domingo, julho 24, 2022

Eurodeputado Álvaro Amaro: “União Europeia deve reforçar apoios para Açores e Madeira”

 

Portugal tem duas regiões autónomas, que são ultraperiféricas e enfrentam constrangimentos estruturais. O desafio premente é preparar estas regiões para que a transição ecológica e digital seja justa, considera o eurodeputado do PSD Álvaro Amaro, relator do Parlamento Europeu da Nova Estratégia para as Regiões Ultraperiféricas. Defendendo “tratamento diferente para regiões que são diferentes!”, Álvaro Amaro acrescenta que “a conectividade é a principal dificuldade” que os Açores e a Madeira enfrentam, “pelo que o apoio da União Europeia se torna fundamental”.

Vida Económica – Como encara a sua nomeação para o cargo de responsável pelo relatório sobre a nova Estratégia para as Regiões Ultraperiféricas da União Europeia?

Álvaro Amaro - É uma nomeação que encaro com uma responsabilidade acrescida, uma vez que Portugal tem duas regiões autónomas, que são ultraperiféricas, e que muito acrescentam ao nosso país e à União Europeia, mas que enfrentam constrangimentos estruturais, que dificultam o seu natural crescimento, pelo que é nosso dever criar condições e ferramentas para que desenvolvam as suas potencialidades e possam ter o devido retorno dessa aposta.

VE – Em que consiste essa nova estratégia e quais são os principais desafios que tem pela frente?

AA - Esta nova estratégia pretende reforçar a parceria entre a União Europeia, as regiões ultraperiféricas e os seus estados-membros, com vista a mitigar e a compensar o impacto das dificuldades permanentes que estas regiões enfrentam e a realizar, por outro lado, as suas potencialidades, como as ligadas ao mar, à biodiversidade, à produção agrícola sustentável, à ciência, ao espaço, etc. A Comunicação da Comissão afirma que a estratégia pretende dar “prioridade às pessoas” nestas regiões, em contexto de grandes mudanças a nível europeu, como a dupla transição ecológica e digital e tendo em atenção a triste realidade que atualmente vivemos.

Diria que o desafio premente é preparar estas regiões para que esta transição seja justa, através de medidas concretas e tendo em atenção a realidade de guerra e geoestratégica que vivemos.

Será igualmente um documento orientador para as instâncias europeias e dos decisores políticos, para os próximos tempos, pelo que deverá já ter asseguradas questões específicas das RUP para o próximo quadro financeiro plurianual. Aquele que prevejo vir a ser o maior desafio é ultrapassarmos a ambição cega de determinados partidos políticos, que defendem que todos devem cumprir as mesmas metas e de igual forma, quando nem todos os territórios são iguais e nem todos partem do mesmo ponto de partida, não funcionando a mesma solução para todas as regiões da UE. Defendo tratamento diferente para regiões que são diferentes! E, no estrito cumprimento do artigo 349º do TFUE, que consagra o estatuto das Regiões Ultraperiféricas, esta estratégia deverá assegurar essas medidas diferenciadas.

“Conectividade é a principal dificuldade”

VE – No caso de Portugal, quais são as principais dificuldades que os Açores e a Madeira enfrentam?

AA - A conectividade é a principal dificuldade. A condição insular de ambas as regiões, obviamente, e no caso dos Açores a dupla insularidade, aliada ao grande afastamento do território continental e às demais características da ultraperiferia, que resultam na enorme dependência dos transportes aéreos e marítimos, que se querem seguros, regulares e a preços acessíveis (causa e efeito de uma economia frágil), para se garantir a livre e justa circulação de pessoas, serviços e mercadorias, é, de facto, a maior dificuldade (ou desafio) destas regiões, com impactos e custos acrescidos em todos os outros setores de atividade, pelo que o apoio da UE se torna fundamental.

VE – Que impacto tiveram nestas regiões a pandemia Covid-19 e agora a guerra na Ucrânia?

