sábado, julho 22, 2023

Opinião: Acha que a inflação não importa? Veja o Algarve

Parece um paradoxo. No centro das principais cidades os turistas são mais que muitos. O World Travel & Tourism Council (WTTC) anuncia o melhor ano de sempre. As viagens nos aeroportos nacionais continuam a crescer rapidamente e estão mais de 10% acima do nível pré-pandemia de 2019. Receia-se até que o Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, não aguente, mais ainda com a exigência suplementar da Jornada Mundial da Juventude, que passa pela capital portuguesa nos primeiros dias de agosto. E de repente começam a soar alertas vindos do Algarve no pico do verão: as reservas estão muito abaixo do previsto, entre portugueses e espanhóis principalmente, e a ideia de se ter o melhor verão de sempre pode não passar de uma miragem.

O verão algarvio é o espelho da inflação e dos seus malefícios. Mesmo sem recessão, é um mal que vai corroendo as economias. Destinos como Lisboa ou Porto disputam a atenção de turistas de todo o mundo. Um evento desportivo, um concerto ou um simples post de Instagram podem facilmente mobilizar centenas ou milhares de pessoas. Portugal é um pequeno destino num mercado altamente globalizado, onde viajam muitos milhões de pessoas todos os anos. E onde, mesmo em tempo de crise, há sempre procura, designadamente nos segmentos mais altos. Desde que a oferta seja suficientemente atrativa. E, nesse aspeto, uma cidade histórica portuguesa pode ter semelhanças com outras europeias, mas é sempre única. Como diria um microeco­nomista, são substitutos imperfeitos, e isso dá sempre algum poder de atração às cidades. É por isso que ‘disneylandizar’ as cidades e torná-las todas iguais é um risco: passam a ser substitutos perfeitos e aí a escolha passa a ser feita com base no preço, na proximidade e pouco mais. Singularidade é um valor económico que não se deve desprezar.

Esperava-se o melhor verão de sempre. Não vai ser. A culpa é da concorrência internacional e da subida dos preços que, mesmo sem recessão, provocam estragos

Parte do problema algarvio tem a ver com isto. Os preços na hotelaria, dizem os empresários da região, subiram entre 5% e 20%. O que, tudo o resto igual, pode representar perda de competitividade face a destinos ‘iguais’ no Mediterrâneo ou até em paragens mais distantes. Agravado ainda com as questões cambiais: veja-se, por exemplo, o caso da lira turca, que tem estado a cair a pique e só este ano já perdeu 33% contra o euro. Ao mesmo tempo, cá dentro os portugueses ficaram mais pobres: vão menos de férias e, quando vão, gastam menos. A inflação e a subida das taxas de juro ‘roubaram’ uma parte importante do poder de compra das famílias — a partir dos rendimentos médios, que têm maior recurso ao crédito hipotecário — e isso agora está a pagar-se nas férias. Num país em que, diga-se, cerca de metade das famílias já não faz férias fora de casa.

No Algarve ainda há esperança de que as reservas de última hora possam ajudar a compor o verão. Pode acontecer, porque, bem sabemos, muitas pessoas só decidem tarde. Havendo descontos e promoções, mais fácil ainda será. Mas desenganemo-nos: isto não é um acaso ou azar da hotelaria algarvia. É a economia a funcionar (Expresso, texto do jornalista João Silvestre)

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