domingo, julho 23, 2023

Sondagem: Maioria dos jovens admite sair do país e culpa a economia


Emigração é um cenário que muitos ponderam, fruto da instabilidade financeira e da precariedade no emprego. Ter filhos e uma relação estável entre os projetos de vida. Mais de metade (54%) dos jovens entre os 18 e os 34 anos a residir em território nacional admite a possibilidade de trabalhar fora de Portugal, embora a maioria considere que o país é “bom para viver” e acredite usufruir de melhores condições de vida do que a geração dos pais. Apesar de conscientes das potencialidades da economia portuguesa, os jovens estão preocupados com a instabilidade financeira, a habitação e a precariedade no emprego, por esta ordem, de acordo com a sondagem da Aximage para o JN, DN e TSF.

Os que ponderam emigrar são sobretudo os que têm menos de 25 anos e os que concluíram o Ensino Secundário ou Superior (há quem esteja ainda na universidade). Por outro lado, os mais velhos e os com habilitações até ao 9.º ano preferem ficar. Quem pondera emigrar, gostaria de trabalhar em algum país europeu (não especificam). Outros têm preferência por Espanha, Reino Unido, França e pelos países nórdicos. A intenção é transversal aos eleitores de todos os partidos políticos. Mas os que votaram na IL e no PAN são dos mais predispostos a sair.

Margarida Gaspar de Matos, psicóloga clínica com estudos realizados no comportamento dos jovens, defende que é a “procura por um futuro melhor”, com melhores salários e oportunidades, que dita a vontade de deixar Portugal e não tanto o desejo de uma “aventura” ou de “conhecer novas culturas ou países”. Para isso, diz, os que têm possibilidades fazem-no com as viagens. “A geração atual de jovens é composta por cidadãos mais exigentes”, aponta.

Falta de oportunidades

Além dos que afirmam categoricamente que estão a ponderar sair do país, há ainda uma percentagem considerável (19%) dos que estão em dúvida, atenta Renato Miguel do Carmo. “A precariedade laboral e a falta de acesso a habitação acessível estão na base dos problemas estruturais do país, o que leva a um certo descontentamento”, explica o sociólogo.

“Consideram que há falta de oportunidades em Portugal, existem obstáculos e procuram alternativas na emigração”, diz o também professor e investigador do ISCTE. No entanto, mais de metade (53%) “concorda” ou “concorda totalmente” que o país “é bom para viver”, o que significa que acreditam que há potencial de desenvolvimento no território nacional, salienta.

Há 49% dos inquiridos que dizem que “o rendimento atual dá para viver” e 21% que revelam ser “difícil” viver com o seu salário. Para Renato Miguel do Carmo, os números mostram que, “para a maior parte dos jovens, o rendimento dá para ir sobrevivendo”. Pelo “perfil identificado em outros estudos”, afirma, a sondagem reforça que a “questão financeira” está no centro das preocupações, seja por via dos “baixos salários, da precarização do trabalho ou da falta de habitação”.

Querem ter filhos

Tanto Margarida Gaspar de Matos como Renato Miguel do Carmo salientam a importância dada pelos jovens aos descontos para a Segurança Social: 71% considera “importante” ou “muito importante” as contribuições para o Estado, de forma a ter acesso à reforma. “É uma valorização que, infelizmente, está associada à precariedade. A descontinuidade do percurso laboral leva a que as carreiras contributivas sejam descontinuadas”, refere o professor do ISCTE.

As preocupações com a instabilidade financeira não impedem os jovens de perspetivar um projeto de vida com filhos e de ter um companheiro(a). Do total de solteiros inquiridos, 71% perspetiva uma “relação estável ou duradoura” para o futuro. “A pandemia reforçou a importância de ter um grupo familiar com laços fortes, mesmo que sejam poucas pessoas”, acrescenta a psicóloga.

Margarida Gaspar de Matos diz ser significativo que, dos jovens que não têm filhos, 77% queiram ser pai ou mãe. São eles a ter mais a vontade ou o sonho da parentalidade do que elas, numa diferença de cinco pontos percentuais. 

Poucos são militantes em partidos ou sindicalizados

Há poucos jovens a residir em Portugal que participem em ações sociais ou políticas. A maioria diz mesmo nunca ter integrado algo do género (52%) e uma minoria (6%) faz parte de um partido político ou já esteve num comício. Mais abaixo da tabela, aparecem os sindicalizados: apenas 4%. Os especialistas acreditam que a realidade não se distancia da imagem geral da sociedade portuguesa: há poucos envolvidos na comunidade e na sociedade civil, independentemente da faixa etária.

Margarida Gaspar de Matos salienta que, apesar das “convicções fortes” em temas fraturantes e de “apoiarem causas” (ler na página do lado), os jovens parecem não estar interessados em integrar um partido político. A psicóloga clínica defende que as diversas polémicas, envolvendo governantes e membros de partidos políticos, podem explicar os números baixos. Quem é militante, votou nas últimas eleições legislativas, realizadas em janeiro do ano passado, no CDS e na CDU, seguido do PSD e do PS, por esta ordem.

Há 31% que afirmam ter assinado uma petição e 16% participaram numa manifestação. Poucos (7%) pertencem a uma associação profissional. Entre os que nunca participaram em qualquer ação social ou política, é notória a presença de jovens que se abstiveram nas legislativas de 2022 (72%) e também se destacam os com habilitações até ao 9.º ano de escolaridade.

O sociólogo Renato Miguel do Carmo aponta que “os níveis de participação em Portugal são tradicionalmente baixos”, quando comparado com outros países. O também professor do ISCTE afirma que é uma característica “muito geral” do país, não podendo ser imputada só aos jovens. Ainda assim, diz, deve ser um tema mais “aprofundado” em estudos.

Solidariedade social no topo

A baixa participação na comunidade e em ações de interesse para a sociedade civil é também visível na participação no voluntariado. A maioria (36%) diz que nunca esteve integrada em qualquer iniciativa de ajuda ao outro ou em prol de uma causa. Porém, Margarida Gaspar de Matos diz que os resultados são mais satisfatórios do que em outros estudos, onde havia “uma grande percentagem” sem qualquer experiência. São os jovens mais velhos (entre os 25 e os 34 anos) a ser menos proativos.

Houve jovens a fazer voluntariado em instituições de solidariedade social (27%), desportivas (14%) e religiosas (12%). Em linha com a generalidade da população portuguesa, os jovens a residir em Portugal são predominantemente católicos (49%), sendo que a maioria participa ocasionalmente em eventos religiosos.

Saber mais

Condições de vida

43% “concordam” ou “concordam totalmente” que Portugal lhes proporciona melhores condições de vida do que aquelas proporcionadas à geração dos pais.

Rendimento

A maioria (52%) nunca ouviu falar do rendimento básico universal, que defende a atribuição de um apoio do Estado para assegurar uma vida digna a todos os cidadãos. 70% concordam que seja aplicado (Jornal de Notícias, texto da jornalista Rita Neves Costa)

Sem comentários: