segunda-feira, julho 17, 2023

Portugueses ainda pagam IRS do tempo da troika


Quem acha que com a eliminação da sobretaxa do IRS a austeridade imposta nos tempos da troika desapareceu está enganado. A sobretaxa foi de facto eliminada, “mas há que notar que quase 70% dos portugueses não foram sequer afetados pela medida, porque foi aplicada a partir de determinados rendimentos. Ou seja, acabar com este extra também não os beneficiou”, sinaliza Luís León, fiscalista e cofundador da consultora Ilya, lembrando que cerca de metade dos agregados familiares em Portugal não paga IRS porque tem rendimentos baixos. O que quer dizer que se não são afetados pelos aumentos de impostos, também não beneficiam quando a carga fiscal desce, panorama que se antecipa para 2024, como já foi avançado pelo Governo.

Perduram desde a troika as taxas adicionais de solidariedade, a redução dos rendimentos brutos que estão sujeitos a uma taxa máxima de imposto — antes do resgate financeiro só a partir de cerca de €150 mil ­anuais é que se atingia o último escalão e hoje os atuais 48% aplicam-se a partir dos €78 mil —, a taxa sobre as mais-valias mobiliárias nos 28% (era de 10%), o limite global às deduções à coleta (saúde, habitação ou educação) e desde 2010 que não é mexida a dedução específica do rendimento do trabalho e das pensões, que se mantém nos €4104. A ‘contabilidade’ é feita por Luís Léon, que sobre o desdobramento dos escalões levados a cabo pelos Governos socialistas no pós-troika faz notar que se manteve “sempre a taxa mais alta para o limite superior de rendimentos e só desceram a inferior, o que na prática limita o impacto da redução do IRS”.

Também Serena Cabrita Neto, advogada e docente universitária na área do direito fiscal, critica o “brincar” dos Governos com os escalões do IRS, cujo número é reduzido ou aumentado como “um harmónio”, sem que isso tenha “efeito económico” na carteira das pessoas. “Podem fazer as manobras que quiserem nas taxas médias, mas sem descerem as taxas marginais o impacto é reduzido”, explica a especialista.

A taxa adicional de solidariedade é aplicada quando o rendimento coletável supera os €80 mil, ascendendo a 2,5% entre os €80 mil e os €250 mil e a 5% acima deste patamar. Segundo as estatísticas da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2021 este adicional abrangeu 21.848 agregados e gerou €56,82 milhões. Já o limite global nas deduções à coleta veio impor um travão ao desconto no IRS via montantes máximos, que variam entre os mil euros e um máximo de €2500 — só estão livres destes espartilhos os contribuintes com rendimentos brutos até €7479. “Esta era uma medida temporária que, entretanto, passou a constar do Código do IRS”, assinala Serena Cabrita Neto.

No que respeita ao congelamento da dedução específica, o efeito é de que sempre que os salários aumentam e não se atualizam os escalões do IRS ao valor da inflação (tem acontecido em vários anos, como em 2022, o que terá custado mais de €500 milhões aos contribuintes, segundo o Conselho das Finanças Públicas), as pessoas perdem rendimento via IRS, porque passam para o escalão seguinte de tributação e pagam mais imposto.

3,2 MIL MILHÕES EM IRS

O “enorme aumento de impostos” protagonizado pelo ministro das Finanças do Governo PSD/CDS Vítor Gaspar fez subir a receita de IRS em mais de €3,2 mil milhões de 2012 para 2013, de acordo com a Direção-Geral do Orçamento (DGO). Além disso, recorde-se que a eliminação da sobretaxa do IRS teve como contrapartida a subida do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, do Imposto do Selo e do Imposto sobre o Tabaco.

Os números mais recentes da DGO dão conta de que as Administrações Públicas registaram um saldo orçamental de €962 milhões até abril, numa melhoria de €1657 milhões, fruto do aumento da receita em 9,5%, superior ao da despesa, que cresceu apenas 3,6%. O contributo da receita fiscal foram mais €1568 milhões entre janeiro e abril, face aos mesmos quatro meses de 2022, ou seja, um incremento de 10%.

Fernando Medina renovou, esta semana, a promessa de descida de impostos, numa audição na Comissão de Orçamento e Finanças: “Mantendo-se esta solidez, traduziremos estes benefícios numa redução de impostos, como previsto no Programa de Estabilidade”, afirmou o ministro das Finanças. E concretizou: “Desenvolveremos uma política de desagravamento fiscal, nomeadamente ao nível do IRS e sobre os rendimentos do trabalho.” Na apresentação do Programa de Estabilidade, em abril, Medina mencionou o IRS Jovem.

Serena Cabrita Neto considera que a redução da carga fiscal deveria estar centrada em dois alvos: os jovens e o talento. A fiscalista sugere descida de taxas, benefícios fiscais ou mudanças nas deduções que permitam aliviar estas duas camadas da população. No caso dos profissionais mais qualificados, menciona que é necessária uma medida para equilibrar o Programa Regressar — que atribui apoios aos emigrantes para voltarem a Portugal — e que evite a saída de quadros valiosos, muitos deles jovens.

Já para Luís Léon a possível folga orçamental para este ano deveria ser usada para “abater, o mais rápido possível, a dívida pública”. Porque só “se pagarmos menos juros poderemos baixar os impostos de uma forma sustentada. Caso contrário, vamos andar em exercícios de dá daqui e tira dali” (Expresso, texto da jornalista ANA SOFIA SANTOS)

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