sábado, julho 22, 2023

Nova lei de finanças regionais é garantida? Quando? Por quem?

Numa altura em que Madeira e Açores iniciaram a discussão (esta semana) sobre uma eventual alteração da Lei de Finanças Regionais - eventual, na medida em que alteração depende de entendimentos partidários na Assembleia da República a quem cabo aprovar a nova eventual legislação e a mais nenhuma outra entidade política ou legislativa - recordo que estamos a falar de um documento legislativo que foi alterado, na sua versão original, pelo governo de José Sócrates, alterações que alegadamente penalizaram a Madeira originando uma forte contestação na Região culminada com uma crise política consubstanciada na demissão do Governo Regional de Alberto João Jardim, numa jogada política - lembro-me que na altura, ainda antes dessa decisão ter sido tomada, advoguei-a e defendi-a sem restrições, em textos de opinião então publicados. Uma demissão que inviabilizava no quadro parlamentar regional então existente, qualquer outra solução de governo, o que abriu portas, inevitavelmente, a eleições antecipadas, realizadas em 2007, e que reforçaram com mais de 90 mil votos a representação eleitoral e parlamentar do PSD-Madeira.

Recordo esses resultados, de 2007, ano em que entrou em vigor a nova leio eleitoral regional que impôs a eleição de deputados através de um círculo único:

·       Votantes – 140.721 (137.693 em 2004)

·       Abstenção – 39,5% (39,4%)

·       PSD – 90.339 votos, 33 deputados (73.904, 44 deputados)

·       PS – 21.679, 7 deputados (37.808, 19 deputados)

·       CDS – 7.512, 2 deputados (9.675, 2 deputados)

·       PCP – 7.659, 2 deputados (7.593, 2 deputados)

·       BLOCO – 4.186, 1 deputado (4.897, 1 deputado em 2004)

 

Como se constata, o PS-Madeira foi fortemente penalizado pelo processo de imposição à Madeira de alterações à lei de finanças regionais.

Nos anos seguintes assistimos a uma pressão crescente visando a introdução de alterações na versão de 2007 da Lei de Finanças Regionais, pretexto para repetidos "combates" políticos entre a Região e a República até que em 2010 foram aprovadas pela Assembleia da República as principais alterações, se bem que não na dimensão inicialmente imaginada.

Esse foi o pretexto para uma ameaça de crise política nacional, devido ao radicalismo do então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que considerou inconcebível que em apenas 3 anos o parlamento tenha aprovado alterações a uma lei que no plano financeiro e das relações Estado-Regiões, o ministro e José Sócrates consideravam essenciais.

Curiosamente na Assembleia da República a oposição reuniu-se contra o governo de José Sócrates e a aprovação da Lei de Finanças Regionais de 2010, com as alterações pretendidas pela oposição, mas rejeitadas por Sócrates e Teixeira dos Santos, colocaram Portugal sob a ameaça de uma crise política.

Aprovada a Lei das Finanças Regionais de Sócrates e Teixeira dos Santos

No dia 5 outubro de 2006 o governo de Lisboa, liderado por José Sócrates, aprovou a proposta de lei das Finanças das Regiões Autónomas, diploma que previa um corte máximo de 3,2% em 2007 na transferência global de verbas do OE para os Açores e Madeira.

Nesse dia o ministro de Estado e das Finanças, Teixeira dos Santos, mostrou-se pouco receptivo à possibilidade de admitir alterações à proposta durante o debate na especialidade, no Parlamento: "A Assembleia da República é soberana, mas o Governo fez o seu trabalho e esta é a sua proposta final", declarou.

O ex-ministro garantiu que o processo de elaboração do diploma "foi desde o início acompanhado por representantes das regiões autónomas" e que o Governo central inclusivamente tinha "incorporado já várias sugestões".

"Este processo não foi autista e não foi feito à revelia dos representantes das regiões autónomas", acentuou Teixeira dos Santos. A polémica estava ainda para surgir.

Contudo, a Assembleia Regional da Madeira recusou dar parecer à proposta de Lei das Finanças Regionais porque o pedido partiu do Governo central e não da Assembleia da República, como prevê a lei. Alberto João Jardim contestou a nova legislação, chegando ao ponto de "retaliar" assinando um despacho a determinar que os serviços do Estado paguem renda à região.

De acordo com as estimativas do ministro das Finanças, as regiões autónomas da madeira e dos Açores iam receber sem IVA em 2006, por custos de insularidade e fundo de coesão, 465 milhões de euros. "Em 2007, sem IVA, por custos de insularidade e fundo de coesão, as duas regiões vão receber 390,9 milhões de euros, o que representa uma redução de 5,9%", apontou então o governante.

