sexta-feira, setembro 02, 2022

A sucessão do Papa Francisco pode começar. Tolentino já é um dos desejados?

 

O sumo pontífice visita este domingo o Santuário de Áquila, o mesmo que Bento XVI visitou antes de renunciar. Francisco diz serem coincidências. Entretanto, D. José Tolentino continua a ser apontado por muitos como um nome forte para a sucessão. "Isso nunca entrou na minha mente. Por enquanto não, é verdade. Mas quando chegar a hora em que vir que não o posso fazer [gerir a Igreja Católica por causa de problemas de saúde], vou fazê-lo [renunciar]. E esse foi o grande exemplo do Papa Bento XVI. Foi uma coisa muito boa para a Igreja. Ele disse que os Papas devem parar a tempo". As declarações do Papa Francisco, em entrevista recente à Agência Reuters, surgiram quando confrontado com a pergunta a respeito da visita que fará este domingo ao Santuário de Áquila, o mesmo que o papa emérito Bento XVI escolheu para visitar antes de anunciar a renúncia, em 2013. Esta é a primeira vez que Francisco visita a região do centro de Itália depois do terramoto que a atingiu em 2009. Mas há, no entanto, um outro dado que faz adensar o tema da sua sucessão: o Consistório, agendado para ontem em que o Papa ordenou 20 novos cardeais (a maioria com menos de 80 anos -- o mais novo em 48 -- e, por isso, elegíveis para lhe sucederem). Na mesma entrevista, realizada em julho passado, ao longo de 90 minutos, Francisco recusou a ideia de vir a ser obrigado a renunciar.

"Deus o dirá", afirmou, sem negar os problemas no joelho direito - que o obrigam a deslocar-se ultimamente em cadeira de rodas - e recordando mesmo a intervenção cirúrgica a que foi submetido há quase um ano. À Reuters, o Papa lembrou que na operação, que durou seis horas, lhe tiraram 33 centímetros do cólon sigmoide. Questionado sobre os rumores de que teria sido detetado um cancro, riu-se. "A mim não me contaram", afirmou, para depois dizer em tom sério que não tinha cancro. "Isso são boatos da corte. O espírito da corte ainda existe no Vaticano. E se pensarmos nisso, o Vaticano é a última corte europeia de uma monarquia absoluta", disse.

Tolentino, o desejado

Desde que o estado de saúde do Papa Francisco se foi tornando cada vez mais débil aos olhos do público, que aumentam as vozes em defesa de um nome português na linha de sucessão: D. José Tolentino Mendonça, para muitos apenas nome de poeta, o cardeal que desde 2018 é responsável pela Biblioteca e Arquivo do Vaticano, arrasta salas cheias sempre que regressa a Portugal. Esgota conferências e colóquios, como acaba de acontecer com uma atividade do escutismo, agendada para o dia 10 de setembro, em Aveiro. E foi assim também em junho passado, na formação para jornalistas portugueses "O Vaticano por dentro e in loco", que decorreu em Roma, na Universidade Pontifícia de Santa Cruz. Durante quase uma hora, o cardeal contou detalhes do seu quotidiano na Santa Sé.

D. José Tolentino nunca esquece as suas raízes (é natural do Machico, na Ilha da Madeira) nem a família humilde. Fala sobretudo da avó materna, que afinal tem sempre presente: "A minha avó materna era analfabeta. Foi ela a minha primeira biblioteca. Por isso, eu sinto que a minha missão aqui é também representar os que não sabem ler. Foi ela quem me introduziu na literatura oral, porque a literatura não é só a escrita, a literatura oral é um património riquíssimo e a que damos pouco valor. Por isso digo que a minha missão é também representar os que não sabem ler", justificou.

Quando em 2018 o Papa Francisco escolheu o então Capelão da Igreja do Rato, em Lisboa, para responsável da Biblioteca e Arquivo do Vaticano, sabia que se tratava de um ser especial.

"Como posso descrever esta grande máquina que é a biblioteca? É de facto um corpo anómalo dentro das bibliotecas: é única pela sua beleza, é única pelo património que conserva, mas é única também pela visão que transporta", afirma o cardeal. A mesmo tempo desvenda a forma como está disposta a Biblioteca do Vaticano, organizada em línguas: é uma biblioteca latina, não só em latim, mas em todas as línguas latinas - o português está na biblioteca latina -, é uma biblioteca grega, e não só o clássico, mas todas as outras línguas a oriente, "é verdadeiramente uma biblioteca universal - universal no sentido em que recolhe tudo aquilo que tem a ver com a diversidade do mundo, da diversidade das línguas, das formas de expressão, e é universal também porque segue aquela máxima do velho Terêncio que dizia "tudo aquilo que é humano nos interessa"", sublinhou.

Além de 600 mil livros impressos (um milhão até ao século XVIII), na Biblioteca e Arquivo do Vaticano estão guardados 80 mil manuscritos, conservados num bunker onde a temperatura, a luz e a estabilidade são monitorizadas ao mais ínfimo pormenor. A Companhia de Bombeiros do Vaticano está situada ao lado das duas instituições, com um propósito claro, revela. "Todas as noites, o último ser humano que passa pelo arquivo e biblioteca é um bombeiro", desvenda o Cardeal.

Assim que tomou posse, D. José Tolentino confessa ter sentido a curiosidade de tentar saber como a Biblioteca do Vaticano espelhava a imagem de Portugal. Surpreendeu-se, afinal. "É um país muito diferente da imagem psicológica que nós próprios temos. A ideia que nós interiorizámos é a de um país na cauda da Europa, um país com dificuldade em afirmar-se internacionalmente, um país sem dimensão para ser país, para comandar, para trazer novidade e, de facto, na aventura da modernidade, naquela grande globalização que as Descobertas representaram, a potência científica - não é apenas o ouro e a prata que Portugal tinha -, essa potência científica de Portugal é uma coisa verdadeiramente extraordinária e nós não temos essa perceção", revela.

José Tolentino Mendonça é o sexto cardeal português do século XXI e o terceiro Cardeal Eleitor português, o que o torna elegível como Papa num futuro Conclave, quando for escolhido o sucessor de Francisco. Afinal, até aos dias de hoje, só existiu um Papa português, Pedro Julião, também conhecido como Pedro Hispano, coroado como papa João XXI, em setembro de 1276 (DN-Lisboa, texto da jornalista Paula Sofia Luz)

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