sábado, abril 27, 2013

Austeridade deixou de ser credível, dizem os economistas que criticaram Rogoff e Reinhart



Segundo o Expresso, num texto do jornalista Jorge Nascimento Rodrigues, "intelectualmente deixou de ter qualquer credibilidade técnica, dizem ao Expresso Robert Pollin e Michael Ash, co-autores da "Crítica a Reinhart e Rogoff". "A verdade é sempre uma arma política forte, mas a verdade só por si nunca resolve as lutas políticas", diz ao Expresso Robert Pollin, professor da Universidade do Massachusetts em Amherst, um dos co-autores do artigo publicado na semana passada que criticava o trabalho dos professores Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart sobre um alegado efeito negativo do sobreendividamento soberano no crescimento de uma economia desenvolvida. No entanto, como nos refere Michael Ash, colega de Pollin, e outro co-autor, "a evidência de que a austeridade não tem qualquer suporte intelectual e é um fracasso político rotundo, contribuiu, assim espero, para a mudança no curso das coisas". O trabalho de Rogoff e Reinhart (R-R), publicado em 2010 na NBER ("Growth in a time of debt"), ficou conhecido por um alegado limiar de 90% do PIB para a dívida soberana a partir do qual se caía em recessão económica. Pollin, juntamente com outro colega Michael Ash e com o estudante de doutoramento Thomas Herndon, publicaram, na semana passada, um artigo revelando vários erros de base do artigo de R-R, como o Expresso então fez referência. O artigo intitulado "Does High Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff", publicado pelo Political Economy Research Institute, "acabou por ter o efeito de uma arma de destruição massiva nos meios da política macroeconómica na sequência da sua divulgação pelo bloguer Mike Konczal, do Instituto Roosevelt e responsável pelo blog Rortybomb, considerado um dos 25 melhores na área financeira pela revista Time. O facto de atacar fundamentos técnicos das políticas de austeridade acabou por gerar um interesse no "homem da rua" e não só nos especialistas e nos políticos. "Pensei que o artigo atraísse modestamente mais alguma atenção do que o habitual. Mas não imaginava que isto pudesse acontecer", diz-nos Pollin.
Efeito viral e abanão
O próprio bloguer que divulgou em primeira mão o artigo confessa que ficou surpreendido com o efeito viral do seu post: "A resposta foi avassaladora", muito para além dos especialistas do costume. "O momento de saída do artigo foi absolutamente chave", afirma Konczal. Sem dúvida que a repercussão do "erro do multiplicador", divulgado pelo próprio economista-chefe do Fundo Monetário Internacional em outubro do ano passado, criou um terreno favorável. Em menos de um ano, foram dois rombos poderosos no edifício técnico justificativo da austeridade, que se baseava desde 2009 em dois pilares: a austeridade é expansionista (um mito que foi criado à volta de um artigo do professor Alberto Alesina, cujo gabinete no Departamento de Economia da Universidade de Harvard fica a escassos metros do gabinete de Rogoff) e a partir de um nível de 90% de dívida no PIB é imperioso colocar em prática políticas de consolidação orçamental e de deflação com efeitos rápidos. Muita gente começou, entretanto, a reposicionar-se. Uma voz muito escutada dos meios da alta finança mundial, Bill Gross, da PIMCO, critica agora a austeridade. Na União Europeia assistimos ao presidente da Comissão Europeia a dizer que "a austeridade atingiu os seus limites" e o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schauble a contradizê-lo. "A discussão em torno do nosso artigo enfraqueceu os fundamentos analíticos da austeridade. O que vai acontecer a partir de aqui não sei", diz Pollin, e, na verdade, isso ultrapassa o terreno dos académicos, apesar dos seus artigos serem frequentemente armas políticas em diferentes barricadas. Mike Konczal considera que "pode estar a caminho uma reconfiguração de poder", uma alteração na relação de forças: "Muita gente começou a reconsiderar se a austeridade vale a pena e a evidência que recolhem não é boa. Isso pode significar um abanão", sublinha-nos.
O que motiva um abrandamento contínuo?
Se o artigo de Pollin, Ash e Herndon deita por água abaixo a ideia de que há um limiar de sobreendividamento soberano (acima de 90% do PIB) a partir do qual uma economia desenvolvida cai por um precipício abaixo, passando de taxas de crescimento moderadas para recessão, ainda que ligeira (no estudo de 2010 referia-se, erroneamente, uma quebra média anual de 0,1%), o problema de que há, de facto, em regra, um abrandamento do crescimento à medida que aumenta o endividamento soberano tem de ser discutido. Esse abrandamento é nítido quer nas tabelas publicadas por Reinhart e Rogoff no seu segundo artigo sobre o tema publicado em 2012 no "Journal of Economic Perspectives", como no artigo agora publicado por Pollin, Ash e Herndon. Esse abrandamento contínuo é mais nítido inclusive nas séries de crescimento a partir da década de 1980, como se verifica no artigo de Pollin, Ash e Herndon. Rogoff e Reinhart, na resposta ontem publicada, num Op-Ed no "The New York Times" ("Responding to Our Critics"), referem, em seu abono, que no "World Economic Outlook" do Fundo Monetário Internacional agora publicado em abril se conclui que "os resultados [da investigação empírica que tem sido feita] são, grosso modo, similares: acima de um limiar de 95% do PIB, um aumento de 10 por cento no rácio da dívida em relação ao PIB é identificável com um declínio do crescimento anual de cerca de 0,15% a 0,2% por ano". Colocam-se, então, dois problemas: havendo essa "associação" entre sobreendividamento e abrandamento do crescimento, qual é a relação de causalidade (ou seja, qual gera o outro, qual é o fator determinante, e em que circunstâncias), e em que medida, a partir dos anos 1980, poderá haver algum outro fator relevante nesse abrandamento e nesse endividamento.
Rogoff e Reinhart reiteram que a identificação da causalidade na relação endividamento-crescimento é "uma questão de fronteira para a investigação". "Claramente, as recessões podem gerar dívida mais elevada, e em alguns casos extremos fizeram a dívida subir para mais de 90%, apesar desses saltos extremos serem raros fora de uma crise financeira", afirmam na sua reposta publicada ontem. Para o bloguer Mike Konczal, "a questão da causalidade é, na realidade, o grande problema". Por isso recomenda que "compreender o contexto é importante". E responde às críticas de irresponsabilidade dizendo que "ninguém advoga endividem-se por prazer. A questão, agora que o precipício está afastado do debate, é que compromissos fazer". Pollin e Ash respondem que o foco da crítica reporta ao artigo de 2010: "Sem dúvida que é mau para os países terem longas recessões. E uma dívida pública elevada resulta frequentemente como consequência do abrandamento do crescimento do PIB, como, alias, acontece na crise atual. O artigo de R-R de 2010 não mostra evidência de que a dívida pública provoque tal abrandamento, quanto mais um abrandamento sustentado. O nosso artigo veio sublinhar que o PIB é modestamente mais baixo em níveis de divida em relação ao PIB mais elevados, mas não necessariamente por causa de um nível mais elevado desse rácio. O precipício não linear era um elemento central do argumento de R-R e não é validado de todo pelos dados".
A questão da financeirização
Haverá, então, algum outro "fator" que esteja a influenciar quer o abrandamento das economias como o seu endividamento crescente nas últimas décadas? Há uma hipótese de investigação - a questão da financeirização, ou do domínio da lógica financeira nas economias desenvolvidas. "A financeirização está de facto a acontecer. Um dos melhores trabalhos de investigação sobre o seu impacto no crescimento foi feito por um nosso aluno de doutoramento, Ozgur Orhangazi, que é atualmente professor na Turquia. Ele baseou-se em evidência dos EUA. Verificou que a financeirização provocou um desvio do investimento da atividade produtiva a favor da especulação. Contudo, as bolhas especulativas podem acelerar o crescimento durante algum tempo. A despesa adicional na economia, financiada por uma alavancagem mais alta, promove o crescimento durante algum tempo, antes do crash", refere-nos Pollin que está a trabalhar precisamente num projeto de investigação europeu sobre este tema.

