segunda-feira, julho 17, 2023

Aviação em Portugal recupera mais depressa do que resto do mundo

Três anos depois do vírus ter lançado um pânico global, as companhias aéreas internacionais estão a aproximar-se dos níveis anteriores a 2019, mas os movimentos nos aeroportos portugueses já superaram os números anteriores aos da maior crise jamais vista no transporte aéreo. A aviação comercial internacional está no bom caminho para recuperar por inteiro os níveis de atividade que se registavam antes da pandemia de Covid-19, mas Portugal tem indicadores que sugerem uma situação já positiva, ou seja, pode ter ultrapassado o registo de 2019. Num estudo da Eurocontrol que analisa o tráfego europeu na semana entre 15 e 21 de março, Portugal surge no Top 10 e à frente de países muito maiores, acima de mil voos por dia, o que corresponde a um aumento de 10% em relação ao valor verificado na mesma semana de 2019. Este foi aliás o melhor desempenho entre todos os países da UE.

No mercado europeu, o documento contabiliza uma média de 24 mil voos diários nessa semana, também grande aumento de 22% em relação a 2022, mas ainda abaixo do que se verificara na mesma semana de 2019, quando se registou a média de 27 mil voos. Isto significa que o valor de 2023 está ainda apenas a 88% do nível anterior à pandemia. Se é possível resumir estes dados, a Europa está próxima de atingir os valores de 2019, mas Portugal já estará acima do período anterior à doença.

A análise da Eurocontrol é compatível com os números do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a movimentação nos aeroportos portugueses, que registaram no primeiro trimestre deste ano uma atividade 15% superior à de 2019, no indicador de passageiros. São poucos os países europeus que já recuperaram os níveis anteriores à pandemia nesta área do tráfego aéreo, com destaque para a Turquia, que inaugurou recentemente em Istambul aquele que é já o maior aeroporto do continente. Entretanto, só três países da UE mostram números acima dos de 2019 (além de Portugal, apenas Croácia e Irlanda). A semana analisada pela Eurocontrol teve a contrariedade de uma greve em França e o mercado europeu continua a ser afetado pela Guerra na Ucrânia: este país perdeu 100% do tráfego aéreo de 2019 e os aeroportos mantêm-se encerrados à aviação civil.

Avaliando as companhias europeias, a TAP perdeu 7% do número de voos realizados na mesma semana de 2019, mas está no primeiro terço da tabela. A Wizz Air foi a que mais cresceu, 39%, e a Ryanair é agora a maior companhia, com mais de 2100 voos realizados em média, diariamente, durante a semana analisada. Refira-se que a Europa só tem 7 companhias no Top25 das maiores transportadoras da aviação civil internacional.

Os números da Eurocontrol também mostram a severidade das reestruturações que ocorreram no negócio das grandes companhias de bandeira: na semana entre 15 e 21 de março de 2023, comparando com a semana equivalente de 2019, a Air France perdeu 22% do número de voos, a Lufthansa 31%.

Abertura chinesa

Estes números ainda são brutais, mas o primeiro trimestre de 2023 pode ter sido o momento-chave da recuperação da aviação mundial. Segundo a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA, que representa as transportadoras), houve um aumento de 58% no principal indicador da indústria, receita de passageiro por quilómetro (RPK, na sigla inglesa), entre os primeiros três meses deste ano e o período homólogo do ano passado.

O setor não atingiu os níveis anteriores à pandemia, está ainda a 85,9% dos valores de 2019, mas o ritmo de aproximação acelerou. Isto significa que a rentabilidade das companhias recuperou depressa e está muito perto de regressar aos níveis pré-pandemia.

Tudo indica que a reabertura das viagens para a China deu um impulso decisivo nos números da indústria. Em termos homólogos, o crescimento do sector da Ásia-Pacífico, entre 2022 e 2023, foi de 125% no indicador de RPK. A IATA publicou este mês um relatório detalhado que confirma a melhoria da situação das companhias europeias, asiáticas e americanas.

O mercado europeu está ainda a 12 pontos percentuais do negócio de 2019, mas no primeiro trimestre a receita de passageiro por quilómetro melhorou 44% em termos homólogos. O indicador analisado pela IATA confirma a informação da Eurocontrol e esta é inteiramente compatível com os dados divulgados em maio pelo INE sobre a recuperação do setor da aviação em Portugal.

Aeroportos recuperam

Esses números do INE, relativos ao movimento nos aeroportos portugueses em março deste ano, apontam para uma recuperação robusta. Com um desembarque médio de 80 mil passageiros por dia, os aeroportos nacionais movimentaram mais de 4,9 milhões de pessoas, um aumento de 35,6% face ao mesmo mês de 2022.

Quando se compara com março de 2019, o aumento foi de 13,8%. O mesmo se pode dizer da carga: pelos aeroportos portugueses passaram em março de 2023 mais de 19 mil toneladas de carga e correio, o que representa um aumento de quase 11% face a março de 2019, antes da pandemia.

Feitas as contas ao primeiro trimestre de 2023, a recuperação do movimento nos aeroportos nacionais em relação ao período anterior ao Covid-19 torna-se ainda mais evidente.

O somatório dos três meses, em 2023, é superior a 12,8 milhões de passageiros, representando um acréscimo de 15,1% face aos 11,18 milhões registados entre janeiro e março de 2019.

O aeroporto de Lisboa, o mais movimentado do país, foi responsável por um aumento de 900 mil passageiros. Na origem e destino dos viajantes, a França está em primeiro lugar, mas os grandes incrementos percentuais foram de Itália e Espanha.

O número de aeronaves que aterraram nos aeroportos nacionais atingiu um valor de 17,8 mil em março de 2023, o que representa mais 8,9% do que no mês homólogo de 2019. Refira-se ainda que os números do INE sobre a atividade dos aeroportos em março são preliminares, enquanto os valores de 2019 já são definitivos. Refira-se que o INE conta as aterragens, a Eurocontrol soma partidas e chegadas (um pouco mais de mil voos diários).

A aviação comercial foi, com o turismo, uma das áreas económicas mais atingidas pela pandemia. A indústria foi forçada a adaptar-se muito depressa às restrições que a doença impôs nas viagens. Para mais, as perdas surgiram após uma década difícil, com choques externos inesperados, incluindo a crise financeira e o vulcão islandês, em 2010. Os custos da pandemia foram gigantescos. Segundo a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO), uma agência especializada das Nações Unidas que estuda e regula a economia e segurança do setor, os prejuízos acumulados pelas companhias aéreas ultrapassaram 870 mil milhões de euros entre 2020 e 2022.

O número de passageiros, em 2020, caiu 60% face ao ano anterior e as companhias de aviação tiveram de reduzir para metade a sua oferta de lugares. Em 2021, houve uma pequena melhoria, mas a sangria de dinheiro continuou: nesse ano, as empresas perderam mais 324 mil milhões de dólares, segundo a estimativa da ICAO. Mesmo no ano passado, quando a doença estava controlada, as transportadoras civis suprimiram 25% dos lugares disponíveis (face ao valor de 2019) e perderam 1,2 mil milhões de passageiros (menos 28% do que no ano anterior à doença).

Os números agora divulgados sobre a melhoria das receitas, a abertura da China e o regresso do turismo podem transformar 2023 no primeiro ano normal para o setor da aviação. Há ainda incertezas, a inflação e o aumento das taxas de juro, há pontos de interrogação sobre a guerra da Ucrânia e os preços de energia, mas pelo menos já existe esperança de que a aviação comercial possa de novo voar como antigamente (DN-Lisboa, texto do jornalista Luís Naves)

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