sábado, setembro 10, 2022

Dos jovens qualificados aos "revolucionários profissionais". O que procuram os partidos?

De que falam os partidos quando falam na "atração de quadros"? Qual é o perfil dos militantes destes últimos 40 anos? Quem procuram agora? A análise dos investigadores e os objetivos de crescimento dos principais partidos. A militância já não é o que era. "São maioritariamente homens, cerca de 74,5%, com idades entre os 35 e os 74 anos [a média está nos 47 anos], com qualificações académicas elevadas: a maior parte (65%) licenciatura, e maioritariamente empregados. E assumem-se como pertencendo à classe baixa ou média-baixa. Dizem-se pouco religiosos". Este é retrato-tipo dos militantes -- há quem lhes chame "filiados", "membros" ou "aderentes" -- que apesar de "incompleto", por falta de "vontade" de boa parte dos partidos em revelar informação que "permita um estudo mais aprofundado e universos mais alargados", se aproxima muito da investigação de Maria José Stock nos Anos 1980. Um dado suplementar: nos partidos mais antigos, a idade média está cima dos 50, 60 anos. Facto contrário sucede nos mais novos e recentes que "assumem temas fraturantes ou específicos no seio da sociedade. Como por exemplo os partidos de extrema-direita ou os partidos ecologistas". E aqui é "verificável um aumento de filiados" quase imediato.

"A grande maioria dos filiados possui uma qualificação de nível superior, nomeadamente licenciatura, mestrado ou doutoramento (...), há uma ligeira acentuação de valores no caso dos membros do PSD, considerando um mais elevado grau de habilitações. Aquela tendência poderá ser explicada pelas alterações profundas na sociedade portuguesa, a nível educacional, e pela proliferação de cursos superiores, criados, sobretudo, após a instauração do regime democrático em Portugal. Contudo, quando comparados com os dados recolhidos para este universo de filiados partidários nos Anos 80 (Stock & Rosa, 1985, pp. 70-72) verifica-se uma evolução mais positiva e divergente", refere a investigação de Paula Espírito Santo e Marco Lisi.

Ao invés, a taxa de militância tem vindo, ano após ano, a cair. Em 2002, por exemplo, andava nos 5,8%, hoje rondará os 2%. E é aqui que se encontra a raiz atual dos principais problemas partidários: menos militantes e, facto mais relevante, cada vez menos "militantes ativos". Os "que dão tempo ao partido" não ultrapassam os 20%. E o exemplo mais recente, de 28 de maio deste ano, encontra-se nas eleições diretas no PSD. Dos 84 994 "militantes ativos" somente 44 629 pagaram quotas para poderem votar, mas apenas 26 984 votaram. Luís Montenegro foi eleito com 19 241 votos. No PS e PSD, "os partidos de governo desde 1976", a "proporção de filiados que são funcionários públicos ronda valores acima dos 40%" (43,3% no PSD e 41,9% no PS), mas isso não significa, como à primeira vista poderia sugerir, uma ligação "estreita" com os sindicatos do setor público.

"A proporção de pertença ao sindicalismo" é reduzida: "Uma minoria de filiados refere pertencer a algum sindicato". Os que o indicam, são "sindicatos associados ao ensino (professores), bem como sindicados associados ao setor da banca (trabalhadores da banca)".

O sector privado está mais representado no CDS (64,9%) do que em todos os restantes partidos analisados. No BE, o valor é de 48,9%; o livre soma 46%: o PSD 33,4% e o PS 30,7%.

No perfil de idades, o "Livre apresenta a média mais baixa (40,8 anos), enquanto que os filiados socialistas (49,7 anos) apresentam valores etários mais elevados do que no PSD (44,5 anos)".

Sobre a escolaridade, a "proporção reduzida de membros com ensino básico é mais alta no BE (10,2%) e no PS (9,4%). É nos filiados do Livre que se registam os valores mais altos de qualificações universitárias (84,6%)".

As atividades religiosas seguem uma linha "quase política": mais ativos os do CDS, depois os do PSD, seguem-se os do PS, e depois os militantes do BE e do Livre.

Marco Lisi e João Cancela, que analisaram o "ativismo e participação nos partidos portugueses", sustentam que, "apesar do debate acerca do declínio dos militantes e da crescente irrelevância dos filiados, os partidos, enquanto associações de indivíduos, não deixaram de recrutar novos membros e de tentar mobilizar as respetivas bases. Isso acontece porque os filiados são um potente multiplicador de voto, mas também porque reforçam a legitimidade destas organizações".

