sexta-feira, julho 15, 2022

A 'quinta dos PIGS' tem hoje mais inquilinos do que no tempo da troika

'PIGS' foi um acrónimo insultuoso usado pelos analistas financeiros britânicos para as economias do euro que, na maioria dos casos, viriam a ser resgatadas entre 2010 e 2012. Hoje em dia o grupo de risco tem mais de uma dezena de países. A'quinta dos PIGS' na zona euro tem hoje mais inquilinos do que nos tempos da troika. Então albergava quatro ou cinco, consoante a contagem; onze anos depois tem mais de uma dezena. E daqui a um ano, quatro desses inquilinos atuais - Grécia, Itália, Chipre e Croácia (que entra para o euro em janeiro do próximo ano) - registarão prémios de risco (spreads em relação ao custo de financiamento da dívida alemã) acima de três pontos percentuais (300 pontos-base), muito além da linha vermelha dos dois pontos traçada por Ignazio Visco, governador do Banco de Itália.

PIGS foi um acrónimo, em inglês, criado por especialistas financeiros britânicos, usado desde 1978, que, aquando dos primeiros sinais da crise das dívidas dos periféricos da zona euro, se tornou numa epidemia nos media e entre os analistas. Começou por abranger Portugal, Itália, Grécia e Espanha (Spain em inglês) a depois adicionou a Irlanda (quando a crise bancária do 'tigre celta' tornou o país numa economia tóxica). Ampliou-se, então, para PIIGS.

Com exceção de Itália, e acrescentando o Chipre, todos seriam resgatados pela troika entre 2010 e 2012. O uso do acrónimo, tido como insultuoso (porcos em português), acabaria por ser banido da escrita pelo Financial Times, o mais influente jornal financeiro britânico, que se destacara por artigos intitulados "Porcos na lama" e "Porcos na lama e com batom". Os analistas britânicos ainda tentaram substituir por GIPSI, numa alteração de Gypsy (cigano, em inglês), mas os acrónimos insultuosos, depois, caíram em desuso.

GRÉCIA CONTINUA A LIDERAR, MAS ITÁLIA CONCENTRA HOJE A ATENÇÃO DOS ESPECULADORES

Quando os analistas financeiros britânicos falavam dos PIIGS, a Grécia (resgatada pela primeira vez em 2010) e a Irlanda (resgatada também em 2010), logo seguida de Portugal (resgatada em 2011), lideravam o clube dos prémios de risco (spreads) na zona euro.

Mais de 1000 pontos base significavam que o custo de financiamento público nestas três economias exigia um prémio de mais de 10 pontos percentuais. Os juros (yields) no prazo de referência a 10 anos no mercado secundário estavam perto de 17% na Grécia e mais de 13% na Irlanda e em Portugal. No mercado de emissão, no mercado primário, os três Estados já não se conseguiam financiar.

Em julho de 2011, depois do resgate de Portugal, as três economias destacavam-se dos outros três inquilinos: Chipre (que seria resgatada duas vezes em 2011 e 2013), Espanha (que seria resgatada parcialmente em 2012) e Itália, que escaparia ao resgate, graças à intervenção massiva do BCE desde 2010 através do programa de compra de dívida SMP e depois do programa PSPP lançado por Mario Draghi em 2015.

Este clube dos spreads mais altos na zona euro estava longe da "Quinta dos Animais" romanceada pelo britânico George Orwell (pseudónimo de Eric Arthur Blair) onde uma revolução "animalista" levaria a uma tirania exercida pelos porcos, que tornaria famosa a expressão "O Triunfo dos Porcos". Ficaria célebre a máxima: "Todos os animais são iguais, mas alguns [a elite porcina] são mais iguais do que outros".

No mercado da dívida pública, os PIIGS sofreram um ataque especulativo brutal entre 2010 e 2012 que levaria aos resgates impostos por uma troika em quatro deles. O uso epidémico do acrónimo insultuoso alimentaria ainda mais um "comportamento de manada" entre os investidores, aumentando ainda mais o "risco sistémico" daquelas dívidas, chegou a acusar, na altura, um analista da Russell Investments em Itália. Então, o triunfo não foi de uma nomenklatura de porcos, mas da austeridade imposta por um grupo de entidades oficiais (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Orwell ficou famoso, também, pelo romance "1984", uma novela de ficção sobre o totalitarismo.

Mais de uma década depois do resgate de Portugal, o clube tem hoje mais inquilinos e a Itália tem estado na berlinda depois de ter atingido um spread de 250 pontos-base a 14 de junho, o que obrigou o BCE a uma reunião de emergência no dia seguinte apenas seis dias depois da reunião regular a 9 de junho.

A Irlanda, entretanto, saiu da "quinta" e regressou a 'tigre' económico, registando, atualmente, um prémio de risco de 58 pontos-base (pouco mais de meio ponto percentual), apesar do nível de dívida pública continuar acima de 100% do PIB (ajustado) e dos credores oficiais (empréstimos da troika e carteira do BCE) dominarem quase metade do stock da dívida.

SEIS ECONOMIAS DO EURO ACIMA DA LINHA VERMELHA DAQUI A UM ANO

O ataque especulativo de 14 de junho foi travado depois do BCE anunciar no dia seguinte que iria estudar um "novo mecanismo" para combater o que designou de fragmentação (um termo técnico para falar das diferenças brutais entre os prémios de risco dentro da zona euro).

O banco central prometeu que analisaria a nova ferramenta não convencional de política monetária na próxima reunião a 21 de julho, e a Bloomberg avançou, esta semana, que já teria uma designação na calha - Transmission Protection Mechanism (Mecanismo de proteção de transmissão).

Depois deste anúncio, os prémios de risco desceram desde os picos de 14 de junho, mas continuam acima da linha vermelha dos 200 pontos-base para a Grécia e Itália. E, numa projeção feita pelo algoritmo do portal financeiro World Government Bonds, o grupo dos países do euro com spreads acima dos 200 pontos-base alarga-se em junho do próximo ano, incluindo mais Chipre, Croácia (que entra para o euro em janeiro), Lituânia e Eslováquia. A Letónia, que já foi resgatada entre 2008 e 2011, também deverá estar incluída, apesar de não estar disponível a projeção.

O prémio de risco da dívida portuguesa subirá para mais de 180 pontos (acima do pico de junho de 2022), mas continua abaixo da linha vermelha dos 200 pontos. Os maiores crescimentos no spread registam-se para a Croácia, o Chipre e a Eslováquia.

O CREDOR BCE EM ECONOMIAS COM SPREADS ALTOS



Desde o lançamento do programa de compra de dívida por Mario Draghi em 2015 que o BCE se tornou o principal credor da dívida pública para muitas economias mais endividadas (em relação ao Produto Interno Bruto) ou mais expostas a choques.

Atualmente, com mais de 30% do stock de dívida pública na carteira de títulos do BCE adquiridos através dos programas de compra, encontram-se seis economias: Eslovénia, Eslováquia, Letónia, Lituânia, Espanha ( quarta maior economia do euro) e Portugal. Como já se referiu, a Letónia e Lituânia registam spreads acima de 150 pontos-base atualmente e poderão aproximar-se do dobro daqui a um ano.

A Itália tem estado em foco, em virtude do seu nível de endividamento na zona euro (o segundo maior depois da Grécia, acima de 150% do PIB, e sem contar com nenhum resgate como almofada financeira) e da fragilidade política da solução governativa liderada por Draghi, registando subidas assinaláveis do prémio de risco, mas o peso da carteira do BCE em termos relativos é menor (27% do stock da dívida).

Nas seis economias com o peso da carteira do BCE acima de 30% do stock da dívida pública há uma grande diversidade: Portugal e Espanha registam níveis de endividamento acima de 100% do PIB, enquanto a Letónia e Lituânia têm rácios abaixo de 50%. No grupo mais amplo de economias com o peso da carteira do BCE acima de 20% e com spreads muito perto ou acima de 100 pontos-base, incluem-se, também, a Itália, Chipre e Malta.

Em virtude do veto de Mario Draghi à inclusão da Grécia em 2015 no programa de compra de dívida, o BCE detém uma carteira de apenas 12% do stock da dívida helénica (derivada do saldo de aquisições feitas ao abrigo do SMP entre 2010 e 2012 e do programa especial PEPP lançado por Christine Lagarde em 2020). A Grécia contou com três resgates da troika para evitar a bancarrota, cujo saldo dos empréstimos ainda representa 61% do stock da dívida helénica (no caso de Portugal pesa 17,5% e da Irlanda 17%).

A nova ferramenta do BCE antifragmentação torna-se, assim, crítica para um grupo significativo de economias do euro, com destaque para duas entre as maiores, Espanha e Itália, mas também crucial para economias nas periferias geográficas da zona euro, como Portugal, Grécia, Chipre e Malta, e perto da frente geopolítica a Leste, como os bálticos, Eslováquia, Eslovénia e Croácia (Expresso, texto do jornalista Jorge Nascimento Rodrigues)

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