"Nas últimas duas
semanas, o discurso do primeiro-ministro mudou. A palavra crescimento entrou no
léxico de Pedro Passos Coelho. Pelos vistos, já não é impossível continuar o
ajustamento orçamental e, ao mesmo tempo, colocar no terreno alguns estímulos à
atividade económica. Mas Passos foi mais longe: remodelou o Governo, dando
posse a um novo ministro-adjunto, Miguel Poiares Maduro, que se tinha
manifestado antes por várias vezes contra a política de austeridade sem nenhum
contraponto seguida pelo Executivo — e a quem entregou a gestão dos fundos comunitários,
apesar das pretensões do ministro das Finanças em ficar com essa
responsabilidade. Também a nova secretária da Defesa, Berta Cabral, não escondeu
a sua incomodidade com as orientações políticas do Governo durante a campanha
eleitoral nos Açores. Passos mostrou também a sua irritação com o sector
bancário, a quem ameaçou, por o financiamento não estar a chegar às empresas, uma
realidade que tem dois anos e que até agora sempre negara. Finalmente, deu luz
verde ao ministro da Economia para apresentar o seu “memorando para o
crescimento e emprego”, contemplando oito pontos, entre os quais a descida do
IRC para estimular o investimento, o apoio às exportações e o reforço do
financiamento às empresas.
Ora estes sinais mostram que de duas, uma: ou o
primeiro-ministro mudou de opinião e está agora fortemente convencido da
necessidade de canalizar energias para apoiar o crescimento económico; ou então
está a dizer tudo isto à
contre-coeur e só o faz para calar
a boca da oposição e do seu parceiro de coligação, o CDS-PP, cada vez mais
desconfortável com o rumo que as coisas levam e que poderão conduzir a que
Portugal em 2014 entre no seu quarto ano de recessão. Vamos dar o benefício da
dúvida ao primeiro-ministro e acreditar que ele está convicto do que afirma.
Ora se isso é assim, então é preciso dar o passo que falta. E esse passo tem
duas etapas: a primeira é travar a aplicação de novas medidas de austeridade, pelo
menos sem serem acompanhadas de algum alívio fiscal para as famílias e
empresas. Manter o garrote fiscal nos níveis estratosféricos em que foi
colocado em 2013 torna impossível qualquer recuperação económica em Portugal
por muitos e longos anos, pela simples razão de que para haver crescimento não
bastam as exportações de 22 mil empresas: é necessário investimento e consumo
privado. Sem estes dois vetores, bem podemos acreditar no ministro da Economia,
que nos diz que em 2020 estaremos a crescer 2%...
Infelizmente, 2020 é uma ponte longe demais. O segundo passo
para que possamos acreditar no novo discurso do primeiro- ministro é que ele
concretize a remodelação que falta. E essa é a de Vítor Gaspar. O ministro das
Finanças, que está completamente desacreditado internamente pelos sucessivos
falhanços de todos os objetivos que traçou (défice, dívida, crescimento e
emprego), é o principal opositor a qualquer alívio fiscal e o talibã que
sustenta a necessidade de não só se continuar uma draconiana política de
austeridade, como de a reforçar se os resultados não forem alcançados (o que não
aconteceu nos dois últimos anos e também não acontecerá este ano). Manter
Gaspar nas Finanças e dizer que agora o Governo aposta no crescimento é uma
contradição insanável e o mesmo que nos pedirem para acreditar que o sol só
nasce todos os dias porque ele está no Executivo" (texto de Nicolau Santos, Expresso, com a
devida vénia)