segunda-feira, abril 29, 2013

Opinião: "Só falta remodelar o dr. Gaspar"



"Nas últimas duas semanas, o discurso do primeiro-ministro mudou. A palavra crescimento entrou no léxico de Pedro Passos Coelho. Pelos vistos, já não é impossível continuar o ajustamento orçamental e, ao mesmo tempo, colocar no terreno alguns estímulos à atividade económica. Mas Passos foi mais longe: remodelou o Governo, dando posse a um novo ministro-adjunto, Miguel Poiares Maduro, que se tinha manifestado antes por várias vezes contra a política de austeridade sem nenhum contraponto seguida pelo Executivo — e a quem entregou a gestão dos fundos comunitários, apesar das pretensões do ministro das Finanças em ficar com essa responsabilidade. Também a nova secretária da Defesa, Berta Cabral, não escondeu a sua incomodidade com as orientações políticas do Governo durante a campanha eleitoral nos Açores. Passos mostrou também a sua irritação com o sector bancário, a quem ameaçou, por o financiamento não estar a chegar às empresas, uma realidade que tem dois anos e que até agora sempre negara. Finalmente, deu luz verde ao ministro da Economia para apresentar o seu “memorando para o crescimento e emprego”, contemplando oito pontos, entre os quais a descida do IRC para estimular o investimento, o apoio às exportações e o reforço do financiamento às empresas.
Ora estes sinais mostram que de duas, uma: ou o primeiro-ministro mudou de opinião e está agora fortemente convencido da necessidade de canalizar energias para apoiar o crescimento económico; ou então está a dizer tudo isto à contre-coeur e só o faz para calar a boca da oposição e do seu parceiro de coligação, o CDS-PP, cada vez mais desconfortável com o rumo que as coisas levam e que poderão conduzir a que Portugal em 2014 entre no seu quarto ano de recessão. Vamos dar o benefício da dúvida ao primeiro-ministro e acreditar que ele está convicto do que afirma. Ora se isso é assim, então é preciso dar o passo que falta. E esse passo tem duas etapas: a primeira é travar a aplicação de novas medidas de austeridade, pelo menos sem serem acompanhadas de algum alívio fiscal para as famílias e empresas. Manter o garrote fiscal nos níveis estratosféricos em que foi colocado em 2013 torna impossível qualquer recuperação económica em Portugal por muitos e longos anos, pela simples razão de que para haver crescimento não bastam as exportações de 22 mil empresas: é necessário investimento e consumo privado. Sem estes dois vetores, bem podemos acreditar no ministro da Economia, que nos diz que em 2020 estaremos a crescer 2%...
Infelizmente, 2020 é uma ponte longe demais. O segundo passo para que possamos acreditar no novo discurso do primeiro- ministro é que ele concretize a remodelação que falta. E essa é a de Vítor Gaspar. O ministro das Finanças, que está completamente desacreditado internamente pelos sucessivos falhanços de todos os objetivos que traçou (défice, dívida, crescimento e emprego), é o principal opositor a qualquer alívio fiscal e o talibã que sustenta a necessidade de não só se continuar uma draconiana política de austeridade, como de a reforçar se os resultados não forem alcançados (o que não aconteceu nos dois últimos anos e também não acontecerá este ano). Manter Gaspar nas Finanças e dizer que agora o Governo aposta no crescimento é uma contradição insanável e o mesmo que nos pedirem para acreditar que o sol só nasce todos os dias porque ele está no Executivo" (texto de Nicolau Santos, Expresso, com a devida vénia)