No entanto, "se o IVA for incorporado - e estimando que será igual ao montante de 2006 (uma perspectiva conservadora) -, então as duas regiões vão receber em 2007 948 milhões de euros, menos 3,2% do que em 200", sustentou Teixeira dos Santos.

Uma amaça de “crise”, apenas isso

Recordo que o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, ameaçou demitir-se em Fevereiro de 2010, caso os deputados socialistas continuassem as negociações com a oposição para alterar a Lei das Finanças Regionais. Segundo o Público, “durante um encontro informal com deputados do PS, o ministro argumentou que com uma lei que fomenta a despesa, como a oposição, nomeadamente o PSD, defende, não teria condições para continuar no Governo. A ameaça terá causado mal-estar entre os socialistas e reforça os receios de mais uma coligação negativa entre os partidos da oposição, que podem aprovar a lei” o que veio a ocorrer. Segundo o deputado açoriano do PS, Vítor Baptista, a proposta que estava em cima da mesa, somados os efeitos do endividamento, custaria ao Estado 880 milhões de euros.

As alterações acabaram por ser aprovadas num processo que envolveu negociações entre partidos e governos, o recurso para o Tribunal Constitucional, as dúvidas sobre o então Presidente da República, Cavaco Silva, sobre este processo, etc. De facto, Cavaco Silva resolveu convocar em Fevereiro de 2010 uma reunião do Conselho de Estado, decisão tomada depois da insistência no cenário de demissão do Governo por causa da Lei das Finanças Regionais. Uma reunião de 5 horas, com comunicado final, e que apelou ao entendimento entre as partes.

Depois surgiu o escândalo da crise orçamental e financeira portuguesa de 2011, com o governo de Sócrates a falir o país e a ser obrigado a implorar a vinda da troika para intervir em Portugal, facto que acabou por causar problemas à Madeira, nomeadamente à sua política orçamental, num processo que culminou, depois das eleições de 2011 e da vitória do PSD de Passos Coelho, com a elaboração e imposição à Madeira do PAEF.

Como já referi, a versão da Lei de Finanças Regionais aprovada e imposta por Sócrates/Teixeira dos Santos (com o silêncio habitual e cúmplice do PS-Madeira e da sua liderança) em 2007 viria a ser alvo de repetidas investidas por parte do PSD para que alguns constrangimentos constantes do articulado, segundo os social-democratas, viessem a ser alterados. Recordo que tínhamos tido eleições legislativas nacionais em 2009, nas quais o PS, apesar de ter sido o mais votado, não obteve a maioria dos mandatos: socialistas com 97 lugares, PSD com 81, CDS com 21, Bloco de Esquerda com 16 e PCP com 15 deputados. Estávamos, 2009, em vésperas do escândalo da falência do país, protagonizada por um primeiro-ministro e um ministro das finanças, absurdo dos absurdos, que ao mesmo tempo que promoveram uma "guerra" política sem quartel por causa da lei de finanças regionais e a Madeira, se revelaram incompetentes (ou não?) incapazes para perceberem que estavam a afundar Portugal para a inevitável falência e o regresso da troika ao país. O que aconteceu em 2011.

Nas eleições de 2011 - depois do escândalo da falência do país e já com as alterações à lei de finanças regionais aprovadas em 2010 - o PSD de Passos Coelho seria o mais votado, mas sem maioria de mandatos: PSD com 108 lugares, PS com 74, CDS com 24, PCP com 16 e Bloco com 8.

Até 2015 - a coligação PSD-CDS é a mais votada mas sem maioria dos mandatos - foi o tempo da crise financeira, das restrições, da troika, da "perseguição" orçamental de Lisboa ao Funchal, devido as caso das alegada "dívida oculta" da Madeira, tempo este que culminou com a aprovação do PAEF. As eleições de 2015 - 107 deputados para PSD e CDS, 86 do PSD, 19 do Bloco, 17 do PCP e 1 do PAN - acabaram por levar o PS ao poder e ao governo central, a reboque do acordo parlamentar de esquerda que ficou conhecido pela "geringonça" entretanto extinta.

O que esta em causa?

Esta semana Madeira e Açores analisaram o tema num encontro ocorrido no Funchal, mas isso pouco ou nada significa, até porque haverá um grupo de trabalho com o envolvimento de Eduardo Paz Ferreira, reconhecido especialista nesta temática - presumo que o objectivo seja o de desencadear daqui a alguns meses um processo legislativo em São Bento que para ter sucesso, o que não é garantido pelo menos com a actual configuração das Assembleia da República, implica muitas negociações num quadro político-orçamental que não me parece ser, actualmente, muito favorável ao tema.