Artigos de referência desta polémica

  • "Growth in a Time of Debt", Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, American Economic Review, Papers & Proceedings, and National Bureau of Economic Research, 2010 (http://nber.org/papers/w15639)
  • "Public Debt Overhangs: Advanced Economy Episodes Since 1980", Carmen Reinhart, Kenneth Rogoff and Vincent Reinhart, Journal of Economic Perspectives, vol.26, nº3, verão de 2012 (http://www.aeaweb.org/articles.php?doi=10.1257/jep.26.3.69)
  • "Does High Public Debt Consistently Stiffle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff", Thomas Herndon, Michael Ash and Robert Pollin, Working Paper Series, Political Economy Research Institute, abril 2013 (http://www.peri.umass.edu/236/hash/31e2ff374b6377b2ddec04deaa6388b1/publication/566/)
  • "Researchers Finally Replicated Reinhart-Rogoff, and There Are Serious Problems", Mike Konczal, Rortybomb, Next New Deal, Rortybomb, 16 de abril de 2013 (http://www.nextnewdeal.net/rortybomb/researchers-finally-replicated-reinhart-rogoff-and-there-are-serious-problems)
  • "Response to Herndon, Ash and Pollin by Carmen Reinhart and Kenneth Rogoff", Financial Times, 17 de abril de 2013 (http://blogs.ft.com/ftdata/2013/04/17/the-reinhart-rogoff-response-i/ )
  • "Austerity after Reinhart and Rogoff", Financial Times, 17 de abril de 2013 (http://www.ft.com/intl/cms/s/0/9e5107f8-a75c-11e2-9fbe-00144feabdc0.html#axzz2RaYAbzAv)
  • "Reinhart and Rogoff: Responding to Our Critics", The New York Times, 25 de abril 2013 (http://www.nytimes.com/2013/04/26/opinion/reinhart-and-rogoff-responding-to-our-critics.html?pagewanted=all&utm_source=feedly&_r=3&)"