sexta-feira, julho 21, 2023

Polígrafo: "Estado da Nação". PM diz que num aumento salarial de €100 só €22 seguem para o Estado. É verdade? Mentira!

O QUE ESTÁ EM CAUSA?

Foi em resposta a Rui Rocha, líder do Iniciativa Liberal, que o Primeiro-Ministro (PM) fez novas contas ao famoso "aumento salarial de 100 euros". Segundo Costa, em declarações no debate do "Estado da Nação", ontem à tarde, esta subida resultaria numa retenção de “11 euros em IRS e 11 euros em Segurança Social” o que perfaz “22 e não 63 euros”, como calcularam os liberais. Quem tem razão? Na intervenção de ontem no debate do "Estado da Nação", no Parlamento, Rui Rocha, líder dos liberais, apresentou contas de um caso hipotético que acabaram por ser desmentidas pelo primeiro-ministro (PM). O exemplo dado é o de "Maria", uma trabalhadora que ganha 1.100 euros brutos e que está prestes a receber um aumento de 100 euros.

"Falemos de António Costa, Primeiro-Ministro, como presidente do Sindicato dos Portugueses e peço que imagine, nessa qualidade, o exemplo da Maria. É uma trabalhadora com 1.100 euros brutos de salário, trabalhou intensamente durante um ano, foi produtiva, esforçada, atingiu os seus objectivos e, portanto, a entidade patronal atribuiu-lhe um aumento de 100 euros brutos. O custo deste aumento de 100 euros brutos são 123,75”, começou por destacar Rui Rocha.

"Agora vamos ver como é que se dividem estes 123,75 euros", introduziu: para a Maria, calculou, "vão 60 euros e para o Estado, senhor PM, vão 63,11 euros. Isto quer dizer que, do esforço da Maria, durante um ano de trabalho, o Estado leva mais do que a Maria", especificou o liberal. "O senhor, como presidente do Sindicato dos Portugueses, fica com mais dinheiro no bolso do que um trabalhador que ganhe 1.100 euros, que é um ordenado baixo", concluiu.

Chegada a vez de António Costa dar resposta à provocação, o PM optou por desmentir os cálculos: "Relativamente ao seu exemplo, algum erro deve ter porque, tendo em conta as novas tabelas de retenção na fonte que entraram em vigor no dia 1 de julho, esse aumento de 100 euros daria lugar a uma retenção de 11 euros em sede de IRS e 11 euros em Segurança Social, o que significa 22 euros e não os 63 euros a que se referiu."

Afinal, de que lado está a razão?

Partindo do princípio de que a "Maria", nome fictício dado por Rui Rocha, é uma trabalhadora não casada e sem dependentes a cargo, o aumento de 100 euros brutos custa à empresa 123,75 euros (já que esta paga 23,75% à Segurança Social). Estes valores podem ser conferidos através do simulador "PMESalarios", uma ferramenta informática de gestão de salários direcionada às pequenas e médias empresas.

A partir dos 100 euros brutos, como se subdivide este montante? Para a Segurança Social são alocados 11%, já para sede de IRS há que ter em conta o rendimento tributável de 1.200 euros (o montante com o aumento dos 100 euros brutos) e as novas tabelas de IRS que, tal como referiu Costa, entraram em vigor a 1 de julho de 2023.

No simulador do salário líquido no segundo semestre de 2023, disponível no site "Doutor Finanças", verifica-se que a retenção em sede de IRS num rendimento tributável de 1.100 euros é de 122,41 euros, passando a 150,77 euros quando aumentamos em 100 euros (para os 1.200 euros) este montante. Entre um valor e outro, há uma diferença de 28 euros.

Para explicar melhor estas contas, o Polígrafo contactou Luís Leon, fiscalista e co-fundador da consultora Ilya. Leon indica que o trabalhador paga "11 euros de Segurança Social e 28 euros de IRS" sobre este aumento. Contas feitas, para o Estado segue um total de 39 euros, aos quais se somam ainda 23,75 euros de Taxa Social Única (TSU) paga pela empresa. "Por isso, dos 123,75 euros, o Estado recebe 62,75 e o trabalhador recebe 61 euros", conclui Leon.

Ao Polígrafo, o gabinete do PM justifica que "até junho de 2023, por cada 1.000 euros que a Maria recebia de salário, descontava 112 euros de retenção na fonte de IRS (cfr. tabelas de retenção primeiro semestre, pressupondo que Maria é uma titular sem dependentes)".

"Com o aumento do salário em julho, para 1.100 euros, a Maria beneficia da aplicação do novo modelo de tabelas de retenção na fonte, passando a reter em IRS cerca de 122,5 euros. Ou seja, o aumento de 100 euros resultou num aumento de transferência para o Estado de IRS de cerca de 10,5 euros (11 euros quando arredondado à casa decimal). Ou seja, o aumento de 100 euros levou ao aumento da retenção na fonte de 11 euros, como foi dito", reiterou em resposta ao Polígrafo.

O gabinete acrescenta ainda que, "de acordo com as novas tabelas de retenção na fonte já em vigor, num salário de 1.100 euros, cada euro de rendimento paga cerca de 0,11 cêntimos de imposto (retenção na fonte de 122,5 euros / salário de 1.110 euros)" e que "do aumento de 100 euros da Maria, 11 euros vão para IRS e 11 euros vão para a TSU da trabalhadora. Por cada 100 euros do salário da trabalhadora esta contribui com 22 euros já considerando IRS e contribuições sociais".

No entanto, nas contas apresentadas ao Polígrafo, está em causa um aumento de 1.000 para 1.100 euros, diferente dos 1.100 para os 1.200 euros indicados por Rui Rocha.

Confrontado com o facto de esse não ter sido o valor apontado pelo deputado, o gabinete do PM responde: "A forma como o deputado expressa o seu exemplo parece levar a concluir que se trata de um aumento de 1.000 euros para 1.100 euros. Isto porque, no exemplo, é referida uma trabalhadora que recebe hoje 1.100 euros ('[a] Maria é uma trabalhadora com 1.100 euros de salário', no presente do indicativo) porque teve, no passado, um aumento de 100 euros ('a sua entidade patronal atribuiu-lhe um aumento de 100 euros brutos', no pretérito perfeito). No final da sua intervenção o deputado reitera que o exemplo se refere a 'um trabalhador que ganha 1.100 euros'".

Nesse sentido, o Polígrafo pediu um esclarecimento ao Iniciativa Liberal (IL), que reafirma que o aumento em causa era de 1.100 para 1.200 euros, deixando claro que as contas de Costa estão incorretas. Avaliação do Polígrafo: FALSO (Polígrafo, texto da jornalista Marta Ferreira)

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