No caso do TC, o contrato com a wonderlevel Partners, por ajuste directo, foi assinado no dia 11 de Junho de 2021, e teria a duração de um ano e um valor global de 19.800 euros, mais IVA, pagos em prestações mensais. Esse período de um ano terminou, mas a empresa continua a fazer a comunicação do TC, muito embora a prorrogação do contrato não tenha sido publicada na plataforma dos contratos públicos.
No documento que está disponível, existe uma cláusula referente ao dever de sigilo, que se deve prolongar por cinco anos, contados logo após a cessão do vínculo laboral. Durante vários anos, a comunicação do TC foi assegurada por funcionários com vínculo ao Estado ou a título individual, mas sem ligações a agências. O PÚBLICO questionou o TC para saber por que optou por uma empresa privada e como foi feito este contrato, nomeadamente se houve consulta de mais empresas no mercado. O TC respondeu apenas que, “tendo em conta as novas e exigentes dinâmicas de comunicação entendeu contratar serviços de consultoria de comunicação, nos quais se incluem, entre outros serviços, a assessoria de imprensa” e que por isso, contratou “uma empresa especializada e com comprovada experiência nesta área”.
Ao PÚBLICO, Luís Bernardo explicou que cada profissional da Wonderlevel Partners “é altamente especializado na área para a qual é contratado” e que o sigilo para com o cliente “está contratualizado”. Acresce que, sublinha Luís Bernardo, a Wonderlevel Partners, “tem procedimentos internos de grande exigência ao nível de confidencialidade das contas de cada cliente”. “Temos como clientes entidades públicas e privadas e somos procurados por isso: Porque asseguramos o sigilo”, afirma, sublinhando que, a nível internacional, já é muito comum as entidades judiciais recorrerem a empresas especializadas em comunicação. “Em Portugal ainda não estamos habituados a isso”, sublinha, sustentando que uma “empresa especializada aporta conhecimento, sobretudo numa altura em que a inovação tecnológica e a velocidade da informação são uma realidade”.
Um contrato que não chegou a ser
O caso da empresa de André Macedo e a ligação ao Conselho Superior da Magistratura teve outro desfecho. Em vez de uma formalização de um contrato, a ligação que durou três meses, segundo o CSM, terminou sem que essa formalização tivesse acontecido.
Questionado pelo PÚBLICO sobre que contrato existia entre o CSM e André Macedo, uma vez que este se apresentaria como consultor de comunicação daquele órgão, o CSM respondeu que “procurou estabelecer um acordo”, com o consultor, “para que ajudasse a compreender melhor o trabalho dos jornalistas e também a melhor forma de relacionamento com os media”. Seria, segundo o CSM, uma espécie de auditoria aos seus métodos de comunicação.
André Macedo andou por lá cerca de três meses, assistiu a reuniões e até esteve numa conferência de imprensa com os jornalistas, mas o acordo acabou por não ser formalizado.
Porquê? Diz o CSM que, durante os cerca de três meses em que André Macedo conviveu de perto com os meandros daquele órgão, “teve oportunidade de transmitir a sua percepção sobre os aspectos referidos”.
E foi pago por isso? “Não”, diz o CSM, sublinhando que André Macedo “nem teve acesso a qualquer informação do CSM que não fosse pública”.
O CSM fez ainda questão de mencionar que, “a Lei n.° 36/2007 de 14 de Agosto, que aprova o regime de organização e funcionamento do Conselho Superior da Magistratura, prevê a existência de, no máximo, quatro assessores para assessorar os membros do gabinete de apoio ao vice-presidente e aos membros” e que esses “assessores são livremente providos e exonerados pelo presidente do CSM sob proposta do plenário”.
De acordo com o CSM, “os assessores que não sejam magistrados são obrigatoriamente mestres ou licenciados em Direito de reconhecida competência”.
