"Em 1816, a
dívida pública líquida do Reino Unido atingiu os 240% do PIB. Este foi o legado
orçamental de 125 anos de guerra contra a França. Que desastre económico se
seguiu? A revolução industrial. No entanto, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff,
da Universidade de Harvard, argumentam que o crescimento diminui drasticamente
quando o rácio dívida/PIB ultrapassa os 90%. A experiência do Reino Unido no
século XIX é uma excepção marcante, porque assinalou o início da melhoria
consistente dos padrões de vida que caracterizam o mundo em que vivemos.
Mark
Blyth, da Brown University, refere que os grandes economistas do século XVIII,
como David Hume e Adam Smith, alertaram para os perigos da dívida pública
excessiva. O Estado britânico, frequentemente envolvido em guerras, ignorou
esses alertas. Entre 1815 e 1855, por exemplo, os juros da dívida representaram
perto de metade do total da despesa pública do Reino Unido. Mesmo assim, o país
conseguiu crescer e estancar a dívida. No início da década de 1860, ficou
abaixo dos 90% do PIB.
Thomas
Herndon, Michael Ash e Robert Pollin, da Universidade de Massachusetts em
Amherst, criticam três aspectos específicos das conclusões dos Profs. Reinhart
e Rogoff: um erro de codificação simples, omissão de dados e procedimentos de
agregação estranhos. Os Profs. alegam que após a correção o crescimento médio
anual desde 1945 nos países desenvolvidos com dívida superior a 90% do PIB foi
de 2,2%, comparando com 4,2% quando a dívida é inferior a 30%, com 3,1% quando
se situa entre os 30% e os 60%, e com 3,2% quando oscila entre 60% e 90%. Ambos
aceitam os erros de codificação, mas rejeitam a crítica relativa à agregação.
O
seu trabalho sustenta a teoria de que um crescimento mais lento está associado
a níveis de dívida mais elevados. Mas uma associação não é uma causa. Tomemos o
exemplo do Japão: serão os elevados níveis de dívida a causa do seu crescimento
lento ou uma consequência? Inclino-me mais para a segunda hipótese. E serão os
elevados níveis de dívida no Reino Unido a causa do crescimento lento actual?
Não. Antes da crise, a dívida pública líquida do Reino Unido apresentava o
rácio face ao PIB mais baixo dos últimos 300 anos. O aumento da dívida do Reino
Unido releva do crescimento lento ou, mais concretamente, da causa desse
crescimento lento: uma enorme crise financeira.
Na
sua obra-prima, "This Time is Different", os Profs. explicam como o
aumento da dívida privada pode levar a crises financeiras que, por sua vez,
geram recessões profundas e retomas fracas, além de fazerem disparar os níveis
de dívida pública. O aumento da dívida pública é consequência do crescimento lento,
e este um resultado da crise. Não se pretende com isto descartar a causalidade
bilateral, mas o impulso parte dos excessos financeiros privados para chegar à
crise, ao crescimento lento e aos elevados níveis de dívida pública, e não o
inverso.
Geralmente
podemos ignorar as consequências macroeconómicas da austeridade orçamental: ou
a despesa privada é robusta ou a política monetária é eficaz. No entanto,
depois de uma crise financeira, é provável que surja um elevado excedente de
poupança privada, mesmo quando as taxas de juro estão perto de zero. Nessa
situação, é contraproducente introduzir austeridade orçamental no imediato,
pois vai conduzir a economia a uma recessão profunda, obtendo apenas uma
redução limitada no défice e na dívida.
Estou
preocupado com a influência intelectual a favor da austeridade exercida pelos
profs. Reinhart e Rogoff, pelos quais tenho profundo respeito. A questão aqui
não é sequer a direcção da causalidade, mas os custos de tentar evitar elevados
níveis de dívida pública no rescaldo de uma crise financeira. No último
relatório do FMI sobre as Perspectivas Económicas Mundiais, lê-se que o apoio
orçamental directo à retoma tem sido excepcionalmente fraco. Assim, não é de
admirar que a retoma também seja fraca. A preocupação em torno dos elevados
níveis de dívida pública é uma das razões para este fraco apoio às economias em
crise.
O
artigo dos Profs.justifica essa preocupação. Os países da zona euro que não
podem financiar-se devem contrair. Porém, os seus parceiros podiam financiar a
despesa continuada ou compensar as suas acções com políticas próprias. Os que
tivessem margem de manobra, como os EUA e incluisve o Reino Unido, podiam - e deviam - ter seguido outro caminho. Como não
seguiram, a retoma tem sido ainda mais fraca e, por isso, o custo da recessão a
longo prazo será muito maior do que o necessário. Este foi um grande erro.
Porém, ainda não é tarde demais para reconsiderar" (Texto de Martin Wolf,
Económico, com a devida vénia)