E quando digo que estas diligências pouco ou nada significam, digo-o por dois motivos: o primeiro porque o Ministro das Finanças segue uma rota orçamental que não permite antecipar qualquer cedência a reivindicações da Madeira e dos Açores neste domínio. O segundo item a considerar é que a Lei de Finanças regionais é aprovada apenas pela/na Assembleia da República. Acresce que admito que, caso as eleições regionais na Madeira, como tudo parece indicar, não corram ao PS-M da forma que este quer, que a "vendetta" socialista em Lisboa vai apenas confirmar a recusa em alterar a actual versão da LFR remetendo o tema para 2025 ou depois disso.

Ainda não sabemos, concretamente o que querem Madeira e Açores com a lei de finanças regionais, que alterações querem ver aceites, que critérios querem ver aplicados na definição das transferências anuais do OE - desconfio que quererão também contemplar o financiamento total ou parcial do Estado dos encargos regionais com sectores essenciais, regionalizados em 1976 mas que ao longo dos anos passaram a absorver cada vez mais recursos orçamentais regionais, casos da saúde e da educação, realidade financeira/orçamental que a febre autonomista e estatutária de 1976, a par de alguma imaturidade, esqueceu, desvalorizou ou recusou. Pessoalmente tenho muitas dúvidas que o Estado, quase 50 anos depois da autonomia regional consagrada em 1976, ceda neste domínio. Veremos.

LFR: algumas datas

  • ·       Lei nº 13/98 de 24 de Fevereiro - Assembleia da República - Lei de Finanças das Regiões Autónomas - Dispõe sobre as finanças das Regiões Autónomas, definindo os meios de que as mesmas dispõem para a concretização da autonomia financeira. Prevê que a articulação entre as finanças das Regiões Autónomas e do Estado seja assegurada por um Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, remetendo para despacho conjunto posterior a sua composição e funcionamento.
  • ·       Lei Orgânica nº 2/2013 de 2 de setembro - Assembleia da República - Aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas, revogando a Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro, que tinha sido alterada pelas Leis Orgânicas nº 1/2010, de 29 de março, e 2/2010, de 16 de junho, e pela Lei n.º 64/2012, de 20 de dezembro. Revogado o artigo 20.º da Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho.
  • ·       1999-08-02 - Portaria 585/99 - Ministério das Finanças - Define as regras e os procedimentos a adoptar relativamente às transferências para os orçamentos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira das verbas do Orçamento do Estado destinadas ao Fundo de Coesão para as regiões ultraperiféricas previsto no artigo 31.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.
  • ·       2002-06-29 - Lei Orgânica 1/2002 - Assembleia da República - Altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, denominada Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
  • ·       2002-08-28 - Lei Orgânica nº 2/2002 - Assembleia da República - Aprova a lei da Estabilidade orçamental. Alterada a Lei de Enquadramento Orçamental, a Lei de Finanças Locais e a Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
  • ·       2007-02-19 - Lei Orgânica 1/2007 - Assembleia da República - Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
  • ·       2008-05-21 - Acórdão nº 238/2008 - Tribunal Constitucional - Não declara a ilegalidade das normas contidas nos artigos 2.º, 3.º, 7.º, n.º 5, 19.º, n.º 1, 35.º, 36.º, 37.º, nº 2 a 7, 38.º, nº 2 e 3, 57.º, 62.º, n.º 1, e 66.º da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas)
  • ·       2008-11-17 - Acórdão nº 499/2008 - Tribunal Constitucional - Não conhece do pedido de declaração de ilegalidade fundado na violação do artigo 16.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas; não declara a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1, alínea c), 20.º e 59.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, na sua aplicação aos municípios da Região Autónoma da Madeira; não conhece do pedido de declaração de ilegalidade fundado na violação do artigo 112.º, n.º 1, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira
  • ·       2010-03-29 - Lei Orgânica 1/2010 - Assembleia da República - Altera (primeira alteração) a Lei Orgânica 1/2007, de 19 de Fevereiro, que aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, e procede à sua republicação.
  • ·       2012-02-13 - Resolução 8/2012 - Presidência do Conselho de Ministros - Conselho de Ministros - Cria o grupo de trabalho para a revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas e da Lei das Finanças Locais.
  • ·       2013-09-02 - Lei Orgânica 2/2013 - Assembleia da República - Aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
  • ·       2014-07-17 - Acórdão nº 467/2014 - Tribunal Constitucional - Decide não declarar a a ilegalidade da norma do artigo 59.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas.

