domingo, julho 23, 2023

Portugal é o país onde as famílias estão a reduzir mais os depósitos bancários


Para além de usarem as poupanças acumuladas nos bancos para fazer face a despesas, os portugueses puseram o dinheiro em Certificados de Aforro e amortizaram os empréstimos cada vez mais caros. A política monetária do Banco Central Europeu (BCE) é a mesma para os 20 Estados-membros da zona euro, mas as suas consequências podem ser muito diferentes de país para país. Por causa da utilização predominante de taxas de juro variáveis nos contratos de crédito, da insistência dos bancos em remunerarem modestamente as poupanças dos seus clientes e das condições atractivas oferecidas pelos Certificados de Aforro, Portugal registou, nos primeiros cinco meses do ano, a maior redução no volume de depósitos bancários de particulares em toda a zona euro. O Banco de Portugal tem garantido não haver motivos de preocupação com este fenómeno.

As taxas directoras do BCE têm vindo a subir para todos os países, com os juros aplicados aos depósitos feitos pelas instituições bancárias comerciais na autoridade monetária a passarem de -0,5% para os actuais 3,5% e prevendo-se já mais uma subida, de 0,25 pontos percentuais, no final da próxima semana. No entanto, para a forma como os agregados familiares gerem a suas finanças, as consequências são bastante diferentes de país para país. E isso é particularmente evidente naquilo que está a acontecer à evolução do volume de depósitos bancários registado em cada Estado-membro.

Num cenário em que, em toda a zona euro, a subida da inflação e das taxas de juro veio tornar mais difícil a situação financeira das famílias, o impacto sentido no nível dos depósitos foi bem diferente. Em países como a Alemanha, França, Países Baixos, Irlanda, Grécia ou Estónia, no decorrer deste ano (até ao final do passado mês de Maio), o volume dos depósitos de particulares existentes nos bancos manteve-se estável ou aumentou. Em contrapartida, em países como a Áustria, Itália, Espanha e Portugal o volume de depósitos registou descidas significativas.

Menos nove mil milhões

Portugal foi mesmo, entre os 20 países da zona euro, aquele que registou, entre Janeiro e Maio de 2023, a maior descida deste indicador, de 4,7%, ou quase 9000 milhões de euros, seguido pela Espanha e por Itália, com quedas de 2,4% e 2,3%.

Para além das diferenças que podem decorrer da variação do rendimento real disponível registado em cada economia (que leva as famílias a ter de recorrer mais ou menos às poupanças para fazer face às despesas), aquilo que une os países pertencentes a cada um destes grupos — os que viram os depósitos estabilizar ou aumentar e os que viram os depósitos diminuir — são as características dos seus mercados de crédito, que levaram a que as famílias assumissem comportamentos diferentes em relação às suas dívidas e às suas poupanças.

Em países como a Alemanha, França e Países Baixos, por exemplo, a grande maioria dos contratos de crédito são feitos a taxas de juro fixas. E, por isso, para aqueles que contraíram um empréstimo no passado, a subida de taxas de juro operada pelo banco central não se reflectiu ainda nas suas prestações, o que fez com que o incentivo para usar eventuais poupanças de que disponham para amortizar os empréstimos não se tornou maior.

Já em países como Estónia, Espanha ou Portugal, os contratos de crédito a taxa de juro variável dominam, o que significa que para quase todas as famílias endividadas a subida das taxas de juro do BCE se reflecte de forma imediata nas prestações dos empréstimos cuja taxa está indexada às Euribor. Quem conseguiu acumular algum dinheiro em depósitos bancários, cujas taxas de juro foram elevadas de forma muito mais lenta pelos bancos, ficou assim com um incentivo muito forte para usar esse dinheiro para amortizar antecipadamente a totalidade ou pelo menos parte dos seus empréstimos, numa tentativa de se livrar de prestações bancárias cada vez mais altas.

