domingo, julho 30, 2023

Juros rendem 1800 milhões de euros aos grandes bancos no primeiro semestre

Diferença entre o que os bancos cobram por darem crédito e o que pagam por depósitos permitiu aos cinco maiores bancos portugueses alcançar um lucro conjunto de dois mil milhões. Os bancos portugueses estão limpos, sólidos e rentáveis. Uma fotografia que contrasta com um passado recente que motivou diversas intervenções públicas e que fica evidente nas contas do primeiro semestre deste ano. Caixa Geral de Depósitos (CGD), Millennium BCP, Santander Portugal, Novo Banco e Banco BPI, juntos, conseguiram lucros líquidos de 1994 milhões de euros em apenas seis meses, um desempenho sem paralelo na história recente da banca nacional. E na base deste resultado está a actividade fundadora e central da iniciativa bancária: emprestar dinheiro com juros e guardar dinheiro com um rendimento.

A margem financeira dos cinco maiores bancos portugueses cresceu, entre Janeiro e Junho deste ano, 1799,5 milhões de euros em relação ao mesmo período do ano passado. Um resultado histórico que se explica por uma conjugação improvável de factores relacionados com a evolução da economia. Por um lado, os bancos continuam a emprestar dinheiro e fazem-no, ainda que a menor ritmo, com taxas de juro elevadas, num contexto marcado pela escalada quase simultânea e interligada das taxas Euribor e das taxas de juro de referência do Banco Central Europeu (BCE), dois indicadores do preço do dinheiro para a banca – e tendo na sua carteira um significativo stock de crédito com taxas variáveis.

Este cenário das taxas de juro é pouco comum na história do sector financeiro e a rapidez com que se desenvolveu ajuda a explicar a comparação tão dramática em relação ao período homólogo, quando as taxas de juro de referência ainda eram negativas (Euribor e BCE) e os bancos estavam pressionados na concessão de crédito, beneficiando até de facilidades junto do BCE para que a torneira do crédito não parasse. Tudo mudou em Julho do ano passado, quando a autoridade monetária liderada por Christine Lagarde começou a subir as taxas para travar a escalada da inflação provocada pelos efeitos da guerra na Ucrânia.

No outro lado da balança da margem financeira, os bancos continuam a guardar o dinheiro dos clientes em depósitos remunerados com taxas de juro muito baixas. Uma consequência ainda de os bancos terem beneficiado das almofadas que o BCE foi criando para olear a sua actividade no período de taxas negativas. Uma situação que, conjugada com uma concorrência relativamente anémica, retira o incentivo para os bancos oferecerem juros mais altos nos depósitos.

Neste cenário, os números dos bancos não dão espaço para grandes dúvidas: a margem financeira da CGD chegou, no primeiro semestre, aos 1316,1 milhões de euros (mais 738,1 milhões), a do BCP aos 1374,4 milhões (mais 389,2 milhões), desempenhos que foram seguidos pelo Santander Portugal (mais 216,2 milhões, para 586,5 milhões), Novo Banco (mais 256 milhões, para 524 milhões) e BPI (um aumento de 200 milhões, para 435 milhões de euros).

Embora a margem financeira possa ser influenciada por outros fenómenos – rendimentos de dívida pública ou de activos colocados junto do BCE –, a alavanca dominante é a diferença dos juros entre créditos e depósitos. Os dados divulgados esta sexta-feira pelo Novo Banco são paradigmáticos do que se verifica em todo o sector. Segundo explica o banco – depois de sucessivos exercícios marcados por prejuízos milionários sustentados com dinheiro público –, “o desempenho da margem financeira foi impulsionado por uma carteira de crédito maioritariamente indexada à taxa de juro variável e pelo ambiente favorável das taxas de juro”. E, em concreto, o Novo Banco revela que “a evolução favorável das taxas activas [3,69%, com 3,21% no crédito à habitação] mais do que compensou o aumento das taxas passivas [1,18%, com 0,52% nos depósitos], com reflexo positivo na margem financeira global que ascendeu a 2,50% no período”.

Já a CGD sublinha, por seu turno, que este impacto positivo das taxas de juro deve-se tanto ao crédito a particulares como para empresas. “O impacto da subida das taxas de juro nas operações de retalho [foi] repartido entre o segmento de clientes particulares (+270 milhões de euros) e empresas e outros clientes (+148 milhões de euros)”, explica-se no comunicado do banco público.

