sexta-feira, novembro 07, 2025

Passos oficializa rutura com o montenegrismo. Adversários desconfiam dos planos do antigo primeiro-ministro

Passos já não esconde desilusão com incapacidade reformista do atual Governo. Adversários veem novas críticas como vontade de condicionar futuro pós-Montenegro. Mas há quem desvalorize. "Nada mudou." Pedro Passos Coelho anda por aí. Para onde vai e o que verdadeiramente quer, ninguém arrisca dizer. Os mais próximos garantem que é só um “homem livre” a dizer o que pensa, sem qualquer agenda secreta. Os adversários internos (ou, pelo menos, os mais céticos) advinham-lhe intenções de se posicionar para um futuro pós-Luís Montenegro. Num ponto, todos concordam: continua a ser suficientemente apelativo (para uns) e incómodo (para outros) para ser ignorado.

Ao Observador, fonte próxima de Pedro Passos Coelho garante que “nada” se alterou e que o antigo primeiro-ministro continuará a aparecer no espaço público independentemente das “teorias conspirativas” que se construam sobre os seus planos. Está fora da política ativa e assim permanecerá, ainda que preservando sempre os seus direitos de intervenção na vida pública. “Não vale a pena perder tempo com esse assunto”, despacha a mesma fonte. Em breve, sabe o Observador, Passos assinará o prefácio do livro de Carlos Carreiras, agora ex-presidente da Câmara Municipal de Cascais, e participará no evento “Encontros improváveis: Conversas com Fé”, a 16 de novembro.

“Está a posicionar-se para o futuro pós-Luís Montenegro. Parece-me óbvio”, contrapõe ao Observador fonte próxima do atual primeiro-ministro. Mesmo que o calendário seja complexo, a lógica é relativamente simples: toda a atual e futura geração de quadros do PSD foi cooptada pelo montenegrismo, está dentro do Governo ou orbita em torno dele; quando se der uma mudança de ciclo, e mudança, em política, é sempre inevitável, Pedro Passos Coelho estará sozinho no campo da alternativa. Mais: como em qualquer transição de poder no PSD, será feita em rutura com a linha dominante.

Conspiração ou não, o certo é que um bater de asas de Passos tem conseguido provocar pequenos tornados em várias latitudes políticas. Foi assim quando apareceu (por duas vezes) ao lado de Marco Almeida, na corrida a Sintra, foi assim quando apareceu ao lado de Suzana Garcia, na Amadora, e foi assim quando não apareceu ao lado de Carlos Moedas, em Lisboa, num sinal inequívoco de que o primeiro-ministro não morre de amores pelo presidente da Câmara de Lisboa. Já tinha feito estragos quando, em declarações ao Expresso, sugeriu que não vai apoiar Luís Marques Mendes, e, mais recentemente, na apresentação do livro de Miguel Morgado, o seu verdadeiro delfim, fez um verdadeiro ajuste de contas com António Costa e a sua política de imigração.

Tudo isto num par de semanas, intensidade estranha para quem vinha a gerir com parcimónia as suas participações públicas. Mas o que disse na sua mais recente aparição, no Congresso Internacional do Cooperativismo, pertence a outra categoria. Pela primeira vez, o antigo primeiro-ministro atingiu em cheio Luís Montenegro e sugeriu publicamente que o seu sucessor, com quem cortou há um par de anos, estava a ser pouco mais do que um António Costa aditivado. Quem conhece Pedro Passos Coelho não ficou exatamente surpreendido, porque sabe que esta é há muito a opinião do próprio; o que impressionou mais o universo social-democrata foi a violência com que o disse publicamente.

Fonte próxima de Passos garante que “nada” se alterou e que continuará a aparecer no espaço público independentemente das “teorias conspirativas” que se construam sobre os seus planos. “Está a posicionar-se para o futuro pós-Luís Montenegro. Parece-me óbvio”, sinaliza ao Observador fonte próxima do atual primeiro-ministro.

Em rigor, Pedro Passos Coelho já tinha sinalizado a disponibilidade para pegar no partido logo a seguir às eleições europeias. Na altura, perspetiva-se a saída sem honra nem glória de Luís Montenegro, a quem muitos vaticinavam um fim precoce. Mas a queda de António Costa precipitou o calendário político e fez de Montenegro primeiro-ministro, primeiro pela margem mínima, depois por números redondos. A janela de oportunidade parecia ter-se fechado para Pedro Passos Coelho.

Em condições normais, olhando para o histórico de eleições legislativas em Portugal, Luís Montenegro deverá ter um ciclo longo de poder pela frente — só dois chefes de governo perderam eleições em Portugal, Pedro Santana Lopes (2005) e José Sócrates (2011). Um ciclo longo de Montenegro não joga a favor de Pedro Passos Coelho, que teria 71 anos em 2033 — seria caso único na democracia portuguesa, mas não necessariamente no resto do mundo. Mas não é exatamente impossível. “Veja-se Donald Trump“, assinala um influente social-democrata.

Ainda assim, se Passos estivesse de facto apostado em suceder a Luís Montenegro num horizonte de tempo mais razoável, teria de esperar que o próprio deitasse a toalha ao chão (como fez António Guterres, em 2001) ou se afastasse em virtude de um escândalo (como aconteceu com António Costa, em 2023). Ora, se o primeiro cenário parece inverosímil, o segundo nem por isso: continua a pender sobre Luís Montenegro a ameaça de uma abertura de inquérito por parte Ministério Público no âmbito do caso “Spinumviva”. No passado, o próprio já disse que não se demitirá se for constituído arguido, mas a realidade pode trazer outros quinhentos.

Quem conhece o antigo primeiro-ministro jura a pés juntos que não está a jogar com esse calendário. Nem com nenhum, na verdade. “Está só a dizer que o rei vai nu. O dinheiro está-se a acabar”, sugere uma fonte próxima. Em grande medida, foi isso que Pedro Passos Coelho disse quando apareceu no almoço de Montenegro na campanha das últimas legislativas e que agora repetiu na última intervenção que fez: “Chegou o fim das margens de manobra que permitem ir adiando decisões importantes. Todo o dinheiro que é distribuído no dia-a-dia está distribuído, está gasto“ (Observador, texto do jornalista Miguel Santos Carrapatoso)

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