domingo, julho 23, 2023

Lagarde e ‘falcões’ do BCE sob pressão para pausa na subida dos juros em setembro

A nova desaceleração da inflação em junho na zona euro veio acalentar a expectativa nos mercados que o Banco Central Europeu (BCE) possa fazer uma paragem no ciclo de subida dos juros em setembro. Em relação à reu­nião da próxima semana, a 27 de julho, os dados parecem estar lançados desde a última reunião do Conselho, tendo sido antecipado que haveria mais um aumento de 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual) nos juros. A atenção dos investidores virou-se para depois do verão. A inflação desce há três meses seguidos na zona euro, registando 5,5% em junho, o nível mais baixo desde o pico de quase 11% em outubro do ano passado. O auge do surto inflacionista parece ficar cada vez mais para trás, mas há duas pedras irritantes na engrenagem — a resistência de a inflação subjacente (excluindo do índice geral as componentes mais voláteis) descer convincentemente e a subida dos preços no sector dos serviços. De facto, em junho, a inflação subjacente subiu para 5,5%, com o Eurostat, esta semana, a rever em alta a estimativa inicial de 5,4%. O organismo de estatística da União Europeia confirmou, por outro lado, que a inflação no sector dos serviços subiu para 5,4%, o nível mais alto deste surto inflacionista. Estes dois comportamentos alimentam a resistência de muitos membros do Conselho do BCE em consentir uma paragem nos juros, apesar de o Fundo Monetário Internacional ter divulgado recentemente que prevê em 2023 uma recessão para a Alemanha, a maior economia do euro, e uma derrapagem do conjunto da zona da moeda única para um crescimento da economia medíocre de apenas 0,9%.

A resistência a uma pausa reforça-se, também, pela enorme diversidade de níveis de inflação dentro da zona euro. Nos 20 membros do euro, a subida dos preços em junho foi de 1% no Luxemburgo e 1,6% em Espanha até 9% na Estónia e 11,3% na Eslováquia. Mas mesmo no ‘centro’ da zona euro, a Alemanha registou uma aceleração da inflação de 6,3% para 6,8%, o que deixa o Bundesbank, o mais poderoso banco central do grupo, numa situação desconfortável para pensar em alívio no aperto monetário. Não por acaso, as economias que registam taxas de inflação mais elevadas, acima da média de 5,5% da zona euro, têm bancos centrais que são liderados por ‘falcões’. As vozes mais duras contra o horizonte de um alívio no aperto têm vindo dos bancos centrais dos Países Baixos, da Áustria e da Alemanha, secundados por bancos centrais de menor peso, nomeadamente nas economias de Leste integradas no euro, que enfrentam surtos inflacionistas mais graves mas que não têm riscos de stresse de endividamento público. Muitas delas registam inclusive rácios da dívida no Produto Interno Bruto abaixo da linha vermelha dos 60%.

MENOS INFLAÇÃO, MAS MAIS DÍVIDA

Em flagrante contraste encontra-se o grupo de economias com níveis de endividamento acima de 100%, que, no entanto, registaram em junho níveis de inflação abaixo da média da zona euro, com exceção de Itália. Nos casos de Espanha e da Grécia, a inflação caiu para 1,6% e 2,8% respetivamente, níveis particularmente baixos, a que se juntou o Luxemburgo, Bélgica e Chipre. A inflação em Portugal e na Irlanda ficou abaixo de 5%.

Excluindo a Irlanda, que tem um nível de endividamento muito baixo (40,5% do PIB), às economias com dívida acima de 100%, a onda de subida excessiva dos juros pelo BCE é uma dor de cabeça. Sincronizada com a descontinuação a partir de 1 de julho do grosso dos reinvestimentos dos títulos que o BCE tem em carteira (ligados ao programa lançado por Mario Draghi em 2015), o aperto monetário significa endividamento mais caro, mais juros anuais a pagar e menos dívida na mão do BCE (que serve de guarda-chuva aos movimentos especulativos dos investidores). O custo médio de emitir nova dívida portuguesa já saltou de 1,7% no ano passado para 3,5% nos primeiros cinco meses deste ano.

Não se estranha, por isso, que o grupo de ‘pombas’ dentro do BCE reúna os responsáveis dos bancos centrais de Chipre, Espanha, Grécia e Portugal, a que se junta Itália e mesmo a Irlanda, apesar do nível de endividamento baixo. Há que recordar que a Irlanda, o famoso ‘tigre’ da zona euro, enfrenta uma situação de recessão técnica, com quebras do PIB em cadeia no último trimestre do ano passado e nos primeiros três meses deste ano.

A SEGUIR

Novas previsões do FMI

Dia 25 de julho, o Fundo Monetário Internacional divulga em Washington a atualização das previsões macroeconómicas para 2023. Recentemente publicou as análises anuais à economia alemã e da zona euro, apontando para este ano para uma recessão na maior economia do moeda única e para um crescimento muito fraco, de 0,9%, no conjunto dos 20 membros do euro.

Reunião do BCE a 27 de julho

O Conselho do Banco Central Europeu reúne-se em Frankfurt na próxima quinta-feira, tendo sido antecipado que deverá subir os juros em 25 pontos-base. No dia anterior, a Reserva Federal norte-americana decidirá se mantém a pausa na subida dos juros ou se faz novo aumento.

Reunião do BCE a 14 de setembro

Os analistas admitem que haja um compromisso para fazer uma paragem na subida dos juros (Expresso, texto do jornalista JORGE NASCIMENTO RODRIGUES)

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