A presidente do Tribunal de Contas garante que a instituição continuará atenta à recuperação de ajudas ilegais pelo Estado junto de empresas da Zona Franca da Madeira (ZFM) que beneficiaram de IRC de 3%, 4% e 5% de forma irregular. Em entrevista à agência Lusa, a presidente do Tribunal de Contas (TdC), Filipa Calvão, afirma que o tribunal continuará a fazer o ponto de situação do processo de reposição nos cofres públicos dos incentivos fiscais recebidos de forma ilegal pelas entidades da ZFM por violação das regras de concorrência no mercado interno.
Questionada se o tribunal está a seguir o processo de recuperação que o Estado está obrigado a realizar por força do direito europeu, Filipa Calvão garante que sim. "O tribunal está a acompanhar esse processo", frisou. "Haveremos de ter informação mais atualizada sobre esse processo", promete, referindo que, em janeiro, o tribunal irá emitir o parecer sobre a Conta Regional da Madeira e "também nessa sede seguramente essa questão vai ser ponderada".
Em causa está o processo de devolução de incentivos em IRC -- resultantes da aplicação de taxas de IRC de 3%, 4% e 5% -- que foram concedidos pelo Estado português de forma ilegal a entidades licenciadas na ZFM, em violação das condições e das regras especiais dos auxílios estatais para as regiões ultraperiféricas, como é o caso da Madeira.
No parecer à Conta Geral do Estado de 2024, de 08 de outubro deste ano, o tribunal refere que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) "tem vindo a proceder à recuperação dos benefícios auferidos indevidamente por 'entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira'" e que, até 12 de junho deste ano, conseguiu reaver 143 milhões de euros dos 623 milhões a devolver pelas empresas.
A ZFM é um regime fiscal que possibilita às empresas ali licenciadas beneficiarem de reduções em determinados impostos, incluindo no IRC relativamente aos lucros gerados com as atividades realizadas na Madeira. No caso do regime fiscal III, que vigorou imediatamente ao atual e que se aplicou às entidades licenciadas entre janeiro de 2007 e dezembro de 2014, a taxa reduzida de IRC foi de 3% de 2007 a 2009, de 4% de 2010 a 2012 e de 5% de 2013 a 2020.
Para beneficiarem destas condições, as empresas tinham de cumprir determinadas condições, como criar e manter empregos na região, e só aplicar as reduções de IRC aos lucros relacionados com atividades realizadas no arquipélago. A Madeira pode aplicar às empresas da ZFM uma taxa de IRC mais baixa, porque o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) permite às regiões ultraperiféricas beneficiarem de um regime de auxílio ao desenvolvimento regional.
No caso da Madeira, esse regime traduziu-se num regime de auxílio ao funcionamento das empresas, pela via fiscal. Como as empresas autorizadas a operar na ZFM beneficiam das condições especiais, têm de cumprir certas condições de forma a não colocar em causa as regras de concorrência na UE.
No entanto, em 04 de dezembro de 2020, a Comissão Europeia declarou ilegal a forma como o Estado português executou o regime fiscal III, numa decisão mais tarde validada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.
A Comissão detetou que o número de postos de trabalhos subjacentes ao cálculo das reduções de IRC incluía empregos criados fora da ZFM e fora da UE, e verificou que o Estado permitiu que a taxa reduzida de IRC se aplicasse a lucros de atividades realizadas fora da Madeira.
Na sequência dessa decisão, o Estado português ficou obrigado a recuperar as parcelas do incentivo de IRC considerado ilegal.
De acordo com o último parecer do TdC, a AT estimava inicialmente que o valor a reaver era de 839 milhões de euros referentes a 302 contribuintes. No entanto, o montante foi reduzido em 11 milhões para um conjunto das liquidações já processadas e relativamente a 205 milhões (de 105 liquidações) "a AT concluiu que não havia valor a recuperar", refere o TdC no último parecer (Lusa)

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