quarta-feira, julho 19, 2023

Justiça: Pinto Moreira sai do Parlamento após dois meses de inércia do PSD

A direcção social-democrata já tinha retirado a confiança política ao antigo autarca, mas só esta terça-feira, pela primeira vez, Miranda Sarmento falou em recorrer ao Conselho de Jurisdição. Joaquim Pinto Moreira vai renunciar ao mandato de deputado no final da actual sessão legislativa por considerar que não reúne "as condições pessoais e políticas" para continuar na Assembleia da República (AR). O antigo autarca diz ainda pretender proteger a integridade do partido. Termina assim a novela iniciada a 26 de Maio, quando Pinto Moreira anunciou o regresso ao Parlamento.

Apesar de o partido lhe ter retirado a "confiança política", só depois de uma reunião extraordinária da bancada, esta terça-feira, o líder parlamentar Joaquim Miranda Sarmento aludiu, pela primeira vez, à possibilidade de "ponderar" recorrer ao Conselho de Jurisdição do PSD. Justificando nada poder fazer para remover o deputado do grupo parlamentar, Miranda Sarmento disse, no fim da reunião: "Vamos ponderar [fazer queixa ao Conselho de Jurisdição]. Já dissemos que o deputado não deveria estar a exercer funções, mas o lugar de cada deputado é pessoal, e bem."

A pressão pública era grande, a partidária nem por isso. Mas esta terça-feira, finalmente, Pinto Moreira, depois de serem revelados extractos de escutas em que o antigo presidente da Câmara de Espinho dizia que levava "25 mil euros" por cada "démarche", decidiu renunciar. "Apresentarei no final da presente sessão legislativa ao senhor presidente da Assembleia da República a renúncia ao meu mandato de deputado. Faço-o por decisão exclusivamente individual, uma vez que não estão reunidas as condições pessoais e políticas para exercer as funções em que fui investido na corrente legislatura e porque reconheço ser esta a atitude que melhor protege a minha integridade pessoal, assim como a do meu partido, do seu líder e da respectiva bancada parlamentar", lê-se num comunicado divulgado na tarde desta terça-feira.

Menos de uma semana depois de ter sido acusado pelo Departamento de Investigação Acção Penal Regional do Porto dos crimes de corrupção passiva agravada, tráfico de influências e violação das regras urbanísticas no âmbito da Operação Vórtex, Joaquim Pinto Moreira decide abandonar a Assembleia da República, uma decisão que transmitiu também aos líderes do partido e do grupo parlamentar. Joaquim Pinto Moreira disse ao PÚBLICO que pondera regressar à Assembleia da República para estar presente, na quinta-feira, no debate do estado da nação, para se despedir da bancada parlamentar social-democrata e também para recolher os seus haveres.

O ainda deputado revela ter decidido renunciar ao mandato na segunda-feira e afirma que, fechado este capítulo de passagem pelo Parlamento, vai regressar a Espinho onde tem um escritório de advocacia. Quanto a futuros desafios políticos, garante não estar interessado.

"Pela segunda vez, em escassos meses, assumo responsabilidades políticas pelo processo judicial em que estou envolvido. Contrariamente a outros deputados, autarcas e outros responsáveis políticos que, partilhando iguais ou piores circunstâncias judiciais, se mantêm candidamente em funções, sou consequente com o quadro ético que sempre defendi para o exercício de cargos públicos e consciente das minhas obrigações cívicas. Não pratico um discurso exigente para os outros e benevolente para comigo próprio", diz no comunicado, aludindo ao facto de em Março ter suspendido o mandato de deputado após ter sido constituído arguido por suspeitas de corrupção.

Pinto Moreira refere ainda que repudia qualquer "julgamento de carácter" que dentro ou fora do PSD procurem fazer sobre este caso, questionando a forma como retomou o exercício de funções parlamentares e dirigindo ataques à sua "honorabilidade e dignidade pessoal". E acrescenta que as decisões foram tomadas com "total liberdade, coerência e sentido de responsabilidade, ponderando os deveres, mas também os direitos" que lhe assistem enquanto cidadão.

E conclui: "Sou um convicto defensor do princípio da presunção de inocência para todos os cidadãos e em todas as circunstâncias. Não apenas quando é conveniente ou popular fazê-lo, rasgando vestes contra os chamados 'julgamentos de tabacaria'."