“De acordo com a mesma lei, o CSM conta com um gabinete, relações institucionais, estudos e planeamento que, entre outras atribuições previstas na mesma lei, exerce assessoria em matéria de comunicação social, que conta actualmente com uma técnica superior”, sublinha o CSM
Ao PÚBLICO, André Macedo confirmou que lhe “foi proposto que realizasse uma auditoria à comunicação do CSM” e que, “após várias reuniões e uma conferência de imprensa a que assistiu — para ver como eram organizadas — ao lado de vários jornalistas, incluído a repórter do PÚBLICO, foi decidido que o trabalho não seria realizado”.
O antigo jornalista sublinha ainda o facto de o CSM ser um órgão administrativo “onde estão advogados e representantes dos partidos políticos”. “Os leitores que tirem as suas conclusões deste facto”, sugere, acrescentando que “o CSM responde todos os dias às perguntas dos jornalistas”, o que “é um esforço monumental para tão poucos recursos”.
Segundo André Macedo, “a maioria dos jornalistas desconhece as funções do CSM, atribuem-lhe competências que não tem e julgam que tem informação confidencial e concreta sobre os processos em julgamento, embora não o tenha”.
Aliás, o agora consultor de informação explica que, durante os meses em que foi avaliada a forma como poderia ser feita a auditoria, perguntou a vários repórteres como avaliavam a actividade do CSM. Alega que esclareceu o que estava a fazer e que fez as mesmas perguntas a elementos do CSM nas instalações do CSM.
“Este trabalho não me deu acesso a qualquer informação sigilosa”, garante, sublinhando que, terminada esta recolha prévia de informação, foi decidido não realizar o trabalho, apesar deste momento prévio ter exigido a sua “disponibilidade pro bono”. “Digamos que foi o meu modesto contributo para uma causa justa — a causa da Justiça e dos juízes”, afirma, sublinhando que “deliberadamente, escolhe não explicar ao PÚBLICO o mundo das regras de compliance e dos contratos de sigilo e confidencialidade que perduram durante anos, mesmo após o fim dos contratos a que dizem respeito”.
“O meu contributo para esta discussão só pode acontecer quando a intenção for genuinamente essa — ou seja, quando a ideia for esclarecer e fazer pensar. Lembro apenas que esta espécie de demanda pela pureza profissional dos prestadores de serviços a entidades públicas pode ter o efeito contrário — ficam apenas os insiders e seus semelhantes. Ou seja, o contrário da transparência que nós, cidadãos, desejamos e precisamos”, sublinha.
Riscos acrescidos
Será que nos devemos, então, preocupar com esta aproximação de agências de comunicação a altas instituições da Justiça? Para a presidente da Associação Transparência e Integridade, Susana Coroado, “esta externalização de serviço e estas contratações têm sempre riscos que podem ser ou não acautelados”. “Tem os riscos de conflitos de interesse e de acesso a informação privilegiada, sobretudo quando estamos a falar de consultores ou de agências com multiclientes porque a informação pode estar a circular ao mesmo tempo”, afirma Susana Coroado. “Não é a mesma coisa que um funcionário que está a trabalhar e depois acaba o contrato e passa para outro cliente”, sublinha, acrescentando que o “risco é imediato”.
A presidente da Associação Transparência e Integridade refere-se também à foram como estas contratações são feitas: “Muitas vezes é por ajuste directo, sem concurso público, em que não se sabe muito bem quais foram os critérios de selecção.” Susana Coroado sublinha, no entanto, “que é óptimo que as entidades estejam preparadas para comunicar com a sociedade, mas é importante que as agências ou estes consultores não se tornem nuns spin doctors que só passam a informação que querem”. Já Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), considera “essencial que a justiça seja transparente e comunique com os cidadãos de maneira muito mais efectiva”.
Manuel Ramos Soares, não vê mal nenhum em se recorrer a profissionais. “A própria ASJP também tem assessoria desde 2007”, diz, mas, sem comentar as escolhas concretas de cada instituição, cujos contratos e empresas desconhece, o presidente da ASJP sublinha que “a justiça, dado o seu estatuto de independência, tem de ser muito criteriosa, uma vez que as assessorias influenciam decisivamente o momento, a forma e o conteúdo do que se comunica” (Publico, texto da jornalista Sónia Trigueirão)
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