sexta-feira, julho 28, 2023

Ryanair quer incentivo de 13 euros por passageiro para manter os voos para os Açores no Inverno

Em entrevista ao Jornal Económico, o CEO da Ryanair, Eddie Wilson, explica o ultimato dado ao Governo dos Açores. A companhia ameaça não voar para a região no Inverno se não forem eliminadas duas taxas (no valor de 3 euros por passageiro) e se não for criado um incentivo de 10 euros, também por passageiro, para compensar o fim das isenções nas taxas de emissões de carbono. Como a Ryanair transporte de e para os Açores 300 mil passageiros no inverno, a medida poderia representar cerca de 3,9 milhões de euros.

- Qual é a posição da Ryanair quanto aos Açores, é mesmo para sair?

- No pós-Covid, a Ryanair foi a companhia aérea com a melhor recuperação na Europa. Somos uma companhia aérea privada. Nunca recebemos ajudas de Estado, de ninguém. Perdemos quantias substanciais de dinheiro durante a Covid, mas mantivemos todo o nosso pessoal empregado e fomos os primeiros a voltar a ter operações a 100% no ano passado. Continuamos a crescer e continuamos a crescer em Portugal. Este ano aumentámos o número de aviões em Faro e no Porto. Obviamente, não podemos crescer em Lisboa porque ainda estão a decidir sobre a capacidade aeroportuária, numa discussão que já dura há 20 anos. Mas temos um problema específico nas regiões conhecidas como ultraperiféricas, que incluem os Açores, a Madeira, as Ilhas Canárias, bem como outros lugares. E esses locais tinham um incentivo para a conectividade, termos de impostos ETS (taxas relativas às emissões de carbono). Esse benefício agora foi retirado, a pedido dos políticos do norte da Europa, alemães e holandeses, que – surpresa, surpresa – não têm nenhuma região ultraperiférica. Portanto, não têm interesse nisso. E isso está a aumentar os custos nos Açores e na Madeira. As taxas cobradas pela ANA subiram substancialmente, em 11%, e há uma taxa de segurança que aumentou.

- Certo. E?

- Nós somos dos que investem em conectividade, nós somos os maiores que o fazem nos Açores. Por isso estamos a dizer ao governo: vocês estão a deixar estes custos subirem quando outras regiões da Europa estão a tentar atrair tráfego. Atualmente, já não estamos a vender para a época de Inverno e a menos que o governo – e não conseguimos obter uma resposta de ninguém – resolva esses três problemas, bem… Então não vamos voar para Ponta Delgada.

- A partir de que data?

- A temporada de inverno começa no início de novembro. 

- A partir de novembro, a Ryanair deixará de voar a menos que a situação seja resolvida, é isso?

- Sim, mas não é apenas para a Ryanair, a propósito. Não procuramos isto apenas para a Ryanair. Isto aplicar-se-ia a todos os que voam para os Açores e para a Madeira. 

- Quais são as probabilidades de que se chegue a um acordo até o final do verão?

- Isso é um assunto da total responsabilidade do governo português. Nos últimos anos investimos substancialmente e tenho certeza de que as pessoas que vivem nos Açores investiram substancialmente quando trouxemos voos diretos, com aeronaves maiores vindas de Londres e de Nuremberg. E essas pessoas não teriam uma expectativa irracional de que essa conectividade iria continuar. Mas quando tens o governo que permite subir impostos numa altura em que outras regiões da Europa baixam impostos para atrair tráfego e facilitar a conectividade, o governo português está a permitir uma situação em que as regiões ultraperiféricas estão a perder a competitividade e deviam fazer alguma coisa. Caso contrário, vão acabar sem conectividade ou voltar aos maus velhos tempos dos ‘voos esqueletos’ para Lisboa e Porto.

- Mas não é um fim das operações por completo, certo?

- Haverá alguns serviços no verão, porque é mais lucrativo ir no verão, mas não no inverno. No inverno, os preços dos bilhetes caem substancialmente. Mas os custos estão a aumentar. 

- Ok. Deixe-me dar um passo atrás. A Ryanair voa para as Ilhas Canárias, certo?

- Sim. 

- E vocês não têm o mesmo problema por lá?

- Não, porque consigo cobrar bilhetes mais caros no Inverno. Os custos também estão a subir lá. Mas os bilhetes para lá são mais caros durante o inverno do que para os Açores, por razões óbvias. E há outras coisas: os espanhóis não aumentaram os custos do aeroporto em 11% e não aumentaram as taxas de segurança. E estão mais bem estabelecidos como um destino de sol para o inverno, enquanto os Açores estão num mercado diferente. É mais nicho.

- Mas as taxas pelas emissões de carbono também se aplicam lá…

- Sim, tem razão. As Ilhas Canárias são agora mais caras para nós, por causa do ETS nas regiões ultraperiféricas. Mas não tanto que esteja disposto a cancelar os voos para lá no inverno. É um racional comercial, puramente comercial. Você não consegue bilhetes mais caros no inverno nos Açores. As taxas são mais altas e e estão a crescer substancialmente mais do que em Espanha. Na verdade, a Espanha não vai aumentar as tarifas [aeroportuárias] até 2027. 

- Se a Ryanair mantiver a sua posição, qual seria a melhor maneira de o governo regional resolver o assunto?

