terça-feira, julho 26, 2022

Estagnação na zona euro e um dos piores crescimentos da economia mundial desde 1980: o cenário pessimista do FMI para 2023

No início deste ano, o FMI previa para 2023 um crescimento perto de 4% para a economia mundial e de 2,5% para a zona euro. Agora admite um cenário pessimista (batizado de 'alternativo') em que o mundo cresce 2% e o espaço da moeda única entra em estagnação. O Fundo Monetário Internacional (FMI) não fala de recessão na atualização das previsões macroeconómicas para 2022 e 2023 publicadas esta terça-feira em Washington. Mas o fantasma está presente nas entrelinhas, com os economistas do Fundo dirigidos pelo académico Pierre-Olivier Gourinchas, a avançarem com um "cenário alternativo" ao cenário-base, onde se admite para o próximo ano estagnação na zona euro (ou mesmo uma ligeira contração) e um crescimento da economia mundial em 2%, um dos seis ritmos mais baixos em 43 anos (incluindo as recessões de 2009 e 2020), desde que o Fundo iniciou a nova série em 1980.

No cenário-base, o FMI prevê, agora, um crescimento mundial de 3,2% em 2022 e 2,9% no ano seguinte. Muito longe das previsões otimistas avançadas em outubro do ano passado, quando apontava para quase 5% de crescimento este ano, e aquando da atualização feita em janeiro apresentando pela primeira vez uma previsão de crescimento de quase 4% para 2023.

A zona euro, na qual a economia portuguesa se insere e da qual depende fortemente em termos de exportações, deverá abrandar o crescimento este ano para 2,6% e resvalar para um ritmo medíocre de 1,2% no próximo ano - mesmo assim crescendo, nos dois anos, acima do ritmo dos Estados Unidos (onde a política desinflacionária da Reserva Federal dos Estados Undos terá um efeito mais duro, com o crescimento a abrandar para 2,3% este ano e 1% no próximo ano).

DESINFLAÇÃO E GUERRA VÃO PROVOCAR FORTE ABRANDAMENTO

O FMI não esconde que o que o levou, agora. a cortar nas previsões em relação ao que avançava ainda há apenas quatro meses foram um surto inflacionário persistente para além do estimado, a incerteza sobre a dimensão dos objetivos do imperialismo russo (e do grau de retaliação que será feito à economia russa), a dificuldade da China em lidar com os impactos prolongados da crise pandémica na economia interna e no comércio internacional, e com a crise no imobiliário, e a certeza de um movimento global de aperto da política monetária apostando claramente num efeito desinflacionário mundial.

O Fundo admite que é necessário um "período de desinflação global", que reduza a inflação mundial de 8,3% em 2022 para 5,7% no próximo ano. Em abril, os economistas do Fundo previam para 2022 uma inflação mundial de 6,9%. O primeiro efeito surpresa é esta revisão em alta para 2022 de mais de 1 ponto percentual feita agora. Para as economias desenvolvidas, o FMI prevê uma redução da inflação de 6,6% em 2022 para metade, 3,3% em 2023, mesmo assim claramente acima do objetivo de estabilização dos preços em 2% defendido pela maioria dos bancos centrais destas economias. No caso da zona euro, as previsões apontam para 7,3% este ano e 3,9% no próximo, acima das adiantadas pelo Banco Central Europeu nas suas projeções de junho.


Os efeitos desta onda de desinflação mundial, acrescida dos impactos geopolíticos e geoeconómicos da agressão russa e da incapacidade política de Pequim em eliminar os efeitos negativos da sua estratégia anti-covid, levaram aos cortes quase generalizados nas previsões do crescimento que acentuaram o abrandamento económico mundial e nas principais regiões. O documento do Fundo admite que "o ajustamento desinflacionista pode ser mais disruptivo do que o esperado". Refere, ainda, que "a dimensão exata do impacto do aperto da política que vai ser necessária para baixar a inflação sem provocar uma recessão é difícil de apurar".

O FMI destaca, entre as grandes economias, a depressão acumulada de mais de 10% na Rússia em 2022 e 2023 e os abrandamento dos ritmo económico superiores a quatro pontos percentuais do PIB na caso da China (considerada o 'motor' económico do mundo), França e Reino Unido.

Em virtude da enorme incerteza, o Fundo acautela as previsões avançando com um cenário alternativo, mais pessimista, como já referido, admitindo que é "plausível" e que a equipa chefiada pelo académico francês "coloca uma ênfase invulgarmente muito forte no cenário alternativo".

No entanto, a palavra recessão não entra nos cenários. "Com o crescimento perto de 3% em 2022 e 2023, uma queda do PIB global ou do PIB per capita mundial - algumas vezes associada com uma recessão global - não integra atualmente o cenário-base", sublinha o documento do FMI.

NO PRÓXIMO ANO APROFUNDA-SE A DESACELERAÇÃO MUNDIAL

A economia mundial deverá reduzir o seu ritmo de crescimento para menos de 3% em 2023, segundo as previsões atuais do FMI. Nas previsões mais amplas a apresentar no World Economic Outlook em outubro próximo, se verá se a previsão de 2,9% se vai manter ou se se aproximará mais do "cenário alternativo" de 2%.

A concretizar-se um horizonte pessimista em 2023, só por quatro vezes, nos últimos 43 anos, a economia mundial cresceu a 2% ou menos (em 1980, 1981, 1982 e 1993), se se excluírem os dois anos de recessão mundial (2009, depois da crise financeira global, e 2020 com o choque da pandemia). O comércio internacional registará, também, uma forte desaceleração: de 10,1% de crescimento em 2021, para uma previsão de 4,1% em 2022 e 3,2% em 2023.

Para as economias exportadoras, este horizonte de desaceleração continuada do crescimento do comércio internacional não pode ser ignorado. O comércio mundial continua paralisado em parte pelos bloqueios nas cadeias mundiais de fornecimento, pelo impacto da invasão da Ucrânia, pela guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e pelo risco de uma fragmentação geopolítica que consolide uma fragmentação geoeconómica com blocos económicos separados.

No quadro da desaceleração no próximo ano, há um conjunto de grandes economias cujo crescimento é francamente medíocre, abaixo de 1%, perto da estagnação. Para além da continuação da depressão russa, o Reino Unido (em crise política e fustigado pelos efeitos do Brexit). a Itália (em crise política e com grande incerteza em relação ao futuro a sair das próximas eleições), e a Alemanha (o motor da zona euro). Também os EUA, França. Brasil, o conjunto da zona euro e o México crescerão menos de 1,5%.

Portugal terá um crescimento significativo em 2022 (5,8%, segundo as mais recentes previsões do Fundo publicadas numa análise ao abrigo do artigo IV em junho), muito acima do crescimento mundial e da zona euro, mas abrandará para menos de 2% no ano seguinte. Uma nova previsão só será publicada em outubro, aquando da atualização global do World Economic Outlook. Ainda recentemente, a Comissão Europeia, nas suas previsões é ainda mais otimista para 2022, apontando para um crescimento de 6,5%, mas está em linha com o FMI em relação ao significativo abrandamento para o próximo ano (a mesma previsão de 1,9%). (Expresso, texto do jornalista Jorge Nascimento Rodrigues)

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