O Novo Banco usa prevenção do branqueamento para travar retirada de dinheiro de entidades venezuelanas desde 2019. Remete para a justiça. Caracas lembra que só exporta petróleo se puder aceder a verbas. O amanheceu com a notícia de que o vice-presidente do partido liderado por Nicolás Maduro mostrou disponibilidade para exportar gás e petróleo para a Europa, mas com um mecanismo que assegure que o dinheiro chega antecipadamente a Caracas, para não ficar congelado na banca europeia, como acontece com o Novo Banco. Esta é uma história com anos, do qual o Governo português se tem afastado, e cuja decisão final será tomada pela justiça.
O QUE DIZ O VICE-PRESIDENTE DO PARTIDO DE MADURO?
Diosdado Cabello, vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, que é o partido do Governo), dirigiu-se à União Europeia num contexto de subida de preço da energia. “Aqui há petróleo, tudo o que precisem para mais de 100 anos, mas têm de pagar por ele, não o vão levar, não o vão roubar”. O país sofre sanções internacionais, sobretudo dos Estados Unidos da América, e dispõe-se a exportar petróleo e gás, mas com um mecanismo de pagamento antecipado e por um sistema “que permita à Venezuela utilizar os recursos que vão pagar por esse petróleo”, declarou Cabello, citado pela agência Lusa. É nesse contexto que faz a referência a Portugal: “Como é que eles vão pagar com contas bancárias em Portugal, se nos tiraram o dinheiro da PDVSA [empresa estatal Petróleos da Venezuela SA] em Portugal”.
QUE DINHEIRO É ESTE?
A Venezuela era um mercado com o qual o Banco Espírito Santo (BES), antecessor do Novo Banco, tinha boas relações. Havia aplicações de entidades estatais e elas até se disponibilizaram para ajudar o banco liderado por Ricardo Salgado, para evitar a derrocada que se veio a concretizar a 3 de agosto de 2014. O BES caiu, houve dinheiro perdido, mas houve também depósitos a permanecerem no Novo Banco. As entidades venezuelanas calculam-nos em mais de mil milhões de euros. Mas não conseguem mexer no dinheiro desde 2019.
PORQUE NÃO HÁ MOVIMENTAÇÕES?
A Venezuela tem vivido turbulência política e o regime de Nicolas Maduro já se opôs o autoproclamado presidente Juan Guiadó. Com ordens de transferência de contas e acusações de fraude, o Novo Banco travou uma movimentação. E desde aí não mais aceitou. A turbulência na Venezuela faz com que os nomes de quem assina os pedidos de transferências mudem em várias operações, sem sustentação sobre o poder legal para isso – e as certificações de tais nomes nunca são consideradas suficientemente válidas. Nada mudou em relação àquilo que o banco liderado por António Ramalho declarou ao Expresso em outubro do ano passado, em que remeteu qualquer movimentação apenas para quando houver sentenças judiciais. Isto porque entretanto as entidades daquele país já foram para a justiça.
“Encontram-se a correr diversos processos judiciais
cíveis com entidades estatais venezuelanas tendo em vista apurar quem são os
seus efetivos representantes para efeitos de movimentação de fundos, resolvendo
o diferendo desencadeado pelo recebimento de instruções contraditórias pelo
Novo Banco por parte de pessoas que, a partir do início do ano de 2019, se
arrogam diferentes e conflituantes legitimidades políticas e legais para
efeitos de movimentação das contas bancárias que tinham sido constituídas junto
do Novo Banco”, respondeu então o banco.
O banco detido pela americana Lone Star defendia,
nessa mesma resposta, que a sua recusa não era específica, mas geral: “Não se
trata de uma particularidade do ordenamento jurídico português e menos ainda de
uma atuação singular do Novo Banco” já que está a ser “discutida em vários
países”. O Novo Banco afastava, na altura, qualquer ligação entre o adiamento
do pagamento e as sanções em vigor sobre o regime de Nicolás Maduro, dizendo
que quer “apenas apurar quem pode movimentar os fundos em causa”.
Recebendo as várias ordens de transferências, mas não
conseguindo que os ordenantes passem no crivo deste exame, o Novo Banco optou
por enviar o tema para tribunal para que seja um juiz a decidir se há razão
para que a recusa da operação. Fê-lo, mas até agora ainda sem uma resposta
definitiva. O dinheiro ficou, assim, depositado à ordem do tribunal.
É A PRIMEIRA VEZ QUE HÁ PEDIDO?
A acusação de que o dinheiro pertence a Caracas e que há um bloqueio do Novo Banco não é nova. Desde 2019 que existe. Nicolas Maduro referiu a sua necessidade para pagar alimentos. Com a pandemia, o Governo de Maduro também já tinha dito que as verbas bloqueadas serviriam para financiar a compra de mais de 30 milhões de seringas e 14,5 milhões de vacinas contra algumas das principais doenças infecciosas conhecidas: sarampo, difteria, tétano, poliomielite e febre-amarela. Em março, Maduro alertou na ONU que este congelamento que limitava o combate à covid-19, que disse ocorrer com o banco português, com o Banco de Inglaterra e com o Citibank. O regime de Caracas enquadra estas ações com as sanções impostas pelos Estados Unidos (e o Novo Banco tem a Lone Star como principal acionista). Agora, o regime venezuelano faz referência à crise energética que está a centrar as atenções na Europa para conseguir esta libertação das verbas cativadas.
O QUE TEM DITO O GOVERNO?
O Governo tem estado publicamente afastado do assunto. Em 2019, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, hoje presidente da Assembleia da República, afirmou que “os bancos não recebem instruções do Governo português, a não ser para aplicação de regimes de sanções, que são das Nações Unidas e da UE. Em Portugal, os diferendos resolvem-se por via judicial”. O mesmo gabinete referiu que “no que concerne a verbas venezuelanas bloqueadas no Novo Banco, tal diz respeito à relação de natureza privada entre essa instituição bancária e um seu cliente estrangeiro, regulada pelo cumprimento das regras aplicáveis ao sector”. Não se sabendo quais os assuntos discutidos, em abril de 2021, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, reuniu-se com a embaixada da República Bolivariana da Venezuela, como consta da sua agenda pública (Expresso)
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