"Ontem,
neste jornal, Pacheco Pereira perguntava-se: alguém sabe do pacote dos 4000
milhões? Vale a pena responder a esta e outras questões colaterais: porquê 4000
milhões? O que significa se conseguirmos alcançar este objectivo? E se não o
alcançarmos? Os dados da execução orçamental indicam que estamos no bom
caminho?
Comecemos pelos grandes números. Os défices
orçamentais (sem medidas extraordinárias e em percentagem do PIB) de 2011 e
2012 foram de 7,4% e 6,4%. Para 2013 e 2014 os défices acordados com a troika
(após duas revisões desde o primeiro memorando) são de 5,5% e 4% o que de
acordo com algumas hipóteses (mais pessimistas do que as do Governo pois assumo
recessão ainda em 2014), significa um défice de 8975 milhões e 6573 milhões
respectivamente. Os 4000 milhões são aproximadamente a diferença entre o défice
de 2012 (10.596 milhões) e o objectivo actual do défice para 2014 (6573). Para
pôr este números em perspectiva se não houvesse credores a financiarem este
défice de 2012 não seria possível pagar 95,9% das despesas de pessoal da
administração central e segurança social, ou 73,4% das pensões da segurança
social ou não seria possível satisfazer a totalidade das despesas do serviço
nacional de saúde. Noutra perspectiva, o défice de 2012 (que aumenta o stock
da dívida) é cerca de cinco vezes o que se poderá obter com a privatização dos
CTT com um bom negócio (para diminuir o stock da dívida). Alcançar uma
redução sustentada do défice é conseguir inverter a tendência de crescimento
explosiva do rácio da dívida no PIB e deixarmos de depender de credores. Não
conseguir reduzir o défice é o caminho para a bancarrota e para a saída do euro
(ver outro texto nesta página).
Em resumo, este ano o governo tem que apresentar as
medidas para reduzir o défice em cerca de 1600 milhões, algo que só saberemos
como com o Orçamento Rectificativo a ser apresentado em breve, e no próximo ano
de 2400 milhões algo que será apresentado no OE2014, caso não haja alteração
das metas orçamentais.
Os dados que aqui apresentamos representam mais de 80%
da despesa e da receita da administração central e segurança social. Embora
seja uma abordagem parcial trata dos principais agregados das finanças
públicas. O que se pode observar é que há uma subida notória nos impostos
directos, em particular no IRS, mas há um decréscimo nos indirectos, em
particular continua a tendência dos últimos anos de decréscimo no imposto sobre
produtos petrolíferos. Os portugueses continuam a andar cada vez menos de
automóvel, o que se confirma também pela queda do tráfego das autoestradas. A
despesa com pessoal cresce pela reposição de um subsídio de férias em
duodécimos e irá ainda crescer mais quando, no final do ano, for pago outro
subsídio. Na aquisição de bens e serviços na saúde (medicamentos, meios
auxiliares de diagnóstico) existe ligeira poupança, mas porventura
representando um aumento da dívida a fornecedores. Os juros mantêm-se estáveis.
O saldo destas rubricas de receita e despesa (saldo 1) melhorou ligeiramente.
Porém, o saldo da segurança social, considerando apenas contribuições e
prestações (saldo 2) piorou significativamente, pelo que considerando o efeito
de ambos, não há progressos na consolidação orçamental.
A situação na segurança social deve-se a um aumento
modesto nas contribuições sociais, do lado da receita, mas a um aumento mais
significativo das pensões e do subsídio de desemprego, do lado da despesa. As
outras prestações sociais, em termos globais, estão estáveis com a descida de
algumas (RSI por exemplo) a ser compensadas pela subida de outras (acção social).
Para
concluir, não vislumbramos ainda onde estão as medidas que permitem reduzir o
défice em 1600 milhões este ano, como primeiro passo para a redução de 4000
milhões em 2013 e 2014. Mais, tendo em conta que a despesa irá aumentar, na
sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional, com a reposição de subsídios a
funcionários e pensionistas no final do ano, não vislumbramos que o objectivo
para o défice em 2013 possa ser alcançado o que, obviamente, são más notícias.
Enfim, eu não sei do pacote dos 4000 milhões"
(texto
de Paulo Trigo Pereira, Público, com a devida vénia)