Portugal tem duas regiões autónomas, que são ultraperiféricas e enfrentam constrangimentos estruturais. O desafio premente é preparar estas regiões para que a transição ecológica e digital seja justa, considera o eurodeputado do PSD Álvaro Amaro, relator do Parlamento Europeu da Nova Estratégia para as Regiões Ultraperiféricas. Defendendo “tratamento diferente para regiões que são diferentes!”, Álvaro Amaro acrescenta que “a conectividade é a principal dificuldade” que os Açores e a Madeira enfrentam, “pelo que o apoio da União Europeia se torna fundamental”.
Vida Económica –
Como encara a sua nomeação para o cargo de responsável pelo relatório sobre a
nova Estratégia para as Regiões Ultraperiféricas da União Europeia?
Álvaro Amaro - É uma nomeação que encaro com uma responsabilidade acrescida, uma vez que Portugal tem duas regiões autónomas, que são ultraperiféricas, e que muito acrescentam ao nosso país e à União Europeia, mas que enfrentam constrangimentos estruturais, que dificultam o seu natural crescimento, pelo que é nosso dever criar condições e ferramentas para que desenvolvam as suas potencialidades e possam ter o devido retorno dessa aposta.
VE – Em que
consiste essa nova estratégia e quais são os principais desafios que tem pela
frente?
AA - Esta nova
estratégia pretende reforçar a parceria entre a União Europeia, as regiões
ultraperiféricas e os seus estados-membros, com vista a mitigar e a compensar o
impacto das dificuldades permanentes que estas regiões enfrentam e a realizar,
por outro lado, as suas potencialidades, como as ligadas ao mar, à
biodiversidade, à produção agrícola sustentável, à ciência, ao espaço, etc. A
Comunicação da Comissão afirma que a estratégia pretende dar “prioridade às
pessoas” nestas regiões, em contexto de grandes mudanças a nível europeu, como
a dupla transição ecológica e digital e tendo em atenção a triste realidade que
atualmente vivemos.
Diria que o
desafio premente é preparar estas regiões para que esta transição seja justa,
através de medidas concretas e tendo em atenção a realidade de guerra e
geoestratégica que vivemos.
Será igualmente um
documento orientador para as instâncias europeias e dos decisores políticos,
para os próximos tempos, pelo que deverá já ter asseguradas questões
específicas das RUP para o próximo quadro financeiro plurianual. Aquele que
prevejo vir a ser o maior desafio é ultrapassarmos a ambição cega de
determinados partidos políticos, que defendem que todos devem cumprir as mesmas
metas e de igual forma, quando nem todos os territórios são iguais e nem todos
partem do mesmo ponto de partida, não funcionando a mesma solução para todas as
regiões da UE. Defendo tratamento diferente para regiões que são diferentes! E,
no estrito cumprimento do artigo 349º do TFUE, que consagra o estatuto das
Regiões Ultraperiféricas, esta estratégia deverá assegurar essas medidas
diferenciadas.
“Conectividade é a
principal dificuldade”
VE – No caso de
Portugal, quais são as principais dificuldades que os Açores e a Madeira
enfrentam?
AA - A
conectividade é a principal dificuldade. A condição insular de ambas as
regiões, obviamente, e no caso dos Açores a dupla insularidade, aliada ao
grande afastamento do território continental e às demais características da
ultraperiferia, que resultam na enorme dependência dos transportes aéreos e
marítimos, que se querem seguros, regulares e a preços acessíveis (causa e
efeito de uma economia frágil), para se garantir a livre e justa circulação de
pessoas, serviços e mercadorias, é, de facto, a maior dificuldade (ou desafio)
destas regiões, com impactos e custos acrescidos em todos os outros setores de
atividade, pelo que o apoio da UE se torna fundamental.
VE – Que impacto
tiveram nestas regiões a pandemia Covid-19 e agora a guerra na Ucrânia?
