"Quando numa reunião partidária, em
Julho do ano passado, Coelho, a propósito da actuação do governo - que então
estava muito longe da contestação que viria a ser alvo, sobretudo em Setembro
desse ano com a tremenda manifestação nacional de contestação às
mudanças na TSU, a qual apanhou de surpresa o executivo de coligação e
instaurou um clima de medo entre os seus membros, consubstanciado no reforço de
segurança, na redução do aparecimento em actos públicos, no aumento da
contestação popular, etc - afirmou que entre a manutenção do rumo e das opções
governativas e as eleições, escolhia claramente a primeira, sustentando que se "lixem as eleições" estava a fazer um mero
exercício de demagogia barata e a desvalorizar antecipadamente o desfecho
eleitoral deste ano que sabia então lhe seria penoso e desfavorável.
Recordo que
essas declarações de Coelho, a roçar o patético foram feitas numa reunião com
os deputados social-democratas a quem Passos lembrou que nenhum deles tinha
sido eleito para ganhar as próximas eleições e que estava disposto a sacrificar
os resultados eleitorais pelo interesse nacional. “Se algum dia tiver de perder
umas eleições em Portugal para salvar o país, como se diz, que se lixem as
eleições, o que interessa é Portugal”, declarou, numa declaração ridícula que
não foi levada a sério. Salvo pelos deputados do PSD, tidos como os alvos
preferenciais destes avisos de um governante enfraquecido e ilegitimado, sem a
base eleitoral que lhe tinha propiciado a vitória em Junho de 2011, em eleições
convocadas em circunstancias que a história um dia desvendará ao revelar-nos
toda a verdade dobre o que se passou entre Janeiro e Março desse ano. “Nenhum
dos senhores ou das senhoras foi eleito para esse mandato. Nenhum dos que aqui
estão foi eleito para ganhar as próximas eleições, ou para ajudar a ganhar
autárquicas, nem as regionais deste ano nos Açores, nem as europeias que aí vêm
a seguir, não foi para isso que fomos eleitos” disse na altura perante o
frenético aplauso dos deputados laranjas, claramente os destinatários do aviso,
numa demonstração de como política e hipocrisia continuam de braço dado.
Aliás, nesta sequência, não deve
espantar a ninguém o facto de Passos Coelho ter afirmado mais recentemente,
durante uma festa comemorativa dos 39 anos do PSD, que não se demitirá se
perder as eleições autárquicas, ao contrário do que como aconteceu com o
socialista António Guterres. Passos sabe que vai perder, sabe que o PSD perdeu
a maior parte da base eleitoral de apoio obtida em Junho de 2011, e que não era
toda naturalmente sua, sabe que a coligação sofrerá ainda maior desgaste até
Setembro, data de realização das eleições, devido aas medidas que têm na calha,
mas não sabe qual será a dimensão dessa derrota nem quais as consequências políticas
para os dois partidos da coligação que daí resultarão.
Se o PSD perder as principais camaras
municipais do país, onde está sujeito não apenas ao desgaste social e
eleitoral, mas também aa pressão de candidaturas independentes - muitas delas
com origem nas próprias bases social-democratas... - a questão da liderança do
PSD e da legitimidade do actual governo de coligação coloca-se. Aliás foi isso
mesmo que aconteceu com Guterres, quando se demitiu em 2003 depois da derrota
nas autárquicas, embora neste caso, e para além das divergências políticas que
existiam, estamos a falar de um político com valores éticos e com a noção da
dimensão da política, dos seus limites e da própria legitimidade dos seus
protagonistas.
Derrotado nas autárquicas, Guterres
sentiu-se derrotado e sem espaço de manobra para o exercício da sua governação,
pelo que se demitiu. Penso que se estes políticos hoje no poder, tivessem a
mesma dignidade, que não têm, e os mesmos valores e princípios de Guterres, que
não têm, teriam, por sua iniciativa, em vez de a isso serem obrigados, que
fazer o mesmo que aquele dirigente socialista, independentemente do facto de
todos sabermos que estamos perante uma horda de oportunistas utra-neoliberais,
a roçar o protofascismo mais asqueroso e nojento, que persegue uma agenda
ideológica que, para ser concretizada, precisa que o poder partidário, tomado
de assalto e em circunstancias que um dia todos ficaremos a conhecer com
verdade, seja mantido, custe o que custar.
O que é que Passos faz? Antecipa-se e ameaça. Não se demite mesmo que
perca, embora sabendo que vai sofrer uma copiosa derrota, apesar da
especificidade das eleições autárquicas e de eu continuar a entender que os
eleitores, até para sua própria defesa, não devem confundir o desejo natural e compreensível
de penalizar este poder desprezível, com a escolha daqueles que são os que à partida melhor condições terão para zelar pelos
seus interesses enquanto colectividades organizadas, na freguesia ou nos
municípios.
Ou seja, para ser mais claro,
não me parece normal que se arrisque penalizar uma candidatura do PSD, que reúne
todas as condições para defender os seus eleitores e realizar um bom trabalho,
só porque é do PSD pelo que, estando associada ao poder e aa coligação no poder
em Lisboa, isso constitui motivo mais do que suficiente para que seja derrotada
nas urnas. É um risco que determinadas candidaturas correm, é, no caso de
algumas delas, um desfecho previsível, mas isso não me leva a considerar, longe
disso, que seja a melhor opção dos eleitores.
O problema - este é o
principal desafio dos partidos, mais do que andar a gastar dinheiro em comícios
ou outras encenações de campanha eleitoral, que nesta conjuntura de contenção e
de crise podem até ter um efeito contrário junto dos cidadãos - é que estas
eleições autárquicas são, no que a essa questão diz respeito, as mais difíceis
e problemáticas de sempre. Estamos por isso a falar, há que dize-lo, da
necessidade de cuidados duplicados.
Desde logo porque são as
primeiras eleições depois de Junho de 2011 e de dois anos de uma criminosa
austeridade imposta por um governo protofascista, arrogante, mentiroso,
manipulador, incompetente, que se limita a impor a austeridade por decreto, a
roubar salários e pensões, a esmagar direitos sociais, a perseguir idosos e
pensionistas, a encher a pança dos credores com milhares de milhões de euros de
euros, leia-se com lucros agiotas, a estender a carpete vermelha aos alemães e
aos especuladores europeus seus aliados e a chupar os portugueses até ao
tutano, cobrando-lhes impostos em nome de uma das mais pesadas cargas fiscais
da Europa" (LFM-JM)