quarta-feira, maio 29, 2013

Opinião: "Avisos"



"I.O Bastonário dos Médicos, José Manuel Silva defendeu recentemente a realização de um referendo nacional aos cortes na saúde, admitindo que os políticos dificilmente o quererão por saberem antecipadamente o resultado. Segundo o médico, "se queremos alterar radicalmente o panorama da saúde em Portugal, temos que ter um referendo sobre a saúde, para que estas questões sejam discutidas explicitamente e não estejam disfarçadas no meio de um programa", defendeu. Julgo que o Bastonário pretendeu dizer, apesar de não o ter feito abertamente, que este governo de coligação tem vindo a promover mudanças estruturais em vários sectores de actividade com base numas perspectiva programática e ideológica que não submeteu previamente ao veredicto dos eleitores, na medida em que escondeu deliberadamente as suas intenções e a agenda ideológica que o estimulava num memorando de ajustamento da tróica, atribuído ao socialistas e a Sócrates, mas hoje reconhecidamente, face à sua versão original, foi amplamente ultrapassado pela direita e pela esquerda pelo actual governo de coligação que sempre o assumiu como uma parte do seu programa de acção. Mas nunca o fez em campanha eleitoral, durante a até recusou aumentar impostos ou cortar subsídios salariais…
A saúde tem sido um dos sectores onde essas mudanças estruturais aceleradas e impostas por decreto mais se têm feito sentir e onde hoje já se questiona até que ponto a crise do país e a austeridade criminosa que o empobrece todos os dias, bem como às famílias e às empresas, não afasta as pessoas do direito constitucional de acesso à saúde. Hoje procura-se saber até que ponto o empobrecimento das pessoas e das famílias não as impede de um direito constitucional fundamental, o acesso à saúde, pelo facto do estado sub-repticiamente estar a transferir para os utentes, encargos que são da sua responsabilidade por imposição constitucional, indiferente ao facto dos cidadãos estarem cada vez mais com menos rendimentos disponíveis. O Bastonário coloca o dedo na ferida, quer quando reclama um referendo, quer também quando sustenta que os 10% do PIB que são gastos na saúde são "absolutamente sustentáveis".
José Manuel Silva parece não ter dúvidas e aborda esta problemática de uma forma polémica mas convicta, pelo menos em termos de suscitar a reflexão por parte dos cidadãos que costumam olhar para tudo com resignação: "Os 10% que nós gastamos na saúde são absolutamente sustentáveis, a forma errada como gastamos os outros 90% é que conduziu Portugal à bancarrota. A dívida do Serviço Nacional de Saúde (SNS) era inferior às perdas financeiras que o Estado teve com o BPN, não sendo aceitável que a 'tróica' provoque a destruição do SNS, uma vez que os portugueses pagam do seu bolso muito mais despesas de saúde do que a média dos países da OCDE". Assino por baixo sem pestanejar. 
Curiosas foram também as declarações do Bastonário, e que terão apanhado algumas pessoas de surpresa – confesso que fui uma delas, pois supostamente o Brasil é uma espécie de oásis, mesmo feito a martelo – classificando de "escravatura" as condições impostas pelo governo brasileiro aos médicos portugueses que estão a ser aliciados a aceitar contractos para trabalharem temporariamente naquele país, supostamente em zonas remotas onde os médicos brasileiros recusam ir. "Os médicos ficam como prisioneiros. Não podem sair da zona onde são colocados e não têm autorização para exercer medicina nem reconhecimento do seu título em qualquer outra região do Brasil. A proposta é desprestigiante para os médicos portugueses e, apesar de bem-intencionada, foi mal pensada, desrespeitando inclusivamente as regras do Conselho Federal de Medicina do Brasil. Nós em Portugal não fizemos sequer isto aos colegas da América latina", concluiu. É evidente que este alerta do Bastonário dos Médicos devem constituir motivo de reflexão e de alerta, não apenas para os médicos mas também para os profissionais de outras actividades que, desesperados por esta crise depressiva que aos poucos nos asfixia, acabam por ser aliciados para aventuras das quais depois se arrependem. 
II.A esquerda portuguesa sofre de um problema de afirmação junto dos eleitores e não consegue disfarçar que está hoje remetida a um papel ridículo no actual contexto social político que nem mesmo a cumplicidade, nalguns casos mais do que evidente, de alguma comunicação social, mormente na ampliação mediática de declarações ou de propostas socialistas consegue atenuar ou disfarçar. O PS, porque é à esquerda quem aspira à rotatividade governativa, está longe de ganhar a confiança dos eleitores. Para a esquerda - que nem sequer é capaz de disfarçar as divergências entre os vários partidos e o incómodo que uma partilha forçada do eleitorado flutuante que normalmente não vota no centro-direita, causa a alguns partidos, sobretudo os mais pequenos que temem a ameaça de pulverização a favor do PS - resta a tentativa de pressionar Paulo Portas, parceiro mais pequeno da coligação com o PSD, convidando-o a distanciar-se de medidas de austeridade deste governo de coligação, confrontando as promessas e o discurso do passado do CDS e de Portas com a realidade. Aliás as sondagens mostram que para além da queda dos dois partidos no poder, o impacto no CDS desta desgastante conjuntura é substancialmente superior ao que penaliza o PSD, facto que certamente é olhado com preocupação pelos dirigentes centristas. A esta estratégia de pressão sobre o CDS, na expectativa de gerar maior instabilidade política na coligação, junta-se uma pressão quase constante, também por parte de sectores políticos identificados com a esquerda, sobre Cavaco Silva, na esperança de que o Presidente perca a paciência, num eventual novo cenário de crise política, com origem na própria coligação, e opte por uma solução mais ousada, que ele tem recusado, porque, parece-me, prefere que antes da saída oficial da tróica do país, Junho do próximo ano, qualquer crise política terá efeitos perigosos na recuperação financeira e orçamental do país. A que se junta a incerteza quanto ao facto de ser considerado um dado adquirido que de eleições antecipadas, como reclamam os partidos da esquerda e as duas centrais sindicais, possa resultar no imediato uma solução governativa consistente e com uma ampla base de apoio parlamentar
Perante esta realidade, obviamente que não deixa de ser ridículo ouvir PCP e Bloco afirmarem-se, repetidamente, prontos para funções governativas em Portugal, ou mesmo constatar que estes dois partidos, sozinhos ou aqui ou acolá juntos com o PS, anunciem com toda a solenidade, como se isso resolvesse fosse o que fosse, que votarão contra este diploma ou aquela medida do governo. O que é que de concreto tem resultado para o país e os portugueses esse voto contra em termos de travar a austeridade imposta? 
Sabemos todos que a política vive também de muita hipocrisia e de muita demagogia. Mas esta argumentação não passa de lixo dialéctico, preocupado em ganhar espaço mediático do que em resolver seja o que for. Ou será que já se esqueceram que PS, PC e Bloco juntos valem muito menos que PSD e CDS, pelo menos enquanto durar esta coligação que garante a sobrevivência de um governo de desprezível, politicamente ilegitimado, sem a base eleitoral que logrou nas eleições de 2011 e que conseguiu com grande "sucesso" colocar os partidos em queda livre - situação que, conforme a amplitude, os podem levar a crises internas de consequências imprevisíveis – tudo vai continuar na mesma".(LFM-JM)