Mas porque se inscreve alguém num partido? Quais são as motivações? "As ideológicas parecem relativamente mais fortes para os filiados do BE e do Livre (...); os do CDS, PSD e PS [por esta ordem] colocam uma importância relativamente maior nos benefícios materiais, sobretudo para obter vantagens políticas ou uma carreira".

O "ativismo", a participação e organização de "reuniões e convívios partidários" está mais presente no PSD e BE do que no PS e Livre. E, naturalmente, "os níveis de participação são maiores quando se trata de formas de mobilização associadas às campanhas eleitorais". Tradução: "estrutura no terreno relativamente fraca e uma mobilização, essencialmente, concentrada nos períodos eleitorais".

No "posicionamento ideológico" Ekaterina Gorbunova e Marco Lisi encontraram uma identificação clara dos militantes no seu espetro político: uma "congruência entre filiados e partidos". Da esquerda para direita definiram-se assim: BE, Livre, PS, PSD e CDS.

Apesar da coerência, há pequenas diferenças a assinalar: os filiados do BE e do Livre colocam-se mais à esquerda do que o "posicionamento do partido"; os do PS e PSD ficam abaixo do "posicionamento" partidário (menos centro-esquerda e centro-direita, respetivamente); enquanto que os do CDS se colocam mais à direita do que o próprio partido.

E mais do que "as regras estatutárias", as regras da democracia interna, mais de dois terços dos militantes, diz que o "funcionamento interno do partido está [mais] dependente das tendências/divisões internas que existem dentro do partido".

Se a "democracia intrapartidária", que alterou as suas características nas últimas décadas - de um elevado "grau de centralização" passou-se para uma "maior democratização interna" -, perde "volume de militantes" e "capacidade de atração", a "competição partidária nacional poderá não perder capacidade política e social efetiva pela diminuição do efetivo partidário".

Ou seja, "a projeção pública dos partidos depende manifestamente mais da sua capacidade de mobilização política e eleitoral através dos média do que do número do efetivo no terreno".

E é aqui que PS e PSD, partidos catch-all-party, se posicionam na captação de "quadros políticos". João Torres, secretário-geral adjunto socialista, sublinha "esse propósito de atração", por exemplo, na Academia Socialista, tal como sucede na Universidade de Verão do PSD ou na Escola de Quadros do CDS.

"Fala-se em criar as condições para que, em geral, as pessoas possam ver nos partidos políticos plataformas para apresentarem as suas ideias e, tanto quando possível, que essas ideias sejam qualificadas, sejam informadas, sejam esclarecidas. Estamos a falar de pessoas que reconheçam na militância ou na participação em contexto político ou partidário uma forma de transformar o país. E estamos a falar fundamentalmente, sem querer desconsiderar contributo de ninguém, de pessoas qualificadas, de pessoas que conheçam bem determinadas áreas ou temas em particular e que possam acrescentar valor às políticas públicas, às propostas políticas do partido socialista", explica.

João Torres não sente que "o PS tenha falta de quadros". "O que eu sinto é uma necessidade de permanentemente renovarmos os quadros políticos do Partido Socialista, de garantirmos e assegurarmos que desde estudantes, a pessoas que já estão no mercado de trabalho, e que têm até eventualmente carreiras promissoras, não se dissociem dos partidos políticos. Que encontrem nos partidos políticos organizações e espaços de poder contribuir para uma sociedade melhor."

Numa frase: "Novas ideias, novas propostas, novos projetos, acompanhar o evoluir dos tempos, tornar o partido atrativo".

Paula Espírito Santo, professora associada com agregação no ISCSP, com agregação nas áreas de Sociologia Política, Sociedade Civil e Cultura Política e Métodos de Investigação, considera que o que está em causa é a "tecnocracia, os técnicos do partido, todos os que têm de revitalizar o partido". "É uma mensagem mais política do que outra coisa. No fundo é contrariar a ideia de que os partidos são organizações muito baseadas em solidariedades, que são aquele conceito da democracia intrapartidária, que é muito mais ativo do que aquilo que parece."

"Claro que precisam de pessoas com qualificação, áreas diversificadas", afirma, "mas será mais nessa base de dar uma ideia de que o partido será sempre o grande motor da sociedade. Ou seja, pôr em prática o princípio da ascensão dentro do partido baseado no refrescamento e no rejuvenescimento do partido".

Na prática, aquilo que o investigador Robert Michels, chamou de "A Lei de Ferro" dos partidos políticos: "A emergência, nos partidos, de massas de uma profissionalização dos seus dirigentes e quadros, da qual resultou uma oligarquia que se movimenta por um interesse específico e que capturou os mecanismos da sua própria eleição e sucessão".

