"Mais do que a simples mudança de secretário-geral,
o último congresso da UGT marcou essencialmente a tentativa da central sindical
afecta ao PS e ao PSD - maioritariamente a corrente socialista - de reocupar um
espaço novo na sociedade portuguesa, de se adaptar a uma nova realidade
económica e social e de se mobilizar, de forma diferente, substancialmente
diferente, às novas exigências determinadas pelo impacto da
crise que nos destrói um pouco cada dia que passa.
É mais do que óbvio que o movimento
sindical português, a exemplo do que acontece em praticamente todos os países
europeus, pouco ou nada tem de independente, já que vive na sombra de
influências político-partidárias que não abdicam de marcar o seu terreno de
actuação, de influência e de manipulação no complexo mas importante movimento
sindical. Aliás, basta olhar para a realidade também do movimento sindical na
Madeira, desde a USAM à UGT local passando pelos diferentes sindicatos ligados a
qualquer das duas facções, para percebermos que essa ligação umbilical entre
partidos de esquerda e dirigentes sindicais é inegável. Aliás, percebe-se que o
PCP consegue a proeza de saber alargar essa sua capacidade de manipulação e de
influência - que lhe reforça a importância social, mais do que a influência
eleitoral e politica na sociedade portuguesa - a movimentos apresentados como
de cidadãos ou de utentes - caso dos utentes da saúde, dos reformados e
pensionistas, etc - garantindo deste modo o controlo desses movimentos de
contestação e uma presença assídua na comunicação social com todas as
mais-valias daí resultantes. Basta que as pessoas comparem as tomadas e posição
desses movimentos com as posições públicas e políticas do PCP para se perceber
essa relação umbilical que depois se confirmam com as candidaturas eleitorais.
A CGTP- Intersindical é
claramente um braço-armado do PCP, existindo uma profunda cumplicidade entre os
dirigentes da central sindical e as estruturas dirigentes do PCP. É impensável
qualquer mudança na estrutura hierárquica da Intersindical sem a voz de comando
do PCP, sem que os comunistas acordem com as mudanças propostas. É impensável
que a Intersindical eleja um líder sem o aval do PCP e sem que esse dirigente
sindical seja militante comunista. Na UGT essa dependência pode não ser tão
acentuada como a Intersindical, mas é sabido que o secretário-geral agora
substituído, João Proença, foi deputado do PS e foi sempre dirigente
socialista. Foi institucionalizada, como é sabido, uma partilha de poder com a
corrente sindical afecta ao PSD - que elegeu o Presidente da UGT - embora não
se possa afirmar que essa dependência político-partidária seja tão acentuada
como a que existe entre a CGTP e o PCP.
Fernando Pessoa escreveu
(Ideias Filosóficas) que "um
sindicato ou associação de classe — comercial, industrial, ou de outra qualquer
espécie — nasce aparentemente de uma congregação livre dos indivíduos que
compõem essa classe; como, porém, quem não entrar para esse sindicato fica
sujeito a desvantagens de diversa ordem, a sindicação é realmente obrigatória.
Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se
substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que
quer que sejam), mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente
mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral
dessas agremiações (…) Não tendo uma verdadeira base de liberdade, o
sindicato não coordena a classe como indivíduos; não tendo nunca uma direcção
profissionalmente superior, o sindicato não coordena a classe como
profissionais; não tendo outro fim senão o profissional e o económico, o
sindicato não coordena a classe como cidadãos".
Hoje, passado o Congresso da
UGT, e expectativa centra-se na postura que a central sindical passará a
adoptar com a nova liderança que já deu sinais de estar pouco receptiva a
aceitar acordos ou entendimentos com o governo de coligação, como o fez
Proença, a qualquer preço. A UGT, apesar da cumplicidade evidenciada por
Proença para com o poder, foi sempre olhada, nesta conjuntura de crise social,
como uma central sindical cúmplice e manipulável pelo poder, disposta a assinar
acordos a troco de protagonismo mediático que acabou por não lhe propiciar as
desejadas mais-valias. Na rua, que é cada vez mais onde tudo se decide, a UGT
perde para a Intersindical de forma mais do que evidente.
Para este governo de coligação
existem duas ameaças reais que são pesadelos constantes: por um lado a
perspectiva de um entendimento entre UGT e Intersindical, para acções de rua, o
que seria desastroso para a estabilidade social e para o governo de coligação,
cada vez mais fragilizado e temeroso das ameaças de manifestações de revolta
popular, sobretudo devido aos riscos - que esperemos, assim espero e desejo não
se concretizem - de comparativamente com Portugal, transformar tudo o que se
passa na Grécia como uma mera história de quadradinhos. O segundo pesadelo
desde governo tem a ver com a ameaça da UGT de denunciar o acordo de
concertação social e de radicalizar as suas posições, caso o governo persista
numa política radical de cortes cegos na despesa pública e de imposição da sua
vontade, transformando a concertação social numa palhaçada.
Neste
momento pouco importa o discurso de João Proença quando abandonou a liderança
da UGT. O essencial é olhar para as ideias expressas pelo novo secretário-geral
da central, o socialista XXX, e perceber as suas intenções e a perspectiva que
ele tem do movimento sindical, do seu papel na sociedade, das relações com o
poder e das ligações com os partidos políticos, etc. Da sua intervenção final no congresso retive
algumas ideias que deixam mas interrogações no ar, que respostas:
- a uma Central sindical só
se exige que defenda, com todas as suas forças e ânimo, os direitos daqueles que
representa – e a UGT só representa trabalhadores
- O que é o superior
interessa nacional? Quem o determina? Quando é invocado, a quem pretende
defender? E quando esse dito superior interesse nacional eventualmente colidir
com direitos dos cidadãos e cidadãs trabalhadoras do meu país, fragilizando as
suas relações, conduzindo-os ao empobrecimento, retirando-lhes benefícios
sociais, diminuindo-lhes salários, agravando-lhes a sua carga fiscal de forma
injusta e insensível, qual deve ser a posição de uma central sindical que só
representa trabalhadores? Perdoem-me aqueles que de mim possam discordar, mas a
UGT deverá estar sempre do lado dos trabalhadores – esse deve ser para nós,
sindicalistas, o superior interesse nacional
- Se tivermos de decidir
entre a espada e a parede, entre a defesa intransigente dos direitos dos
trabalhadores e os credores que nos emprestam dinheiro, a UGT não pode vacilar,
porque sabe que a essência da sua existência é defender e representar aqueles
que trabalham e que confiam na acção do movimento sindical como último reduto
na defesa dos seus direitos;
- Os cidadãos não são
números. São pessoas;
- Diálogo social e político tripartido implicam
disponibilidade e generosidade de todos os parceiros sociais, em particular do
Governo para encontrar soluções concertadas. Ainda há poucos dias, o governo
ignorou novamente os parceiros sociais, recusando partilhar connosco as novas
medidas propostas à tróica, sem qualquer diálogo, negociação ou discussão
prévias. Esta é para nós uma postura inaceitável. Não pode ser um jogo de
espelhos. Não aceitamos a política do “quero, posso e mando”;
- As políticas de austeridade que
temos vivenciado nos últimos dois anos arrasaram
com as esperanças de milhões de portugueses e confirmou-se a sua
falência. Há que mudar de agulha nas políticas;
- O autismo ou o desprezo não são
formas de respeitar as opiniões diferentes. E hoje assistimos a movimentos de
cidadãos e organizações que sentem necessidade de fazer ouvir a sua voz. E se
outro sítio não conseguem, escolhem a rua que é a sede do povo, da arraia
miúda.
Uma nova UGT? responda quem souber" (LFM-JM)