O papel do BCE

A instituição liderada por Paulo Macedo faz questão, na explicação que dá para o aumento de 127% na margem financeira, de sublinhar a mudança vincada e veloz das condições em que a banca desenvolve a sua actividade principal, a partir das regras definidas em Frankfurt.

“No caso dos depósitos em bancos centrais, de notar que, no primeiro semestre de 2022, a aplicação de taxas de juro negativas pelo Banco Central Europeu representava um custo, situação inversa à dos primeiros seis meses de 2023, quando se registaram taxas positivas, resultando num aumento da margem financeira afecta a estas operações no valor de 253 milhões de euros”, ilustra.

Até Julho do ano passado, o mês em que o BCE começou a subir as taxas de juro para tentar travar a inflação, os bancos comerciais da zona euro recebiam, pelas reservas que depositavam no banco central, uma taxa de juro negativa de 0,5%. Isto significava, na prática, que tinham de pagar ao BCE para terem lá o dinheiro depositado. Essa era a forma de a autoridade monetária incentivar os bancos a emprestarem dinheiro às empresas e famílias. Mas a partir de Julho de 2022 o cenário mudou. O BCE começou a subir a sua taxa de juro de depósito e esta chegou no final do ano passado aos 2%, situando-se agora, depois de nova subida de 0,25 pontos percentuais esta quinta-feira, nos 3,75%. Isto significa que os bancos comerciais da zona euro passaram, a partir da segunda metade de 2022, a ser remunerados pelos depósitos que mantêm no banco central.

Em simultâneo, o custo que os bancos comerciais assumem para obter liquidez junto do BCE também aumenta à medida que este vai subindo as taxas de juro. No entanto, como o banco central concedeu, no decorrer da pandemia, empréstimos de longa duração aos bancos da zona euro a taxas de juro fixas negativas (o que os bancos recebem pelo dinheiro que pediram emprestado ao BCE), estes conseguiram, na segunda metade de 2022 e na primeira metade de 2023, continuar a beneficiar de custos de financiamento muito favoráveis, mesmo num cenário de subida das taxas de juro de referência na zona euro.

Rentabilidade e solidez

Nestas circunstâncias, a rentabilidade e solidez dos bancos viveram, no primeiro semestre deste ano, um período de crescimento sem precedentes com a actual configuração do mercado em Portugal. Em particular, os resultados líquidos dispararam para 1994 milhões de euros, com destaque para os 607,9 milhões da CGD e os 423,2 milhões do BCP, os dois maiores bancos em Portugal.

Embora os resultados líquidos tenham sido influenciados por diversos factores em cada banco (venda de activos, redução adicional de imparidades, actividade internacional), a explicar a amplitude destes lucros está, de forma inequívoca e admitida por todos os responsáveis dos bancos, esta conjugação especial de escalada das taxas de juros de referência e de uma almofada alargada de facilidades disponibilizada pela autoridade monetária.

No caso da rentabilidade, o BCP mostra mesmo um dos indicadores mais expressivos do momento da banca: o rácio de rentabilidade sobre capitais próprios, que mede a capacidade da instituição de gerar proveitos, disparou de 2% para 17% em apenas 12 meses.

Esta onda de proveitos acaba por contaminar toda a actividade dos bancos e de forma muito particular a solidez que todos demonstram actualmente, depois de anos difíceis em Portugal em que os mínimos (entre 5% e 8%, por exemplo) definidos pelo BCE antes de eventuais intervenções públicas eram desafios exigentes para a gestão das instituições. No final do primeiro semestre deste ano, os rácios de solidez mais importantes variavam entre os 14%-15% (BCP, BPI e Novo Banco), os 17,6% (Santander Portugal) e os 19,3% (CGD).

Como factor determinante para este quadro contribui de forma decisiva o facto de todos estes grandes bancos apresentarem uma situação de crédito malparado muito reduzida e, portanto, muito longe daquela que consumiu tantos recursos no passado, com forte deterioração das condições de rentabilidade e solidez das suas contas (Publico, texto do jornalista Pedro Ferreira Esteves com Sérgio Aníbal)

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