domingo, julho 23, 2023

PAN e Chega foram quem mais produziu. PS é o campeão das aprovações

Uma análise feita com base nos dados disponibilizados no site do Parlamento mostra ainda que o "rolo compressor" tantas vezes criticado não se aplica. Oposição toda junta conseguiu aprovar mais do que o PS sozinho - mas o Governo teve quase tantos diplomas viabilizados quanto os partidos nesta sessão legislativa. Os números são claros: PAN e Chega foram os partidos que mais projetos de lei entregaram na Assembleia da República na sessão legislativa que agora termina. Os dois partidos produziram, cada um, 169 projetos de lei. Em sentido contrário, o PS foi o que menos diplomas entregou (27). Por questões práticas, esta análise abrange, apenas, os diplomas vinculativos (ou seja, projetos e propostas de lei).

Os dados que o DN compilou estão disponíveis no site do Parlamento e mostram que, nesta sessão legislativa (iniciada a 29 de março do ano passado), foram entregues, ao todo, 864 projetos de lei. Destes, foram aprovados 53 - sendo que o partido que mais diplomas teve viabilizados foi o PS, com 16. Seguiu-se a IL, com nove projetos de lei aprovados, e depois o PAN, com oito. Mas os números revelam outro indicador: sozinho, o Governo conseguiu aprovar quase tantas propostas de lei quantas as de todos os outros partidos (52 do Executivo, que apresentou, ao todo, 99).

Comparando com outras sessões legislativas, é também possível perceber que esta tem sido, de longe, aquela com maior volume de produção desde que António Costa formou governo, em 2015. Com 863 projetos de lei, esta sessão legislativa surge destacada. A segunda mais produtiva foi a primeira da anterior legislatura (que se iniciou a 25 de outubro de 2019 e terminou a 14 de setembro do ano seguinte), onde os partidos na Assembleia da República produziram 505 diplomas.

Neste contexto de maioria absoluta, é também possível verificar, com base nos dados do Parlamento, que os partidos aliados do PS aquando da geringonça perdem poder de aprovação. Na primeira sessão da XIII Legislatura - onde foi constituída a geringonça -, os comunistas apresentaram 89 projetos de lei (e conseguiram ver aprovados 27), com os bloquistas a apresentarem 78, aprovando 45. Com o fim do acordo, na legislatura seguinte, surge a primeira quebra: PCP apresentou 145 projetos de lei, 18 dos quais foram aprovados; o BE viu 20 dos seus diplomas serem viabilizados, num total de 100 apresentados. Ou seja: o volume de produção mantém-se, diminuindo, isso sim, o número de aprovações.

Ao longo desta sessão legislativa, a expressão "rolo compressor da maioria absoluta" surgiu por diversas vezes - uma das últimas foi aquando da votação do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP, devido às poucas propostas da Oposição acolhidas pelo PS. Mas, olhando para os dados, o "rolo compressor" parece ser apenas isso mesmo: uma expressão. Isto porque, somando todos os projetos de lei apresentados - e aprovados por todos os partidos à exceção do PS -, conclui-se que conseguiram aprovar mais do que os socialistas sozinhos (37 da Oposição, contra 16 do PS).

O balanço dos líderes parlamentares

Com base nos números, o DN contactou os líderes de cada bancada parlamentar, convidando-os a fazer um balanço sobre a sessão legislativa que agora termina.

Eurico Brilhante Dias, líder da bancada do PS, define a sessão como "longa e muito intensa". Ainda assim, diz o deputado socialista, "num quadro de grande incerteza, foi possível rejeitar duas moções de censura, fazer avançar dois Orçamentos de Estado, aprovar medidas de apoio às famílias e às empresas, e ao mesmo tempo desenvolver um quadro de reformas, como a Agenda para o Trabalho Digno, a Lei-Quadro das Ordens Profissionais, o Banco de Terras Público ou o Programa Mais Habitação". Para o líder parlamentar socialista, foi também mantido "um diálogo democrático" com o Parlamento, por exemplo, através, da aprovação do novo Regimento.

Pelo Chega, o líder parlamentar, Pedro Pinto, deixa críticas. "O balanço é extremamente negativo", diz. "Avisámos, desde o princípio, que este era um mau Governo, que não iria servir o país, nem os portugueses. Infelizmente, o tempo deu-nos razão: um Governo envolto em trapalhadas, que resolve os casos com o aparecimento de outros casos e não resolve os problemas do país", considera.