AA - A pandemia de Covid-19, numa primeira fase, veio, principalmente, expor as fragilidades dos serviços de saúde de ambas as regiões, que se viram obrigadas a implementar restrições acrescidas para proteger a sua população. No caso dos Açores, como região arquipelágica em que nem todas as ilhas têm hospital e em que o acesso ao hospital de outras ilhas está condicionado pela meteorologia e pela disponibilidade do transporte aéreo, a situação tornou-se bastante preocupante para autoridades regionais, que desde logo pediram a inoculação majorada para a sua população, o que apoiámos e defendemos junto da Comissão Europeia. As suas economias já frágeis não estavam preparadas para permanecer em suspenso durante cerca de dois anos. A crise pandémica afetou desde logo o setor do turismo, coartando as expectativas anteriormente criadas e hipotecando, de certa forma, os investimentos efetuados pelo tecido empresarial.

Também o setor primário, como a pesca e a agricultura, do qual ainda dependem muitas famílias, viram a sua atividade condicionada, ao mesmo tempo que tinham a missão de garantir o fornecimento e segurança alimentar da população. Verificaram-se danos sem precedentes, que, infelizmente, se agravam agora pela terrífica invasão russa à Ucrânia. Os Açores e a Madeira estão a experienciar o aumento generalizado dos preços, com preocupações acrescidas para os valores dos combustíveis, da energia e das matérias-primas. É exatamente por isso que nesta Estratégia terão de ficar acauteladas potenciais crises futuras, retirando as melhores lições destes tristes, recentes acontecimentos.

VE – Que medidas poderão vir a ser criadas para apoiar o desenvolvimento destas regiões?

AA - A nível europeu, não tenho dúvidas que as Regiões Ultraperiféricas muito ganhariam com a criação e a retoma de alguns programas específicos, à semelhança do POSEI Agricultura, para outras áreas imprescindíveis para estas regiões, como os transportes, a energia e a pesca. Com regulamentos direcionados para a sua realidade específica, que criem estabilidade à ultraperiferia da UE, e associados a um pacote financeiro, do orçamento comunitário, tal como fundamentado pelo estatuto que lhes é reconhecido no 349º.

VE – Pode identificar algumas linhas de apoio e em que áreas poderão ser aplicadas?

AA - Desde logo, na transição ecológica, o potencial das Regiões ultraperiféricas, nomeadamente dos Açores e da Madeira, para contribuir para este processo através da produção de energias limpas, como a energias das marés, a geotermia, a eólica, em que podem tornar-se verdadeiros laboratórios de experimentação, pelas condições naturais que apresentam, e onde os fundos comunitários têm impulsionado e continuaram a impulsionar a aposta.

Défice de mão de obra qualificada

VE – A Madeira tem sido um local apetecível para a instalação de hubs tecnológicos. Contudo, os investidores queixam-se da mão de obra qualificada. Acha que esta é uma área onde os apoios europeus podem ser importantes?

AA - Sem dúvida, e apesar de a educação e formação de recursos humanos ser uma competência dos Estados-Membros, e especificamente dos Açores e da Madeira, que têm autonomia nestas matérias, a verdade é que este começa a ser um problema transversal a toda a União Europeia.

Se em alguns casos as qualificações estão completamente desfasadas das necessidades atuais do mercado de trabalho, noutros não existe de todo mão de obra qualificada para suprir a demanda. No caso específico das TIC e STEM, as consideradas áreas do futuro, é importante que haja um incentivo europeu a estas regiões para a formação dos seus recursos humanos, para que consigam aproveitar as potencialidades da transição ecológica e digital e consigam colocá-las ao serviço das suas populações.

VE – A delegação do PSD no Parlamento Europeu já havia introduzido 45 propostas de alteração em várias áreas de interesse para as RUP portuguesas. Quais as mais significativas e que desenvolvimento poderão ter no futuro?