AA - A pandemia de
Covid-19, numa primeira fase, veio, principalmente, expor as fragilidades dos
serviços de saúde de ambas as regiões, que se viram obrigadas a implementar
restrições acrescidas para proteger a sua população. No caso dos Açores, como
região arquipelágica em que nem todas as ilhas têm hospital e em que o acesso
ao hospital de outras ilhas está condicionado pela meteorologia e pela
disponibilidade do transporte aéreo, a situação tornou-se bastante preocupante
para autoridades regionais, que desde logo pediram a inoculação majorada para a
sua população, o que apoiámos e defendemos junto da Comissão Europeia. As suas
economias já frágeis não estavam preparadas para permanecer em suspenso durante
cerca de dois anos. A crise pandémica afetou desde logo o setor do turismo,
coartando as expectativas anteriormente criadas e hipotecando, de certa forma,
os investimentos efetuados pelo tecido empresarial.
Também o setor
primário, como a pesca e a agricultura, do qual ainda dependem muitas famílias,
viram a sua atividade condicionada, ao mesmo tempo que tinham a missão de
garantir o fornecimento e segurança alimentar da população. Verificaram-se
danos sem precedentes, que, infelizmente, se agravam agora pela terrífica
invasão russa à Ucrânia. Os Açores e a Madeira estão a experienciar o aumento
generalizado dos preços, com preocupações acrescidas para os valores dos
combustíveis, da energia e das matérias-primas. É exatamente por isso que nesta
Estratégia terão de ficar acauteladas potenciais crises futuras, retirando as
melhores lições destes tristes, recentes acontecimentos.
VE – Que medidas
poderão vir a ser criadas para apoiar o desenvolvimento destas regiões?
AA - A nível
europeu, não tenho dúvidas que as Regiões Ultraperiféricas muito ganhariam com
a criação e a retoma de alguns programas específicos, à semelhança do POSEI
Agricultura, para outras áreas imprescindíveis para estas regiões, como os
transportes, a energia e a pesca. Com regulamentos direcionados para a sua
realidade específica, que criem estabilidade à ultraperiferia da UE, e
associados a um pacote financeiro, do orçamento comunitário, tal como
fundamentado pelo estatuto que lhes é reconhecido no 349º.
VE – Pode
identificar algumas linhas de apoio e em que áreas poderão ser aplicadas?
AA - Desde logo,
na transição ecológica, o potencial das Regiões ultraperiféricas, nomeadamente
dos Açores e da Madeira, para contribuir para este processo através da produção
de energias limpas, como a energias das marés, a geotermia, a eólica, em que
podem tornar-se verdadeiros laboratórios de experimentação, pelas condições
naturais que apresentam, e onde os fundos comunitários têm impulsionado e
continuaram a impulsionar a aposta.
Défice de mão de
obra qualificada
VE – A Madeira tem
sido um local apetecível para a instalação de hubs tecnológicos. Contudo, os
investidores queixam-se da mão de obra qualificada. Acha que esta é uma área
onde os apoios europeus podem ser importantes?
AA - Sem dúvida, e
apesar de a educação e formação de recursos humanos ser uma competência dos
Estados-Membros, e especificamente dos Açores e da Madeira, que têm autonomia
nestas matérias, a verdade é que este começa a ser um problema transversal a
toda a União Europeia.
Se em alguns casos
as qualificações estão completamente desfasadas das necessidades atuais do
mercado de trabalho, noutros não existe de todo mão de obra qualificada para
suprir a demanda. No caso específico das TIC e STEM, as consideradas áreas do
futuro, é importante que haja um incentivo europeu a estas regiões para a
formação dos seus recursos humanos, para que consigam aproveitar as
potencialidades da transição ecológica e digital e consigam colocá-las ao
serviço das suas populações.
VE – A delegação
do PSD no Parlamento Europeu já havia introduzido 45 propostas de alteração em
várias áreas de interesse para as RUP portuguesas. Quais as mais significativas
e que desenvolvimento poderão ter no futuro?
