"I.O Bastonário dos Médicos, José Manuel Silva
defendeu recentemente a realização de um referendo nacional aos cortes na
saúde, admitindo que os políticos dificilmente o quererão por saberem
antecipadamente o resultado. Segundo o médico, "se queremos alterar radicalmente o panorama da saúde em Portugal, temos
que ter um referendo sobre a saúde, para que estas questões sejam discutidas
explicitamente e não estejam disfarçadas no meio de um programa",
defendeu. Julgo que o Bastonário pretendeu dizer, apesar de não o ter feito
abertamente, que este governo de coligação tem vindo a promover mudanças
estruturais em vários sectores de actividade com base numas perspectiva
programática e ideológica que não submeteu previamente ao veredicto dos
eleitores, na medida em que escondeu deliberadamente as suas intenções e a
agenda ideológica que o estimulava num memorando de ajustamento da tróica,
atribuído ao socialistas e a Sócrates, mas hoje reconhecidamente, face à sua
versão original, foi amplamente ultrapassado pela direita e pela esquerda pelo
actual governo de coligação que sempre o assumiu como uma parte do seu programa
de acção. Mas nunca o fez em campanha eleitoral, durante a até recusou aumentar
impostos ou cortar subsídios salariais…
A saúde tem sido um dos sectores onde essas
mudanças estruturais aceleradas e impostas por decreto mais se têm feito sentir
e onde hoje já se questiona até que ponto a crise do país e a austeridade
criminosa que o empobrece todos os dias, bem como às famílias e às empresas,
não afasta as pessoas do direito constitucional de acesso à saúde. Hoje
procura-se saber até que ponto o empobrecimento das pessoas e das famílias não
as impede de um direito constitucional fundamental, o acesso à
saúde, pelo facto do estado sub-repticiamente estar a transferir para os
utentes, encargos que são da sua responsabilidade por imposição constitucional,
indiferente ao facto dos cidadãos estarem cada vez mais com menos rendimentos
disponíveis. O Bastonário coloca o dedo na ferida, quer quando reclama um
referendo, quer também quando sustenta que os 10% do PIB que são gastos na
saúde são "absolutamente
sustentáveis".
José Manuel Silva parece não ter dúvidas e
aborda esta problemática de uma forma polémica mas convicta, pelo menos em
termos de suscitar a reflexão por parte dos cidadãos que costumam olhar para
tudo com resignação: "Os 10% que nós
gastamos na saúde são absolutamente sustentáveis, a forma errada como gastamos
os outros 90% é que conduziu Portugal à bancarrota. A dívida do Serviço Nacional
de Saúde (SNS) era inferior às perdas financeiras que o Estado teve com o BPN,
não sendo aceitável que a 'tróica' provoque a destruição do SNS, uma vez que os
portugueses pagam do seu bolso muito mais despesas de saúde do que a média dos
países da OCDE". Assino por baixo sem pestanejar.
Curiosas
foram também as declarações do Bastonário, e que terão apanhado algumas pessoas
de surpresa – confesso que fui uma delas, pois supostamente o Brasil é uma
espécie de oásis, mesmo feito a martelo – classificando de
"escravatura" as condições impostas pelo governo brasileiro aos
médicos portugueses que estão a ser aliciados a aceitar contractos para
trabalharem temporariamente naquele país, supostamente em zonas remotas onde os
médicos brasileiros recusam ir. "Os
médicos ficam como prisioneiros. Não podem sair da zona onde são colocados e
não têm autorização para exercer medicina nem reconhecimento do seu título em
qualquer outra região do Brasil. A proposta é desprestigiante para os médicos
portugueses e, apesar de bem-intencionada, foi mal pensada, desrespeitando
inclusivamente as regras do Conselho Federal de Medicina do Brasil. Nós em
Portugal não fizemos sequer isto aos colegas da América latina",
concluiu. É evidente que este alerta do Bastonário dos Médicos devem constituir
motivo de reflexão e de alerta, não apenas para os médicos mas também para os
profissionais de outras actividades que, desesperados por esta crise depressiva
que aos poucos nos asfixia, acabam por ser aliciados para aventuras das quais
depois se arrependem.
II.A esquerda portuguesa sofre de um problema
de afirmação junto dos eleitores e não consegue disfarçar que está hoje
remetida a um papel ridículo no actual contexto social político que nem mesmo a
cumplicidade, nalguns casos mais do que evidente, de alguma comunicação social,
mormente na ampliação mediática de declarações ou de propostas socialistas
consegue atenuar ou disfarçar. O PS, porque é à esquerda quem aspira à
rotatividade governativa, está longe de ganhar a confiança dos eleitores. Para
a esquerda - que nem sequer é capaz de disfarçar as divergências entre os
vários partidos e o incómodo que uma partilha forçada do eleitorado flutuante
que normalmente não vota no centro-direita, causa a alguns partidos, sobretudo
os mais pequenos que temem a ameaça de pulverização a favor do PS - resta a
tentativa de pressionar Paulo Portas, parceiro mais pequeno da coligação com o
PSD, convidando-o a distanciar-se de medidas de austeridade deste governo de
coligação, confrontando as promessas e o discurso do passado do CDS e de Portas
com a realidade. Aliás as sondagens mostram que para além da queda dos dois
partidos no poder, o impacto no CDS desta desgastante conjuntura é
substancialmente superior ao que penaliza o PSD, facto que certamente é olhado
com preocupação pelos dirigentes centristas. A esta estratégia de pressão sobre
o CDS, na expectativa de gerar maior instabilidade política na coligação,
junta-se uma pressão quase constante, também por parte de sectores políticos
identificados com a esquerda, sobre Cavaco Silva, na esperança de que o
Presidente perca a paciência, num eventual novo cenário de crise política, com
origem na própria coligação, e opte por uma solução mais ousada, que ele tem
recusado, porque, parece-me, prefere que antes da saída oficial da tróica do
país, Junho do próximo ano, qualquer crise política terá efeitos perigosos na
recuperação financeira e orçamental do país. A que se junta a incerteza quanto
ao facto de ser considerado um dado adquirido que de eleições antecipadas, como
reclamam os partidos da esquerda e as duas centrais sindicais, possa resultar
no imediato uma solução governativa consistente e com uma ampla base de apoio
parlamentar
Perante esta realidade, obviamente que não
deixa de ser ridículo ouvir PCP e Bloco afirmarem-se, repetidamente, prontos
para funções governativas em Portugal, ou mesmo constatar que estes dois
partidos, sozinhos ou aqui ou acolá juntos com o PS, anunciem com toda a
solenidade, como se isso resolvesse fosse o que fosse, que votarão contra este
diploma ou aquela medida do governo. O que é que de concreto tem resultado para
o país e os portugueses esse voto contra em termos de travar a austeridade
imposta?
Sabemos todos que a política vive também de
muita hipocrisia e de muita demagogia. Mas esta argumentação não passa de lixo
dialéctico, preocupado em ganhar espaço mediático do que em resolver seja o que
for. Ou será que já se esqueceram que PS, PC e Bloco juntos valem muito menos
que PSD e CDS, pelo menos enquanto durar esta coligação que garante a
sobrevivência de um governo de desprezível, politicamente ilegitimado, sem a
base eleitoral que logrou nas eleições de 2011 e que conseguiu com grande "sucesso" colocar
os partidos em queda livre - situação que, conforme a amplitude, os podem levar
a crises internas de consequências imprevisíveis – tudo vai continuar na mesma".(LFM-JM)