- Acho que o governo regional, e mais ainda o governo central, precisam de apoiar as regiões. E o Jornal Económico, como publicação económica, entenderá que uma das únicas razões pelas quais a Ryanair voa tanto para lugares como os Açores enquanto outros não, é porque só podemos fazer isso com tarifas muito mais baixas. E só pode fazer isso se seus custos unitários forem mais baixos. E é nisso que somos bons, certo? E fizemos isso a longo prazo. É muito marginal para nós no Inverno e em muitos lugares perdemos dinheiro durante o inverno. Mas se você está a entrar num período de Inverno em que os custos do aeroporto estão a subir 11%, as suas taxas de segurança estão a subir numa quantia semelhante e o ETS [esquema comunitário que permitia às companhias não pagar tantas taxas por causa das emissões de CO2 nas regiões ultraperiféricas, como a Madeira e os Açores] já aí está, e não estava. Na verdade, estão a pôr os pregos no caixão da conectividade para lá. E então há três coisas a chegar ao mesmo tempo, e [o Governo] precisa de os anular.

- Como?

- É muito fácil de reverter isso.

- Estamos a falar em termos gerais. O Governo Regional disse recentemente que estão a iniciar negociações com a Ryanair para resolver a situação. O que estão a pôr em cima da mesa para resolver a situação?

- Bem, eles não fizeram nada! Não fizeram nada! Quero dizer, temos pedido [uma revisão] da taxa de segurança. O regulador disse ao governo para retirar a taxa de segurança, isso foi há dois meses e eles não fizeram nada a esse respeito. Portanto, eles permitiram que fosse cobrada a taxa de segurança. Eles permitiram à ANA que aumentasse as taxas aeroportuárias em 11% e nada fizeram para impedir o fim da isenção do ETS [taxas sobre as emissões] para as regiões ultraperiféricas. Todas essas são decisões governamentais. Nós somos uma organização comercial e temos que tomar decisões racionais. Temos voado para os Açores desde há muitos, muitos anos. Então, por que razão é que agora isto é um problema óbvio? Ele entrou na ordem do dia por causa desses três aumentos de custo a ocorrer ao mesmo tempo. Não é uma questão de negociarmos com eles. É aritmética muito simples: não aumentem os custos e retirem os aumentos. E então, sim, há possibilidades de que a nossa companhia aérea continue a voar para lá.

- Mas vamos concretizar: o que teria de descer por passageiro, por cada assento disponibilizado pela Ryanair?

- São custos cobrados por passageiro.

- Quanto é que teria que descer para começar a fazer sentido para a Ryanair?

- Pois bem, primeiro reverter o aumento de 11% das taxas aeroportuárias, livrar-se da taxa de segurança – que o regulador já indicou ao governo para fazer – e o governo tem de arranjar algum tipo de incentivo que compense o fim do atual sistema ETS para as regiões ultraperiféricas.

- O que pretendo é saber quanto é que esse incentivo tem de ser.

- Eles sabem tudo isso.

- Mas eu não sei. E gostaria de poder informar os meus leitores sobre quanto custaria.

- Em termos gerais, o ETS representa cerca de 10 euros por passageiro, o aumento das taxas aeroportuárias este ano representa cerca de 1,30 euros por passageiro e a taxa de segurança aumentou 1,74 euros para um passageiro.

- Em termos gerais, isso dá 13 euros por passageiro.

- É isso, sim. Cerca de 13 euros por passageiro. Isso colocaria a situação no ponto em que estava antes dos aumentos.

- E com os 13 euros por passageiro, faria sentido à Ryanair continuar a voar para os Açores no Inverno?

- Sim, absolutamente. Repare no que fizemos este ano, em que temos muitos aviões a chegar. Recebemos mais 51 aviões este ano e pusemos dois adicionais em Faro e dois no Porto, onde os aumentos das taxas aeroportuárias foram menores. Foram substancialmente menores.

- Quantos passageiros é que a Ryanair transportou de e para os Açores no último inverno?

- Um pouco mais de 300 mil passageiros, 150 mil chegadas e 150 mil partidas.

- Portanto o governo teria de compensar a Ryanair com 13 euros por cada um destes 300.000 mil passageiros no Inverno e isso depois continuaria no verão.

- Nós não estamos a pedir esse dinheiro. É aqui que as pessoas se confundem: não estamos à procura de um subsídio. Estamos a pedir que as taxas não sejam aumentadas. E isso será extensível a todas as companhias aéreas, não só para a Ryanair. É só o que estamos a dizer.

- Para a Ryanair não é um subsídio, mas é um incentivo para manter a mesma situação que tinha anteriormente. Mas do ponto de vista dos nossos leitores, dos contribuintes, sobretudo nos Açores, é algo que vai pesar sobre eles.

- Em nome da justiça para com todos os contribuintes e não contribuintes portugueses, todos os homens, mulheres e crianças pagaram 350 euros para resgatar a TAP, que agora é mais pequena do que quando começou. E vai ser vendida aos espanhóis por cerca de um euro daqui a uns cinco anos.

- Todos estamos cientes disso, mas agora não estamos a falar da TAP. E sim da situação da Ryanair nos Açores.

- A questão mais ampla que se põe aqui é que voamos para 240 aeroportos em toda a Europa. E Portugal é uma pequena, mas importante, parte desse puzzle. É um ótimo destino interno para o turismo. Abrimos a base da Madeira no ano passado e já lá estive umas três vezes. Nunca estive nos Açores, mas na Madeira, quando olho para ela, é um local fantástico para viajar durante todo o ano. A companhia aérea nacional portuguesa nunca investiu nisso. Metemos 200 milhões de dólares em aeronaves lá. Ninguém mais baseou aeronaves lá. Pusemos lá o centro de formação. E tudo o que pedimos, como em qualquer negócio e como a maioria dos seus leitores deseja, é estabilidade de custos, para que você possa planear. Porque tenho que lidar com o custo flutuante do petróleo. A maioria dos nossos custos no sector são relativamente fixos, são os mesmos em toda a Europa. Portanto, o preço por aeronave para nós não importa onde a colocamos na Europa, porque é basicamente o mesmo (Jornal Económico texto do jornalista Nuno Vinha)

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