quarta-feira, julho 19, 2023

Sondagem: dificuldades em pagar alimentação afectam mais cidadãos do que no tempo da troika

Inquérito indicia menor capacidade de poupança, aumento da procura pelos produtos das marcas próprias dos supermercados e quebra nos gastos com lazer. A elevada inflação está a criar constrangimentos a uma parte importante da população na hora de ir ao supermercado escolher o que comprar para assegurar uma necessidade básica: a alimentação. De acordo com os resultados de um inquérito à população portuguesa realizado para o PÚBLICO, RTP e Antena 1 pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica, um quarto dos inquiridos sentiu dificuldades em pagar despesas de alimentação em algum momento ao longo do último ano. A sondagem foi realizada entre 6 e 15 de Julho, sendo os resultados calculados a partir de 1006 inquéritos válidos. Os problemas relacionados com o rendimento disponível são uma preocupação central dos inquiridos e, perante perguntas concretas através das quais se procura medir como estão a evoluir as condições de vida dos cidadãos, os inquiridos indicam sobretudo dois constrangimentos: dificuldades em comprar produtos alimentares e gastos em saúde (onde se incluem os medicamentos).

Questionados se nos últimos 12 meses tiveram ou têm dificuldades em pagar alguma despesa no prazo previamente estabelecido, 26% responderam o tópico “despesas de alimentação”. É a dificuldade mais invocada e mais do que no tempo da troika. Se esse período ficou marcado por uma quebra acentuada do rendimento disponível, a verdade é que, em Fevereiro de 2012, numa sondagem idêntica, havia menos pessoas do que agora a indicar a dificuldade em pagar a alimentação, hoje uma consequência da forte pressão inflacionista que dura há longos meses, acentuada com a guerra na Ucrânia. No tempo do resgate financeiro, eram 22% a indicar essa dificuldade, hoje, no tempo da guerra, o problema afecta já um quarto dos inquiridos.

A dimensão confirma uma tendência já visível na sondagem anterior, de Fevereiro deste ano, quando 25% já apontavam esse constrangimento.

Além desta dificuldade, 24% disseram ter tido dificuldades em pagar as despesas de saúde ou os medicamentos; 23% dos que pagam uma renda ou um empréstimo à habitação responderam ter tido dificuldades em cumprir essa obrigação dentro do prazo previamente previsto; 20% indicaram dificuldades em pagar as contas de electricidade, gás ou água; e 16% reconheceram dificuldade de pagar as despesas/mensalidades com a escola, creches, actividades de tempos livres ou lares de idosos.

Há 12 anos, o problema em pagar as contas da luz, gás ou água era o que aparecia em primeiro lugar (concentrava a maior percentagem, 26%), em segundo aparecia o tópico das rendas ou da prestação da habitação (23%), e só em terceiro surgia o segmento das despesas com a alimentação (com os tais 22%). Agora este é o tópico mais apontado.

Quando foi feita a sondagem imediatamente anterior, em Fevereiro deste ano, a dimensão do problema era já semelhante à de agora. As despesas alimentares apareciam lado a lado com as despesas de saúde e educação (ambas referidas por 25% dos inquiridos), mas agora, mesmo que estatisticamente a diferença seja muito baixa, verifica-se que as restrições monetárias com os gastos com a alimentação já aparecem em primeiro.


Embora a pergunta do inquérito incida sobre um período de tempo relativamente lato (12 meses) – e isso possa ajudar a explicar que entre um inquérito e outro não haja uma inversão de tendência em relação a este tópico, porque de Fevereiro a esta parte passou menos de meio ano –, é preciso ter em conta que o inquérito anterior foi realizado antes da eliminação temporária do IVA em 46 tipos de produtos alimentares e o último já com mais de dois meses de implementação dessa medida, lançada pelo Governo com o objectivo de estabilizar os preços dos alimentos nos supermercados e que contribuiu logo para a descida da inflação em Maio.

Metade vive com o mesmo rendimento

Quando questionados se nos últimos 12 meses o núcleo familiar aumentou, manteve ou diminuiu os hábitos de consumo em relação a determinados aspectos, 45% dos inquiridos dizem que aumentaram a compra de produtos de marca própria dos supermercados e 51% referem que mantêm esse hábito (só 4% diminuíram a compra desses bens).

Mesmo havendo mais pessoas a reconhecer dificuldades, 74% dizem ter mantido o hábito de consumir alimentos do mesmo tipo de qualidade; 20% indicam ter passado a adquirir bens de menor qualidade e só 6% referem ter alterado a qualidade dos produtos para melhor.

Ao mesmo tempo, o inquérito mostra que 51% dos inquiridos diminuíram os gastos com lazer (em jantares fora, idas ao cinema, a concertos ou na subscrição de canais de televisão), havendo 43% a referir que mantiveram os padrões de consumo. A sondagem inclui uma pergunta sobre a contracção de dívidas (para perceber como têm variado os hábitos de uso de cartão de crédito, pedidos de empréstimos ou mesmo pedidos de fiado) e, quanto a isso, há 67% que dizem ter mantido esse hábito, ao passo que 17% o diminuíram e 16% o reforçaram.

Por último, em relação aos hábitos de poupança, quase metade diz ter diminuído o hábito de colocar dinheiro de parte (47%), enquanto 38% mantiveram essa prática e apenas 15% a aumentaram.

Neste mesmo inquérito, metade das pessoas responderam que os rendimentos do agregado familiar continuam iguais ao que eram há um ano (51% das respostas); 20% indicaram que o nível de rendimentos é mais baixo e 28% que o valor é superior. Entre os que têm rendimentos inferiores a mil euros, a percentagem dos que responderam que ganham hoje menos do que há um ano chega aos 28%.

Questionados se pensam fazer férias este ano fora da residência habitual, 40% respondem que não o farão “de certeza” e 8% que “provavelmente não”; 39% respondem que sim, “de certeza”, e 13% indicam “provavelmente sim”.

Entre os que habitualmente costumam fazer férias, 62% prevêem fazê-lo em 2023 e 18% respondem “provavelmente sim”. Ao mesmo tempo, há 20% de inquiridos em sentido oposto – 14% dizem que não irão de férias “de certeza” e 6% que “provavelmente não”. Dos entrevistados, 45% respondem que as férias serão passadas em Portugal, 18% noutro país da Europa e 5% fora da Europa. Estas últimas perguntas sobre as férias foram colocadas a uma sub-amostra de 656 entrevistados.

Ficha técnica

Este inquérito foi realizado pelo CESOP – Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Antena 1 e PÚBLICO entre os dias 6 e 15 de Julho de 2023. O universo alvo é composto pelos eleitores residentes em Portugal.

Os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente a partir duma lista de números de telemóvel, também ela gerada de forma aleatória. Todas as entrevistas foram efectuadas por telefone (CATI).

Os inquiridos foram informados do objectivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram obtidos 1006 inquéritos válidos, sendo 45% dos inquiridos mulheres.

Distribuição geográfica: 32% da região Norte, 20% do Centro, 34% da A.M. de Lisboa, 7% do Alentejo, 4% do Algarve, 2% da Madeira e 2% dos Açores. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição da população por sexo, escalões etários e região com base no recenseamento eleitoral. A taxa de resposta foi de 29%. A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 1006 inquiridos é de 3,1%, com um nível de confiança de 95% (Algumas perguntas foram colocadas apenas a uma subamostra de 656 entrevistados. Nestes casos, a margem de erro máxima é de 3,8%) (Publico, texto do jornalista Pedro Crisóstomo)

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