Já Rodrigo Saraiva, da Iniciativa Liberal, afirma que a sessão legislativa que agora encerra "ficou profundamente marcada pela fuga ao escrutínio e pela negação da realidade por parte do PS, entrincheirado numa maioria absoluta que acabou por demonstrar a verdadeira dimensão da inimputabilidade política do PS". Relembrando que "António Costa prometeu uma maioria dialogante", o deputado liberal considera que "a palavra dada não foi - nunca é - honrada". E, diz, o relatório da CPI à TAP "foi o expoente máximo da forma como o PS funciona, gere o país e condiciona as instituições".

À Esquerda, as críticas também se mantêm. Pelo PCP, Paula Santos, líder parlamentar, afirma que "as desigualdades e as injustiças se agravaram" desde o início da sessão legislativa, algo que a deputada garante que o PCP tentou combater, em várias dimensões, com várias propostas. "A sessão fica marcada pelo facto de o PS ter recusado estas soluções, muitas delas em convergência com partidos à Direita", diz.

Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, vai no mesmo sentido: "A sessão legislativa fica marcada pelo crescimento da arrogância e do autoritarismo do PS, que cresceram na medida em que não conseguiram resolver os problemas estruturais do país."

Inês Sousa Real, deputada única do PAN, olha para a sessão como "um pouco mais complexa", tendo em conta a maioria absoluta. "Ainda assim, o PAN foi o partido que mais iniciativas apresentou e isso mostra que é um trabalho de formiguinha, mas que aos poucos começa a ter impacto na vida das famílias", diz, lembrando que, no cômputo geral, o seu partido foi o que mais diplomas viu aprovados (inclui, por exemplo, projetos de resolução, não-vinculativos).

O outro deputado único, Rui Tavares, do Livre, destaca mais um fator, além das crises que marcaram os últimos tempos, como a da habitação: "Tivemos um avolumar das tensões entre Governo e Belém e uma degradação do trabalho conjunto e da cooperação entre o Governo e a Assembleia da República. Este segundo caso é completamente escusado, porque a saída para as crises políticas passa pelo Parlamento. Se não se quer passar de uma crise política para uma crise de representação, tem de se fazer aquilo que o primeiro-ministro prometeu: governar como se não tivesse maioria absoluta. Acho que essa promessa durou muito pouco."

As expectativas após as férias

Sabe-se já que alguns temas, como os metadados ou a reconfiguração das ordens profissionais, vão passar para a próxima sessão legislativa, depois das férias. Quais as prioridades para os líderes parlamentares?

Eurico Brilhante Dias olha já para a aprovação do Orçamento do Estado para o próximo ano, bem como para o processo de revisão constitucional e o "arranque do Grupo de Trabalho para a Revisão da Lei da Água".

O Chega dará prioridade a áreas como a Justiça, que "tem de ser muito mais rápida e eficaz, mais dura com os criminosos e com mais condições de trabalho para quem a exerce", ou a Habitação, onde "têm de haver mudanças, com ajudas a quem quer comprar casa e a quem quer construir, com menos impostos", diz o líder parlamentar, Pedro Pinto.

A Iniciativa Liberal focar-se-á em "reformas estruturais", sobretudo. "Já fizemos no IRS e faremos agora na Saúde, criando um Sistema Universal de Acesso à Saúde. Continuaremos com o foco na fiscalidade e na simplificação e insistiremos no debate da nova Lei de Bases da Saúde", diz Rodrigo Saraiva.

À Esquerda, o PCP encara "a habitação e as questões das creches" como as prioridades. "Os problemas prementes da vida das pessoas, que permitem ultrapassar dificuldades", resume. Também o BE se vai focar na habitação - "um problema estrutural do país" - ou, por exemplo, na criação "de um sistema fiscal mais justo, que permita valorizar os rendimentos do trabalho e taxar as grandes fortunas".

O PAN, por sua vez, continuará na linha orientadora dos animais e da ecologia. "Queremos reconhecer a figura do animal comunitário e fazer com que o Governo invista, também, para combater as alterações climáticas e para cumprir a Lei do Restauro da Natureza", diz Inês Sousa Real.

Por fim, Rui Tavares, do Livre, olha para o regresso dos trabalhos como a oportunidade de discutir temas como "o acesso ao subsídio de desemprego para as vítimas de violência doméstica", que se encontra ainda "em circuito legislativo" e, também, "colocar em cima da mesa o debate sobre o tema da herança social em Portugal", algo que, diz o porta-voz do Livre, será um caminho para reduzir desigualdades entre menores e maiores rendimentos. O DN contactou também o PSD, que não respondeu em tempo útil (DN de Lisboa, texto do jornalista Rui Miguel Godinho)

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