passivo da transportadora. Um valor que não tem parado de subir nos últimos dois anos e meio, ora por causa da pandemia, que obrigou a companhia a ficar em terra e passageiros a adiar voos, ora porque os cancelamentos que este verão subiram em flecha, graças aos problemas generalizados nos aeroportos europeus e à falta de trabalhadores, fizeram com que alguns passageiros não voassem.

Em 2021, os chamados documentos pendentes de voo situavam-se nos €644 milhões e meio ano depois já eram superiores em €420 milhões. Um aumento impressionante, sobretudo se comparado com os €481 milhões registados em 2019. Tem sido uma bola de neve. Nuno Azevedo, analista financeiro independente que acompanha as contas da TAP, considera preocupante este número. E explica porquê. “Os constrangimentos nos aeroportos começaram e prolongaram-se por junho, julho e agosto, o que significa que este valor continuará a subir.” Ao Expresso, o administrador financeiro da TAP, Gonçalo Pires, sublinhou que este número incluiu vouchers de voos, que se arrastam desde a pandemia, uma situação que, sublinhou, tem estado a ser resolvida e que não é significativa. O problema dos bilhetes vendidos com voos por rea­lizar é algo que a equipa liderada por Christine Ourmières-Widener (CEO) terá de enfrentar, numa companhia a braços com um plano de reestruturação que a empurra para um braço de ferro com os trabalhadores.

TRABALHADORES FORTALECEM CONTAS

Não há só más notícias. A TAP conseguiu reduzir os prejuízos para menos de metade no primeiro semestre — €202,1 milhões contra €493 milhões no período homólogo —, e a forte procura fez com que as receitas crescessem quase €400 milhões, para €1,3 mil milhões, mais do quádruplo do ano anterior.

Há, no entanto, um longo caminho a percorrer até chegar ao lucro, num sector onde se somam as ameaças, com destaque para o disparar dos preços dos combustíveis — cujo custo, apesar da cobertura de risco que permitiu poupar €78 milhões, foi de €409 milhões e deverá chegar aos €1000 milhões no final do ano. Aliás, Christine Ourmières-Widener declarou-se “cautelosamente otimista”, apontando para as numerosas ameaças e incertezas que o sector enfrenta.

E se os resultados são reconhecidamente positivos ao nível do EBITDA (meios operacionais libertos), é uma melhoria que se deve a uma quebra significativa dos gastos com os trabalhadores, cujos custos caíram €145 milhões, para os €187,7 milhões, na primeira metade do ano face a junho de 2019 (-7,2%). As estruturas sindicais já o sublinharam. Tanto o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), como o SITAVA já vieram afirmar que as contas da TAP melhoraram à custa dos trabalhadores. Os pilotos fizeram as contas e asseguram que os seus salários financiaram os resultados em mais de €50 milhões em 2021 e em €25 milhões no primeiro semestre deste ano.

Um protesto que poderá não ter eco. A líder da TAP já veio dizer que é “impossível reverter” os cortes que estão a ser aplicados aos trabalhadores, lembrando o compromisso com a Comissão Europeia, que prevê um corte de 25% na massa salarial e ao qual a TAP está amarrada. Mais comedidos têm sido os cortes junto dos fornecedores: €137 milhões desde o início da reestruturação.

Às criticas e manifestações inéditas de agosto de pilotos, e destes com os tripulantes e trabalhadores da manutenção, Christine Ourmières-Widener salienta que prefere responder com resultados, adiantando que as contas de 2022 são melhores do que o previsto no plano. “Há sempre tensão durante e depois das crises. Não gosto de ver manifestações nas ruas, mas a gestão não pode perder o foco. Estamos em discussão com todos os nossos parceiros. Gostávamos que a relação melhorasse e estamos a trabalhar para que isso aconteça”, salientou.

Nuno Esteves alerta que, com o “avançar do plano, a vantagem competitiva [da redução dos gastos com trabalhadores] vai desaparecendo”, sublinhando que, no EBITDA de €234 milhões, 62% devem-se a uma poupança na rubrica dos trabalhadores. O analista afirma ainda que a TAP é hoje “a companhia com os gastos com pessoal face às receitas operacionais mais económica da Europa, só suplantada pela Ryanair, numa relação de 14% versus 11% da companhia liderada por Michael O’Leary”.

DESAFIOS

CONTAS E APOIO PÚBLICO

A TAP irá receber os últimos €990 milhões de ajuda do Estado até ao final deste ano. Na segunda metade de 2023 espera ir ao mercado levantar capital e prevê recorrer a um empréstimo de €360 milhões. Tem hoje uma emissão obrigacionista de €700 milhões.

AMEAÇAS

2022 será, segundo a presidente da TAP, um ano marcado pela incerteza geopolítica, a subida do preço do jet fuel, a valorização do dólar, o disparar da inflação, o risco de recessão e a disrupção dos aeroportos.

PROCURA

A TAP contratou 430 pessoas (tripulantes e terra) para responder à procura, que quadruplicou, aumentando o número de trabalhadores para 6935. A incerteza é grande e admite-se quebra após o verão.

NÚMEROS

200,1 milhões de euros foi o prejuízo da TAP no primeiro semestre de 2022, menos de metade dos €493 milhões registados no período homólogo. As receitas aumentaram de €938 milhões para €1,3 mil milhões, puxadas pelas vendas de bilhetes (€1,153 mil milhões). O número de passageiros subiu de 1,3 milhões para 5,8 milhões

734 milhões de euros é a dívida financeira líquida, a que acresce a dívida de €2,2 mil milhões do leasing dos aviões. A frota da TAP é de 96 aviões (incluindo a Portugália) (Expresso, texto da Jornalista Anabela Campos)

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