AA - Fomos capazes de submeter 45 propostas ao documento prévio, que acabaram por ser integradas e aprovadas no documento final.

Muitas dessas propostas conseguimos ver espelhadas nesta Comunicação da Comissão, outras terão de ser integradas porque nada sobre elas foi dito. Sob pena de não ter espaço para elencar todas, destaco algumas, desde logo um plano de ação para esta Estratégia, desenhado com as autoridades regionais e locais. Pedimos a manutenção das derrogações fiscais para as RUP, tão importantes para os seus produtos de alta qualidade, bem como reiteramos a necessidade do reforço do POSEI Agricultura, a importância de manter as taxas de cofinanciamento para as RUP a 85% no FEADER, porque os constrangimentos destas regiões são permanentes, defendemos igualmente o aumento de montantes destinados à promoção de regimes de qualidade (DOP/IGP/biológico/selo RUP) e medidas que criem atratividade de profissões ligadas a setores tradicionais e ao ambiente.

Pedimos a criação de um gabinete da Comissão em todas as RUP, considerando a condição arquipelágica de muitas, como os Açores. Reiteramos a necessidade de termos dados fidedignos, com critérios harmonizados e atualizados, sobre todas as RUP, que permitam análises comparativas e avaliação de impacto das políticas europeias. Introduzimos a dimensão da Saúde no documento, para acautelar a situação das RUP face a futuros acontecimentos do género da atual pandemia. Relembramos o papel da Economia social nestas regiões e defendemos a possibilidade de acesso a subvenções, de candidatura direta. A pensar nos jovens, defendemos uma majoração para os jovens das RUP no âmbito do Erasmus+, e ainda que este programa pudesse prever a mobilidade com países terceiros com ligação histórica às RUP.

Fomos capazes de introduzir ainda o pedido de várias projetos-piloto para as RUP, nomeadamente direcionados para o setor do turismo e para a literacia azul, um centro de combate à poluição marinha numa das nove RUP, bem como o restabelecimento do POSEI Pescas e a necessidade de apoio para a aquisição de novas embarcações de pequena escala.

Pedimos a inclusão das RUP nas redes europeias de investigação, a apresentação de convites específicos no âmbito do Horizonte Europa, bem como o apoio técnico necessário para a criação de polos europeus de inovação digital nestas regiões. Pedimos também apoio e investimento para mecanismos de prevenção e resposta a fenómenos meteorológicos, que se fazem cada vez mais sentir nas RUP, fruto das alterações climáticas. A nível dos transportes, pedimos um programa específico para as RUP e a integração das RUP nos corredores prioritários das redes transeuropeias de transportes, bem como a flexibilização dos auxílios estatais. Introduzimos ainda a oportunidade de se fomentar a relação transatlântica através da posição geoestratégica e relação histórica de algumas RUP com o continente americano.

VE – Que mensagem gostaria de transmitir?

AA - Gostaria de transmitir uma mensagem de compromisso e de disponibilidade. Compromisso de, estando perfeitamente ciente das dificuldades das Regiões Ultraperiféricas, bem como das suas potencialidades, do quanto podem contribuir para o projeto europeu, preparar orientações claras para o próximo QFP, avançar com medidas concretas, corrigir as falhas já identificadas na comunicação da Comissão e na estratégia anterior, retomar justas reivindicações da ultraperiferia, bem como de alcançar um compromisso com capacidade de proteger as Regiões Ultraperiféricas face a outras políticas que se começam a desenhar na UE ou de futuras crises semelhantes às que estamos a experienciar. E, a terminar, reitero total disponibilidade para articular, não só com as autoridades regionais, como com as várias entidades representativas dos vários setores de ambas as regiões e sociedade civil, para contribuir para a melhoria da Estratégia apresentada pela Comissão (Vida Economica, texto do Jornalista Virgilio Ferreira)

Sem comentários: