quarta-feira, julho 20, 2022

Herdeira do Banif dá lucro, mas põe cautela nos dividendos ao Estado e prepara-se para perder €1 milhão nos tribunais

 

Oitante duplica lucros para 24 milhões em 2021, apesar de ter de reforçar provisões para três fins: rescisões por mútuo acordo, derrotas em processos judiciais e gestora de fundos de investimento. O veículo herdeiro do Banif que ficou nas mãos do Estado e dos bancos, através do Fundo de Resolução, deu lucros em 2021. Este ano, a Oitante já eliminou a dívida que tinha em carteira, libertando a garantia que os contribuintes tinham concedido, mas a inflação e a incerteza económica obrigam a cautela nos dividendos. Pelo meio, os tribunais assustam e foram colocados de lado mais de 1 milhão de euros para processos judiciais em que a probabilidade de perder subiu.

No relatório e contas de 2021, agora publicado, a Oitante praticamente duplicou os seus lucros, totalizando 24 milhões de euros. Para este montante conta sobretudo o crescimento de 44% das receitas, que chegaram aos 76 milhões de euros. Para essa evolução dos rendimentos, contaram sobretudo o “incremento das vendas de ativos imobiliários detidos diretamente pela Oitante e pelos fundos de investimento imobiliários detidos pela Oitante”. Deram uma mais-valia de mais de 16 milhões de euros. Também os ganhos com os reembolsos de créditos subiram. No campo dos gastos, há também um crescimento de 32%, para 51 milhões de euros, mas ainda assim com uma diferença significativa para os proveitos, o que permitiu a subida dos lucros.

CAPITAL PRÓPRIO MELHORA, DIVIDENDO PRUDENTE

A nível de balanço, o ativo da Oitante, liderada por Miguel Barbosa, vem descendo, com a libertação dos créditos e imóveis, mas o passivo afundou, com o reembolso da dívida ao Santander.

Assim, o capital próprio - que resulta da diferença entre ativo e passivo - acabou por subir 22% e por fixar-se em 135 milhões de euros, “o qual compara com 50 mil euros apenas à data do início da sua atividade em dezembro de 2015”.

Estas são as contas referentes a 2021, sendo que já foi público que a Oitante conseguiu, na primeira metade deste ano, fechar totalmente o reembolso da dívida que tinha emitido na sua constituição, para se financiar – essa dívida estava garantida pelo Fundo de Resolução e contragarantida pelo Fundo de Resolução, pelo que a devolução liberta esse risco dos contribuintes.

Para este ano, a administração da Oitante lembra que a missão é a devolução da dívida (já concretizada), mas também a continuação do “desinvestimento dos ativos recebidos, com o claro objetivo de criar valor para ao acionista”.

Nessa criação de valor, o objetivo é pagar dividendos ao Fundo de Resolução, o acionista único, que é financiado pelos bancos, mas que integra a esfera do perímetro orçamental público.

Foram pagos 15 milhões de euros em 2020, nada em 2021, mas a expectativa é “retomar o pagamento de dividendos ao acionista”. Porém, alerta a nota no relatório, “o valor pode vir a ser afetado pelo cenário de estagflação da economia portuguesa que alguns economistas começam a vislumbrar nas suas previsões, na medida em que, por um lado, prevê-se para 2022 valores de inflação recorde neste milénio e, por outro, a incerteza e instabilidade ameaçam fortemente o crescimento económico”.

Este alerta foi feito apesar de o Fundo de Resolução ainda recentemente se ter mostrado otimista sobre os montantes que pode vir ainda a obter da Oitante. Este veículo e o Banco de Portugal acreditam que pode recuperar parte dos 489 milhões de euros que injetou diretamente na resolução do Banif, além da garantia que foi concedida e da qual já se libertou.

DINHEIRO DE LADO EM TRÊS FRENTES

Nas contas de 2021, a Oitante revela três aspetos em que teve de pôr dinheiro de lado através da constituição de provisões.

Um deles foi a necessidade de se precaver para futuras injeções de capital que terá de fazer na sua gestora de fundos de investimento, a Profile. Já em 2021 teve de colocar quase 1 milhão de euros, para que cumprisse os rácios exigidos pelos supervisores, e, tendo em conta o plano de ação até 2024, a Oitante constituiu uma provisão de mais 1,6 milhões “com vista a futuras injeções de capital por forma a reforçar rácios de solvabilidade e liquidez nos próximos anos, bem como fazer face a outros encargos extraordinários da sociedade”.

Não foi o único dinheiro que pôs de lado e que, mesmo assim, não impediu a duplicação dos lucros. Há processos em tribunal em que a Oitante pode perder dinheiro. Uma parte das ações que visam o veículo estão relacionadas com a medida de resolução que ditou o fim do Banif, mas não são eles aqueles que arriscam as contas da sociedade.

“Em 31 de dezembro de 2021, após análise de outros processos intentados contra a Oitante, que não relacionados com o assunto referido no parágrafo anterior, e após estimada a sua probabilidade de perda, verificou-se a necessidade de proceder ao reforço de provisão, uma vez que a probabilidade de perda estimada é superior a 50% em quatro processos”, refere o relatório e contas da empresa.

E, assim, esta provisão, que custava 300 mil euros em 2020, um ano depois é de 1 milhão de euros. A Deloitte, na certificação de contas, sublinha, em ênfase (um alerta deixado), que não há nenhuma provisão específica para o facto de a transferência de direitos do Banif para a Oitante ter provado “impactos” em terceiros.

O terceiro ponto onde há uma provisão é no que diz respeito aos trabalhadores. Este veículo reforçou as responsabilidades com colaboradores em 1,7 milhões de euros: “o aumento das responsabilidades com rescisões por mútuo acordo deve-se à revisão das datas de saídas dos colaboradores, através do prolongamento das datas de saída, com o consequente impacto na estimativa do valor presente dessa responsabilidade”. No fim do ano passado, a Oitante, que herdou em 2015 mais de 500 funcionários do Banif (aqueles que o Santander não quis), contava com 50 trabalhadores (Expresso, texto do jornalista Diogo Cavaleiro)

Sem comentários: