terça-feira, setembro 30, 2014

Opinião: “O sistema da carta anónima”



“O progresso mede-se assim: há cem anos, para derrubar um governo, ia-se a um quartel; agora, vai-se ao tribunal. O golpismo mediático-judicial é a versão democrática do golpismo militar da primeira república. O caso da Tecnoforma lembrou-nos, a semana passada, como estas coisas se fazem. Depois do procedimento judicial, que pode consistir apenas no arquivamento de uma carta anónima, há a fuga de informação, calibrada para que a oposição e a imprensa possam gritar por “esclarecimentos” que, venham quando vierem, já se sabe que serão sempre “tardios” e “incompletos”. Ao visado, de nada serve “mostrar tudo”. Resta-lhe subir a parada, como Passos Coelho terá feito na sexta-feira, e colocar o caso no plano da conspiração. A partir daqui, cada um acredita no que quiser.
Há muito tempo que em Portugal, como noutras democracias, o debate de políticas públicas ou de princípios doutrinários conta menos na disputa política do que a esgrima dos escândalos. As primárias do PS confirmaram a tendência, quando Seguro tentou pregar Costa à cruz do “partido invisível”. Para qualquer concorrente, a esperança nunca é convencer os eleitores com um argumento, mas comprometer o rival num escândalo ou submetê-lo a uma súbita luz melindrosa.
Primeiro, porque a oligarquia política não acredita em profundidades. Está convencida de que a “imagem” é tudo, e que as ideias ou os factos não comovem ninguém. É preciso ter um programa, porque é costume, mas quem é que tem tempo para ler um programa? Mais: quem é que ainda acredita num programa? Tudo parece epidérmico aos nossos oligarcas, e portanto pouco mais lhes interessa do que sujar ou chamuscar o “boneco” do adversário, dê por onde der. Não importa se Passos cometeu ou não “ilegalidades”. O que importa é acorrentar-lhe o nome à “Tecnoforma”, mesmo que isso nada signifique em termos judiciais.
Segundo, e talvez mais importante, a oligarquia sente que a divisão política passa cada vez menos entre os partidos, e cada vez mais entre todos os partidos de um lado e os cidadãos do outro. A abstenção das primárias do PS (25%) é um sinal: nem os militantes, que pagam quotas, ou os simpatizantes, que foram de propósito inscrever-se, se dispuseram a votar a 100 %. Como, então, mobilizar o eleitorado em geral, onde militantes e simpatizantes são um resquício minoritário? O ponto de partida é este: ninguém acredita em virtudes, mas toda a gente acredita em vícios. Por isso, o melhor truque é a demonização do adversário, confiando no medo ou no repúdio para inspirar cidadãos imunes à confiança ou ao entusiasmo. Passos Coelho, a esse respeito, já passou por tudo: neoliberal, germanófilo, faltava a suspeita de que, afinal, não é uma “pessoa remediada”.
A contenção, hoje, só serve para alimentar o sarcasmo. Seguro, sempre explosivo, foi mesmo assim acusado de moderação excessiva. Não basta falar, é preciso berrar. Não basta discordar, é preciso acusar. Ninguém percebe que o comedimento pode não significar falta de paixão ou de urgência, mas apenas a noção de que não faz sentido deitar fogo à casa só para nos livrarmos da mobília da sala.
Não se pode esperar nada de bom deste sistema de facciosismo saloio. Em França, as brigas despudoradas e os escarcéus sem limites da oligarquia local, por entre prisões e escândalos de imprensa, não trouxeram nem mais limpeza, nem mais transparência, mas têm ajudado à ascensão de Marine Le Pen, agora com dois lugares no senado. A arte de derrubar um adversário sem ao mesmo tempo derrubar o regime é uma arte subtil, e esquece-se muito facilmente” (texto de Rui Ramos, Observador,com a devida vénia)

Opinião: “Comentadores profissionais”