O caso de Portugal

Em Portugal, as famílias que acumularam algumas poupanças no banco ao longo dos anos anteriores deram esse passo lógico. O fenómeno já foi assinalado pelo Banco de Portugal, que no Relatório de Estabilidade Financeira publicado em Maio deu conta de “um aumento significativo das amortizações antecipadas no crédito à habitação” no decorrer do primeiro trimestre do ano.

No documento, o banco liderado por Mário Centeno diz que “no primeiro trimestre de 2023 observou-se um aumento do valor das amortizações antecipadas de empréstimos à habitação de cerca de 70% face ao período homólogo de 2022, representando 2,6% do stock de crédito à habitação”, considerando este resultado como “normal num contexto de aumento acentuado do custo dos empréstimos e que é potenciado pelo diferencial significativo face às taxas de remuneração de depósitos, as quais têm aumentado de forma mais gradual”.

Já em 2022, de acordo com o Relatório de Acompanhamento dos Mercados de Crédito publicado esta semana pelo Banco de Portugal, se tinha assistido, igualmente num cenário de subida das taxas de juro, a um reembolso antecipado dos empréstimos de 6,6 mil milhões de euros, com 141.952 reembolsos antecipados totais ou parciais em contratos de crédito à habitação a serem realizados, um número 20,4% maior do que em 2021.

Se Portugal partilha com países como a Espanha esta característica – decorrente da prevalência dos contratos de crédito a taxa de juro variável –, pelo menos mais dois motivos fazem com que o país se destaque de outros e registe a maior queda no volume de depósitos.

Por um lado, a forma como os bancos em Portugal têm vindo a subir as suas taxas de juro nos depósitos é particularmente lenta. Enquanto no país, de acordo com os dados publicados pelo BCE, os juros dos depósitos bancários passaram, em média, de 0,07% no início de 2022 para 0,3% em Maio deste ano, em Espanha, por exemplo, passaram no mesmo período de 0,04% para 0,7%. E na Alemanha de 0,79% para 1,31%.

Com depósitos bancários com taxas de juro tão pouco atractivas, o incentivo para pegar nesse dinheiro e pô-lo noutro lugar ou amortizar empréstimos é ainda maior.

E, depois, acrescentando a este cenário nas taxas de juros dos depósitos e dos bancos, os portugueses tiveram à sua disposição, nos primeiros meses do ano, uma alternativa aos depósitos muito aliciante no que diz respeito a investimentos com risco baixo e muito líquidos: os Certificados de Aforro.

32.550

Nos primeiros cinco meses deste ano, os Certificados de Aforro subscritos passaram de 19.626 milhões de euros para 32.550 milhões de euros

Principalmente até ao momento em que o Governo decidiu substituir a série E dos Certificados de Aforro por uma nova série, as taxas de juro oferecidas neste produto tornavam evidente para qualquer aforrador que era mais vantajoso colocar aí o seu dinheiro do que mantê-lo num depósito bancário.

Nos primeiros cinco meses deste ano, os Certificados de Aforro subscritos passaram de 19.626 milhões de euros para 32.550 milhões de euros, um aumento de quase 13 mil milhões de euros. Não se sabe quanto deste valor estava antes aplicado em depósitos bancários, mas este é certamente mais um motivo para que se tivesse assistido a uma diminuição significativa dos volumes depositados no decorrer deste ano em Portugal.

Para os responsáveis do regulador do sector bancário em Portugal, esta redução significativa do volume dos depósitos bancários não é motivo para grandes preocupações, nomeadamente no que diz respeito à saúde das contas das instituições financeiras nacionais. Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal, tem assinalado, nas declarações em público que tem feito sobre o assunto, que a situação financeira dos bancos é sólida, bastante mais do que em circunstâncias passadas, destacando ainda que a diminuição do volume de depósitos não é decorrente de uma perda de confiança dos portugueses no sistema bancário, mas sim um comportamento racional que as ajuda a fazer face ao cenário de subida das taxas de juros (Publico, texto do jornalista Sérgio Aníbal)

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