5 mil milhões entre 211 e 2020

Em Fevereiro de 2022, o Dinheiro Vivo garantia, num texto do jornalista Luis Reis Ribeiro, que as regiões autónomas receberam 5 mil milhões do Orçamento nos últimos 10 anos (2011 a 2020). "O desequilíbrio orçamental dos Açores chegou a 8,7% do PIB regional e o défice da Madeira reapareceu e ficou em 2,8% em 2020, segundo o Conselho das Finanças Públicas.

As duas regiões autónomas portuguesas - Açores e Madeira - receberam cerca de cinco mil milhões de euros nos últimos dez anos (de 2011 a 2020) em transferências do Orçamento do Estado (OE) da República, ao abrigo da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, indicam dados novos do Conselho das Finanças Públicas (CFP). A Região Autónoma dos Açores (RAA) foi a mais beneficiada, com 2,8 mil milhões de euros, pois é a região mais pobre e necessitada, segundo os critérios observados pela referida lei. A Madeira obteve 2,2 mil milhões de euros em apoios do Estado central.

Segundo a lei das finanças regionais, estas transferências acontecem ao abrigo do "princípio da solidariedade nacional visa promover a eliminação das desigualdades resultantes da situação de insularidade e de ultraperiferia e a realização da convergência económica das regiões autónomas com o restante território nacional e com a União Europeia".

"A solidariedade nacional para com as regiões autónomas traduz-se em transferências do Orçamento do Estado" que visam também responder a "situações imprevistas resultantes de catástrofes naturais", diz a lei.

Garantia o jornalista do Dinheiro Vivo autor da peça que venho citando, que o apoio financeiro do OE se reveste de importância relevante para ambas as regiões. No caso da Madeira, o apoio significou uma injeção média anual de fundos do OE na ordem dos 4,8% do produto madeirense, revelam dados do CFP.

Segundo o jornalista do Dinheiro Vivo, "o saldo das contas públicas da Região Autónoma dos Açores (RAA) sofreu uma deterioração muito mais acentuada no ano da pandemia, em termos relativos (medido em proporção do produto interno bruto ou PIB), quando comparado com o da Madeira ou mesmo o saldo nacional português. Ou seja, o défice dos Açores afundou muito mais em 2020 (face a 2019), mostra o estudo do Conselho das Finanças Públicas (CFP)"

"No entanto, o fardo da dívida (também em percentagem do PIB) subiu muito mais na Madeira do que nos Açores ou em Portugal como um todo. Enquanto o défice do país (em contas nacionais, as que valem para Bruxelas e para os investidores estrangeiros em dívida pública) foi de 5,7% do PIB português em 2020, segundo as contas do CFP", escreve.

Concretamente foi revelado que o desequilíbrio orçamental da região dos Açores aumentou para 8,7% do PIB açoriano nesse ano de 2020 enquanto na Madeira, a diferença entre receitas e despesas foi de -2,8% do PIB desta região no primeiro ano da pandemia.

Dívida sobe mais na Madeira

Escrevia o Dinheiro Vivo que "o ano da pandemia também foi marcado, é óbvio, pela subida do peso da dívida pública nos vários PIB considerados. A resposta à pandemia requereu recursos avultados e isso reflete-se na herança do endividamento. Aqui, a situação degradou-se mais, em termos relativos, na Madeira, que já tinha um histórico muito negativo das contas regionais do tempo da troika.

O programa de resgate obrigou ao reconhecimento de inúmeras e avultadas dívidas e prejuízos públicos por parte do governo regional, na altura liderado por Alberto João Jardim. Assim, a dívida da RAM atingiu um pico de 112,9% do PIB regional em 2015"

"Em 16 de setembro de 2011, o INE e o Banco de Portugal comunicaram que a RAM tinha procedido a vários Acordos de Regularização de Dívidas entre 2008 e 2011 respeitantes a despesas realizadas em anos anteriores e não reportadas às autoridades estatísticas, o que suscitou uma correção à despesa e dívida da RAM", recorda o CFP. As subidas foram muito expressivas. Mas desde 2015 que a dívida tem vindo a descer, fixando-se em 91% em 2019, um dos valores mais baixos dos últimos anos. Mas com a pandemia, o rácio voltou a dar um salto, desta feita para 114,5% em 2020, indica o CFP"

Conselho de Finanças Públicas opina…

Num texto intitulado "Evolução das Finanças das Regiões Autónomas no período 2011-2020" o Conselho das Finanças Públicas escreveu: "Num período marcado pela aplicação do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) a Portugal entre 2011 e 2014 e mais recentemente pelos efeitos económicos e sociais desencadeados pela crise pandémica, a situação orçamental e financeira das Regiões Autónomas alterou-se, refletindo trajetórias distintas de evolução das suas finanças, com implicações na sua sustentabilidade futura" (...)

