"Há uma palavra e duas frases que prometi
nunca escrever. Mas aqui vão elas. A palavra é desaguisado. As frases são:
"mosquitos por cordas" e "a montanha pariu um rato". Não
encontro outra maneira para descrever o que está a acontecer entre a Comissão
Europeia e a Alemanha. Estamos perante um desaguisado que está a provocar
mosquitos por cordas (parece que significa tensão) e acabará por parir um rato
- dar em nada.
Não sei a origem destas frases e da
magnífica palavra, o que sei é que quando estamos a 50 mil pessoas de chegar ao
milhão de desempregados oficiais, quando as falências se amontoam e o Estado
vacila mas não cede; ou seja, enquanto nada de estrutural mudou, apenas se
instalou o medo e a desorientação como método de gestão no sector público,
enquanto pelo caminho se rebentou com o sector privado, enquanto prosseguia
esta corrida para o fundo... Merkel e Durão exibem uma falta de solidez que não
me espanta, mas desilude e desespera.
Quer dizer, depois de termos engolido
tudo, depois de termos sido acusados de todas as patifarias e desperdícios,
agora que estamos de joelhos, com a dívida pública nas nuvens, agora que falta
um ano para o fim do resgate... os pretensos salvadores zangam-se e reconhecem:
este modelo não funciona e está carregado de erros. Como?! Certo, penso eu.
Devem ser erros extraordinários, coisas difíceis de antecipar.
Vejamos. Os três erros no programa de
assistência apontados pela Alemanha à Comissão Europeia são tão evidentes que
até envergonha. Cito o Público de segunda-feira. 1) "Os dois países
[Portugal e a Grécia] não podem desvalorizar a moeda por estarem numa união
monetária." Ena pá! Aqui está um detalhe novo; 2) "Os programas não
integram a recessão económica do resto da zona euro que os impede de sair da
crise pela via das exportações." A sério? Ninguém tinha avisado. 3)
"O programa ignora a quebra de investimento resultante da situação
catastrófica de muitos bancos." Por toutatis: realmente nem um só
economista ou chofer de praça tinha chamado a atenção para esta pescadinha de
rabo na boca. Dois anos de loucura e a Alemanha renega tudo o que nos impôs.
Concluo: as contas públicas
descontroladas, os empresários pendurados no Estado, os empregados encostados à
própria impreparação, os funcionários públicos protegidos e desvalorizados por
uma redoma legal que mantém o resto do País refém - além de anos de crédito
barato - tudo isso nos conduziu a um cruel experimentalismo económico e social.
O problema não estava no diagnóstico. Estava na dificuldade em acertar na
receita com o menor custo possível, embora a fatura fosse sempre tornar-se
pesada. Mas não foi pesada: foi destruidora, foi uma bomba. E agora a Alemanha
lava as mãos à segunda-feira, embora à quarta (ontem) diga que afinal somos
belíssimos. A montanha não pariu um rato; a Alemanha é que pariu uma ratoeira" (texto
de André Macedo, DN de Lisboa, com a devida vénia)