Afirmando ter absoluta convicção de ter agido sempre no cumprimento da lei, o ainda deputado, que chegou a ser vice-presidente da bancada do PSD, diz que irá demonstrar isso mesmo no tempo e local próprios, a começar pelo eventual requerimento para abertura da instrução do processo. "Considero desprezível a forma como foram libertadas informações para a comunicação social, patrocinando um julgamento mediático indecoroso e atentatório da minha dignidade pessoal, que ademais não serve o nosso estado de direito e abala a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas", atira ainda no comunicado.

Deputados queriam mais acção do partido

A situação do deputado Joaquim Pinto Moreira não passou ao lado da reunião do grupo parlamentar do PSD, promovida por um grupo de 30 deputados que decorreu esta terça-feira. Cinco dias depois de o deputado do PSD ter sido acusado por dois crimes de corrupção agravada, um de tráfico de influência e outro de violação das regras urbanísticas, no âmbito da Operação Vórtex, e antes de ser conhecida a renúncia, alguns parlamentares aproveitaram para questionar o líder da bancada sobre a situação de Pinto Moreira.

O deputado Ricardo Sousa questionou Miranda Sarmento sobre o que é que o partido pretendia fazer mais, isto depois de lhe ter sido retirada a confiança política. Reiterando que o mandato é pessoal, ou seja, é do deputado, o líder do grupo parlamentar disse que o partido não poderia fazer mais, mas Paulo Mota Pinto atalhou dizendo que não era verdade e que pode ser feita uma queixa ao Conselho de Jurisdição Nacional, considerado o tribunal do partido.

Perante esta possibilidade, Miranda Sarmento declarou: “Vamos ponderar. Já dissemos que o deputado não deveria estar a exercer funções, mas o lugar de cada deputado é pessoal."

Pinto Moreira viu o partido retirar-lhe a confiança política por ter regressado à Assembleia da República sem articular a sua decisão com a direcção social-democrata, mantendo o seu lugar na bancada. Voltou ainda a integrar duas comissões parlamentares.

Não houve cordão sanitário

Ao ser questionado sobre se não existem mecanismos no grupo parlamentar que permitiriam a sua exclusão da bancada, por violação de deveres éticos, Miranda Sarmento não teve uma resposta clara, afirmando, segundo relatos ouvidos pelo PÚBLICO, que "todas as pessoas têm o direito à presunção de inocência (…) e que no caso da acusação definitiva manter os mesmos crimes, a suspensão do mandato será obrigatória, tendo em conta a moldura penal dos crimes".

No entanto, o PSD aprovou há um ano um regulamento interno (Julho de 2022) em que obriga os seus deputados a "exercer as suas funções parlamentares com elevação institucional e no respeito dos exigentes padrões éticos e de conduta, abstendo-se de qualquer comportamento que, ainda que indirectamente, desprestigie o grupo parlamentar".

A direcção optou por não propor ao grupo parlamentar uma declaração de "exclusão do grupo parlamentar" – prevista nesse regulamento, mas não no estatuto dos deputados – porque a "exclusão" exige a "comprovada violação grave de deveres éticos e de conduta" e isso, segundo fonte do grupo parlamentar do PSD, "não está comprovado". Ou seja, apesar de o PSD não poder afastar unilateralmente o deputado do Parlamento – porque o mandato é pessoal –, a direcção social-democrata não usou todos os mecanismos ao seu dispor para, politicamente, estabelecer um cordão sanitário à volta do antigo autarca.

​A reunião desta terça-feira, que decorreu à porta fechada, foi requerida ao abrigo de uma disposição do regulamento interno da bancada, que permite a sua convocação extraordinária a pedido de um terço dos deputados, com os parlamentares a entenderem que "há momentos que, não apenas exigem, como obrigam" a que o grupo parlamentar se "reúna no mais breve prazo". Vários deputados desalinhados da actual direcção e liderança parlamentar consideram que o PSD devia ter dado mais apoio a Rui Rio depois de, há uma semana, o ex-líder do PSD ter sido alvo de buscas. Foi um encontro de tensão elevada, onde foi posta em causa a "lealdade" para com o antigo presidente do partido, num momento em que a liderança da bancada de Miranda Sarmento está a sofrer contestação interna (Publico, texto dos jornalistas Margarida Gomes e Ana Sá Lopes)

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