Miguel Coelho, dirigente socialista, que estudou, na sua tese de doutoramento em Ciência Política, o "recrutamento do pessoal dirigente" nos partidos em Portugal que chegam aos governos concluiu que "o partido de governo ou de quadros no PPD/PSD não se encontra tão concentrado na Comissão Política Nacional como está este tipo de partido concentrado no Secretariado Nacional do PS, verificando-se no PPD/ PSD uma maior disseminação por diversas estruturas e setores do partido". Traduzindo: está mais perto de ser ministro quem mais perto está da hierarquia de poder no PS.

Hugo Soares, secretário-geral do PSD, entende que a Universidade de Verão do PSD [a 18.ª que decorreu em Castelo de Vide até ontem] "não é um motor da captação de quadros. É, sobretudo, formadora de quadros. A ideia que o PSD continue a liderar a formação política em Portugal".

O partido, afirma o social-democrata, "quer voltar a ser a força motriz da sociedade portuguesa". E, "para isso, precisamos de continuar a ser capazes de atrair talento nas mais diversas áreas de atividade: os mais capazes, os líderes das comunidades, os mais representativos".

O PCP remete respostas para o que ficou consagrado na Resolução Política do XXI Congresso. O documento refere que se mantém "a preocupação e o esforço para a renovação e o rejuvenescimento do quadro de funcionários do Partido, nomeadamente com camaradas oriundos de células de empresa e de locais de trabalho. Este objetivo tem sido levado a cabo, apesar das dificuldades financeiras do Partido".

O partido considera que "a resposta à complexidade da luta de classes, nomeadamente da sua expressão ideológica, exige militantes, particularmente quadros, cada vez mais bem preparados (...), que assimilem de forma criadora e em permanente ligação com a prática, as questões essenciais da sua base teórica - o marxismo-leninismo". Em síntese: "quadros política e ideologicamente firmes, revolucionários profissionais".

No BE "existe uma preocupação com os equilíbrios da representação: seja o nível etário, em que as várias gerações se completam; seja ao nível do género, adotando desde há muitos a paridade em todos os órgãos (...). O Bloco tem milhares de aderentes envolvidos em movimentos sociais, no trabalho sindical ou no movimento estudantil. É uma intervenção essencial de um partido que não se fecha sobre si próprio, procurando maiorias sociais em torno de cada tema. Esse enraizamento social é essencial e o Bloco procura aprofundá-lo ainda mais". "A militância", diz o partido, "é expressão das lutas sociais em que está envolvido".

Para o Livre, os objetivos são claros. O partido "não se contenta com ser um partido de causas com 1% ou 2% dos votos [obteve 1,28% dos votos nas últimas legislativas]. Acreditamos que Portugal precisa de ver representado um eleitorado mais amplo de esquerda ecologista e europeísta. O crescimento de membros e apoiantes que o partido tem tido mostra que essa vontade existe em todo o país e não só no Livre".

O crescimento e o "alargamento", defendem, deve ser "o mais abrangente que for possível, tanto em termos geográficos como de percursos de vida e setores de atividade, porque acreditamos que essa será a melhor maneira de formarmos quadros de qualidade, alinhados com os valores do partido - Liberdade, Esquerda, Europa, Ecologia - e que possam ajudar a catapultar o país para um novo patamar de desenvolvimento".

Os custos

Ter "quadros" implica gastos com pessoal e é o PCP, tal como o DN noticiou na edição de 21 de agosto, que lidera, distanciado, os gastos anuais com pessoal - foram 2,6 milhões em 2021 -, seguido, de longe, pelo PSD, com 2 milhões, pelo PS, com 1,8 milhões, e longíssimo dos 583 mil euros do BE, dos 480 mil do CDS, dos quase 260 do PAN, dos cerca de 160 mil da Iniciativa Liberal, dos poucos mais 100 mil do Chega e dos 71 mil euros do Livre. Em dez anos, o PCP gastou mais de 37 milhões de euros com funcionários; o PSD, 24 milhões; o PS, 23,5 milhões; o CDS, 7,5 milhões; o BE, 4,8 milhões e o PAN, 1 milhão de euros.

Nos partidos mais recentes, o maior investimento em gastos com pessoal encontra-se na Iniciativa Liberal e Livre, que mais do que duplicaram os gastos entre 2020 e 2021. O partido liderado por João Cotrim de Figueiredo passou dos 70 mil euros para os 156 mil. No caso do partido de Rui Tavares, o valor passou dos quase 31 mil para os quase 72 mil euros.

O Chega reduziu esses gastos em cerca de 8 mil euros - passou dos quase 113 mil para os 104 mil euros. No total, são mais de 500 os "quadros" que trabalham nos partidos com representação parlamentar (DN-Lisboa, texto do jornalista Artur Cassiano)

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