A zona do euro enfrenta uma ameaça crescente à sua sustentabilidade económica: não é apenas a dívida pública oficial que pesa, mas também um passivo oculto. A zona do euro enfrenta uma ameaça crescente à sua sustentabilidade económica: não é apenas a dívida pública oficial que pesa, mas também um passivo oculto – os direitos previdenciários prometidos aos cidadãos. No caso de Portugal, embora o problema decorra mais lentamente do que em Espanha, os números mostram riscos sérios para o futuro das finanças públicas e para o Estado-social.
A dívida pública da zona euro está a tornar-se um dos principais fatores de risco económico, segundo uma análise publicada pelo ‘El Economista’. França, Itália, Espanha e, em breve, a própria Alemanha acumulam rácios de endividamento muito acima do limiar de 60% do PIB considerado “saudável”. Mas o que preocupa verdadeiramente os especialistas é o que não aparece nas contas oficiais: a chamada dívida previdenciária, que resulta das pensões já prometidas aos cidadãos.
De acordo com a publicação espanhola, o relatório sublinha que a Europa perdeu a trajetória de convergência com os Estados Unidos a partir de 1980. Hoje, o crescimento médio anual europeu não chega a 1%, enquanto a economia americana mantém ritmos mais elevados há décadas. Esta estagnação coloca em risco a sustentabilidade do Estado social, especialmente num continente envelhecido e com promessas elevadas aos seus pensionistas. Para países como Portugal — que partilham o enquadramento institucional, os constrangimentos demográficos e a dependência das contas públicas face às pensões — o alerta é claro: sem crescimento económico robusto, os sistemas previdenciários tornam-se um fator crescente de desequilíbrio estrutural.
Alerta em números
O estudo apontou uma realidade difícil de ignorar. Vejamos o caso de Portugal: com uma dívida pública de 123,9% (em 2021), a consideração dos direitos de pensões traria um crescimento de 384% para um total de 507,9% de dívida real, uma das situações mais graves no espaço europeu. Espanha, por seu turno, veria a dívida crescer para 616,7%, à semelhança da Grécia (602,3%). Áustria, França e Portugal são os três países apontados no estudo com taxas superiores a 500%.
O que são os direitos previdenciários e por que são importantes
O estudo de três economistas alertaram para a “dívida real” da zona euro quando se somam à dívida pública os direitos previdenciários — ou seja, as pensões futuras prometidas aos atuais trabalhadores e reformados. Esses valores são projetados para o futuro, descontados a valor presente, representando obrigações que os Estados já assumiram. Esse tipo de dívida, embora não corresponda a títulos públicos negociáveis, representa compromissos difíceis de reduzir, por serem altamente sensíveis politicamente.
O relatório destaca que estes “direitos previdenciários” correspondem ao valor presente de todas as pensões acumuladas até 2021, em sistemas públicos ou privados. Cada euro destinado a pensões será, no futuro, um euro que não poderá ser aplicado em áreas como educação, habitação ou infraestruturas — uma dinâmica que afeta todos os países da zona euro, incluindo Portugal, integrado no mesmo modelo de financiamento e sujeito às mesmas pressões demográficas.
Esse alerta cabe bem à realidade portuguesa: segundo um estudo do Centro de Estudos Sociais (CES) do ISCTE / IUL, a “dívida implícita” das pensões portuguesas pode atingir 193,2% do PIB num horizonte de 75 anos, assumindo uma taxa de juro de 4%. Para manter o sistema equilibrado sob as regras atuais, esse estudo estima que a Taxa Social Única (TSU) deveria subir para 46,07% até 2060.
O envelhecimento populacional em Portugal agrava ainda mais este desafio. Um estudo do McKinsey Global Institute (MGI) prevê que a população em idade ativa — que gera receita contributiva — vai cair de 63% para 53% entre agora e 2050. Simultaneamente, a proporção de pessoas em idade ativa por reformado desce dos atuais 2,6 para 1,6 dentro de 25 anos. Esse declínio demográfico pode “roubar” até 0,6 pontos percentuais por ano ao crescimento do PIB per capita português até 2050, segundo a McKinsey. Atualmente, as pensões de velhice e sobrevivência representam 14,2% do PIB em Portugal, um dos valores mais elevados da União Europeia.
De acordo com projeções da Comissão Europeia citadas por analistas, até 2050 as pensões poderão absorver mais de 40% das receitas fiscais e contributivas do Estado — quatro em cada dez euros que o Estado arrecada pode ter de ser dedicado ao pagamento de pensões.
A agência de notação S&P já alertou para o impacto do envelhecimento na dívida pública portuguesa: sem reformas adicionais, a dívida poderá subir para 161,5% do PIB até 2050, principalmente devido aos custos de pensões, saúde e cuidados continuados. Para Portugal, a leitura é clara: integrado numa zona euro onde o crescimento é insuficiente e os encargos previdenciários são cada vez maiores, o país está exposto às mesmas tensões estruturais que ameaçam a sustentabilidade de todo o modelo europeu (Executive Digest, texto do jornalista Francisco Laranjeira)

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