AA - Fomos capazes
de submeter 45 propostas ao documento prévio, que acabaram por ser integradas e
aprovadas no documento final.
Muitas dessas
propostas conseguimos ver espelhadas nesta Comunicação da Comissão, outras
terão de ser integradas porque nada sobre elas foi dito. Sob pena de não ter
espaço para elencar todas, destaco algumas, desde logo um plano de ação para
esta Estratégia, desenhado com as autoridades regionais e locais. Pedimos a
manutenção das derrogações fiscais para as RUP, tão importantes para os seus
produtos de alta qualidade, bem como reiteramos a necessidade do reforço do
POSEI Agricultura, a importância de manter as taxas de cofinanciamento para as
RUP a 85% no FEADER, porque os constrangimentos destas regiões são permanentes,
defendemos igualmente o aumento de montantes destinados à promoção de regimes
de qualidade (DOP/IGP/biológico/selo RUP) e medidas que criem atratividade de
profissões ligadas a setores tradicionais e ao ambiente.
Pedimos a criação
de um gabinete da Comissão em todas as RUP, considerando a condição
arquipelágica de muitas, como os Açores. Reiteramos a necessidade de termos
dados fidedignos, com critérios harmonizados e atualizados, sobre todas as RUP,
que permitam análises comparativas e avaliação de impacto das políticas
europeias. Introduzimos a dimensão da Saúde no documento, para acautelar a
situação das RUP face a futuros acontecimentos do género da atual pandemia.
Relembramos o papel da Economia social nestas regiões e defendemos a
possibilidade de acesso a subvenções, de candidatura direta. A pensar nos
jovens, defendemos uma majoração para os jovens das RUP no âmbito do Erasmus+,
e ainda que este programa pudesse prever a mobilidade com países terceiros com
ligação histórica às RUP.
Fomos capazes de
introduzir ainda o pedido de várias projetos-piloto para as RUP, nomeadamente
direcionados para o setor do turismo e para a literacia azul, um centro de
combate à poluição marinha numa das nove RUP, bem como o restabelecimento do
POSEI Pescas e a necessidade de apoio para a aquisição de novas embarcações de
pequena escala.
Pedimos a inclusão
das RUP nas redes europeias de investigação, a apresentação de convites
específicos no âmbito do Horizonte Europa, bem como o apoio técnico necessário
para a criação de polos europeus de inovação digital nestas regiões. Pedimos
também apoio e investimento para mecanismos de prevenção e resposta a fenómenos
meteorológicos, que se fazem cada vez mais sentir nas RUP, fruto das alterações
climáticas. A nível dos transportes, pedimos um programa específico para as RUP
e a integração das RUP nos corredores prioritários das redes transeuropeias de
transportes, bem como a flexibilização dos auxílios estatais. Introduzimos
ainda a oportunidade de se fomentar a relação transatlântica através da posição
geoestratégica e relação histórica de algumas RUP com o continente americano.
VE – Que mensagem
gostaria de transmitir?
AA - Gostaria de transmitir uma mensagem de compromisso e de disponibilidade. Compromisso de, estando perfeitamente ciente das dificuldades das Regiões Ultraperiféricas, bem como das suas potencialidades, do quanto podem contribuir para o projeto europeu, preparar orientações claras para o próximo QFP, avançar com medidas concretas, corrigir as falhas já identificadas na comunicação da Comissão e na estratégia anterior, retomar justas reivindicações da ultraperiferia, bem como de alcançar um compromisso com capacidade de proteger as Regiões Ultraperiféricas face a outras políticas que se começam a desenhar na UE ou de futuras crises semelhantes às que estamos a experienciar. E, a terminar, reitero total disponibilidade para articular, não só com as autoridades regionais, como com as várias entidades representativas dos vários setores de ambas as regiões e sociedade civil, para contribuir para a melhoria da Estratégia apresentada pela Comissão (Vida Economica, texto do Jornalista Virgilio Ferreira)
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