“O comentador Pacheco Pereira é um resultado da mesma sociedade que produziu políticos profissionais como Sócrates, Seguro ou Costa, um político profissional que é também um comentador.
Houve uma altura em que os cronistas eram essencialmente jornalistas com uma longa carreira ou “especialistas” com autoridade profissional em certas áreas. Os primeiros davam a sua opinião sobre qualquer assunto, tendo em conta a sua experiência jornalística. Os segundos analisavam sobretudo os domínios onde a sua autoridade profissional era reconhecida.
Esse mundo acabou. Ainda há cronistas que são acima de tudo jornalistas – e há bons exemplos em Portugal – e ainda existem os chamados “especialistas”. Surgiram, no entanto, os comentadores profissionais. Nunca foram nem são jornalistas. Ou seja, não passaram pelas escolas do jornalismo, as redações. Também não há nada no seu currículo profissional ou académico que lhes dê uma autoridade especial. Muitos deles nem sequer têm outra profissão. Comentam a tempo inteiro. E comentam sobre tudo, com uma grande facilidade.
São, de certo modo, a outra face da moeda dos políticos profissionais. Tal como estes nunca fizeram outra coisa senão política, os comentadores profissionais não fazem outra coisa senão comentar. E alguns deles transitam, aparentemente, entre a política e o comentário. E aqui o aparentemente é importante. Quando fazem política, passam a vida a comentar. E quando comentam, fazem sobretudo política.
Pacheco Pereira é um exemplo do comentador profissional. Comenta na televisão, na rádio e escreve semanalmente num jornal e numa revista. Como o próprio admite, nunca foi jornalista e, segundo consta, nunca exerceu qualquer actividade profissional fora da política ou do comentário. Por vezes, apresenta-se como “historiador”, mas será no máximo um autodidacta em História. A comparação entre a obra de verdadeiros historiadores como Maria de Fátima Bonifácio ou de Rui Ramos e os livros de Pacheco Pereira mostram a diferença. O comentador Pacheco Pereira é um resultado da mesma sociedade que produziu políticos profissionais como por exemplo José Sócrates, António José Seguro, ou António Costa, um político profissional, que é igualmente um comentador.
Ao contrário do que se possa julgar não sou contra a existência de comentadores profissionais. Tal como a profissionalização da política, vejo-os como um sinal inevitável dos tempos em que vivemos. E há cada vez mais comentadores profissionais no nosso país. Referi o exemplo de Pacheco Pereira porque é um dos casos com mais sucesso  – só é pena que deixe os seus ódios pessoais prejudicarem a qualidade dos seus comentários.
O que não aceito é que os comentadores profissionais não assumam a sua condição, e apresentem os seus comentários como simplesmente “opinião” ou fruto de uma “autoridade objectiva ou neutral”. Não há nada de objectivo nem de neutral nos seus comentários (e muitas vezes nem sequer há uma opinião). Os comentadores profissionais têm desde logo uma estratégia de “marketing” profissional, o que se entende, tendo em conta a sua profissão de comentadores. Criam uma imagem, e vivem de acordo com ela. Precisam de compreender os ventos que sopram e adaptar as suas “opiniões” para preservarem as suas audiências. Reféns da sua estratégia profissional, perdem muita da sua independência e liberdade.
Além das suas estratégias de carreira, os comentadores profissionais fazem igualmente política. Nada do que dizem ou escrevem é desinteressado do ponto de vista político. Para perceber as suas “opiniões” é necessário entender quais são os seus motivos, as suas intenções e os seus objectivos políticos. Tal como acontece com a guerra, na famosa fórmula de Clausewitz, o comentário tornou-se uma forma de prosseguir interesses políticos. Desde que seja assumido, nada tenho contra os comentadores profissionais” (texto de João Marques de Almeida, Observador, com a devida vénia)

Os cães também podem ser campeões de surf


Tinha de ser na Califórnia. Foi o sexto concurso, na praia de Huntington. Estiveram 65 cães em competição e, no fim, ganhou um bulldog inglês, o Dozer.