"A Região Autónoma da Madeira (RAM), após ter atingido em 2010 o défice em contas nacionais mais elevado da sua história (26,9% do PIB da RAM) e de um défice de 15,9% do PIB da região em 2011, alcançou uma posição orçamental excedentária a partir de 2013, o que permitiu sustentar uma trajetória de recuperação das contas públicas até 2019. A superação das metas anuais para o saldo em contas nacionais estabelecido no PAEF-RAM permitiu obter até ao final do programa (2015) uma trajetória de excedentes orçamentais sustentada por saldos primários positivos que se prolongaram até 2019.   

Fruto da redução do défice orçamental, a dívida global da RAM iniciou a partir de 2016 uma trajetória descendente até à eclosão da crise pandémica. A regularização dos valores em dívida e a redução dos encargos de despesa atrasada foram determinantes para iniciar a redução da dívida. Em termos do PIB da região, a dívida da RAM, na ótica de Maastricht, registou uma diminuição de 112,9% em 2015 para 91% em 2019, uma evolução essencialmente determinada por excedentes primários que nesse período totalizaram 17,1 p.p. do PIB da região.

Em 2020, a RAM apresentou um défice orçamental de 2,8% do PIB da região (na ótica da contabilidade nacional) e a dívida na ótica de Maastricht elevou-se para 114,5% do PIB da região, um agravamento de 23,6 p.p. do PIB face a 2019.

No que se refere à observância da conformidade das regras orçamentais e do limite à divida estabelecida na Lei de Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) de 2013, a informação existente aponta para o incumprimento da regra de equilíbrio orçamental e do limite da dívida em ambas as Regiões Autónomas em 2018 e 2019, não obstante naqueles dois anos a RAM ter registado uma redução do excesso de dívida".

E conclui o CFP: "A aplicação das novas regras de disciplina orçamental introduzidas pela LFRA suscitou problemas diversos na sua operacionalização, em particular quanto ao cálculo dos indicadores, que apenas foram resolvidos quatro anos após a entrada em vigor da lei, com a aprovação de um documento metodológico em 2018".

Propostas do CFP?

Em Fevereiro de 2022 foi noticiado que o Conselho das Finanças Públicas reclamava que as regiões autónomas cumprissem as regras orçamentais nacionais no pós-pandemia. Ou seja, segundo o CFP, "dada a disparidade de regras orçamentais entre as regiões autónomas e o conjunto das Administrações Públicas, o Conselho das Finanças Públicas defende uma aproximação. Entre outras regras, Açores e Madeira devem ter um limite à dívida em linha com o PIB de cada região autónoma".

O Conselho das Finanças Públicas (CFP) quer que Açores e Madeira alinhem pelas regras orçamentais nacionais no pós-pandemia, introduzindo um limite à dívida em linha com o PIB regional, entre outras.

Segundo um trabalho da presidente do CFP, Nazaré da Costa Cabral, e do vogal não-executivo Carlos Marinheiro "as regras orçamentais aplicáveis às regiões são substancialmente diferentes" das exigidas ao conjunto das Administrações Públicas. Por isso, depois da crise pandémica, que alterou radicalmente a situação económica nacional e regional e "inviabilizou, por ora, a continuidade ou o regresso ao reforço da sustentabilidade das finanças regionais", os autores defendem que "importaria alinhar as regras aplicáveis às regiões autónomas com as aplicáveis ao conjunto das Administrações Públicas".

Notas finais

Recomendo, aos interessados no tema, a leitura do documento do Conselho de Finanças Públicas intitulado "Regras de disciplina orçamental previstas na Lei de Finanças das Regiões Autónomas" porque ajuda a perceber alguns itens relacionados com esta temática.

Finalmente ilustrei este texto com cinco quadros sobre as transferências para as duas Regiões Autónomas, que elaborei tendo por base os dados oficiais constantes das propostas de Orçamento do Estado apresentadas pelos sucessivos governos centrais na Assembleia da República (LFM, texto publicado no Tribuna da Madeira de 21.7.2023)

Sem comentários: